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Veterinários Portugueses pelo Mundo

“As nossas barreiras somos nós próprios que as criamos”

Bianca Lourenco

Bianca Lourenço, médica veterinária a frequentar o 3º ano de especialidade em Medicina Interna na University of Georgia, EUA

Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?

A minha área de especialidade é a medicina interna de animais de companhia. Apesar de me ter apercebido relativamente cedo que iria gostar de seguir um caminho no mundo académico e fazer internato e residência de especialidade, a escolha da especialidade a seguir não foi necessariamente fácil. Sou fascinada pela fisiologia animal e, consequentemente, sempre me interessei por áreas bastante diversas. Durante o meu primeiro internato ficou claro que tenho imenso prazer em obter um diagnóstico final, ou pelo menos contar uma história plausível que explique determinados sinais, daí a escolha pela medicina interna.

 

Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?

Neste momento estou no terceiro ano de especialidade na University of Georgia (UGA, Estados Unidos da América). O caminho até este ponto foi relativamente sinuoso. Enquanto aluna do sexto ano de medicina veterinária no ICBAS (Universidade do Porto), decidi fazer o meu estágio de final de curso nas Universidades do Tennessee (EUA) e de Cambridge (Reino Unido). Esse foi, sem dúvida, o meu ponto de partida. Depois de terminar o curso mudei-me quase de imediato para o Reino Unido, onde trabalhei em clínica de animais de companhia durante uns meses, até me decidir por completo em seguir a via académica e fazer um internato na Universidade de Cambridge. Motivada um pouco por razões pessoais, mas também pelo desejo de trabalhar com um elevado standard of care, quando terminei este internato cruzei o Atlântico para um segundo internato, desta vez na North Carolina State University. Esse foi um ano de crescimento profissional exponencial, que me abriu as portas à especialidade.

 

O que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?

A experiência enquanto estudante no Tennessee foi bastante marcante. Até aí não tinha contatado com um verdadeiro Teaching Hospital completamente funcional, no qual toda a equipa se dedica não só ao cuidado dos pacientes, mas também à instrução dos estudantes. Imediatamente senti o desejo de fazer parte daquele meio.

 

Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?

Os meus dias de trabalho são longos e bastante corridos. Acordo muito cedo, estou no hospital à 07h00 e se sair 12 horas mais tarde fico bastante contente. Não paramos para refeições, come-se enquanto se escreve nos ficheiros clínicos. O meu mundo de trabalho é especialmente agitado, pois estou num centro de referência que recebe casos vindos de todo o estado e até estados vizinhos. A maior diferença que sinto está no facto de não me sentir limitada no que posso oferecer aos meus pacientes. Não só tenho a tecnologia de ponta à disposição, como clientes que me exigem uma medicina de alta qualidade. Passo os dias entre consultas e procedimentos como endoscopias, tomografias computorizadas e outros métodos de diagnóstico. Sendo um hospital universitário, tenho ainda um papel de educadora que toma grande parte do meu tempo. Na verdade, lidar com os estudantes torna os meus dias mais longos, mas também muito mais interessantes. Quando não estou na parte clínica do hospital, dedico-me à investigação clínica, mais especificamente na área da doença renal.

 

Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?

A adaptação ao Reino Unido foi bastante simples. Há uma certa cultura Europeia que prevalece nos países do velho continente, que faz com que consigamos ajustar-nos facilmente ao novo país. Os voos low cost e estar no mesmo fuso horário que Portugal também ajudaram a manter um contato saudável com a família e os amigos. A adaptação aos EUA foi completamente diferente! Com 4-5 horas de diferença horária, uma cultura bastante díspar e um orçamento e tempo bastante limitados, faz com que só consiga voltar a casa a cada 12-18 meses, as saudades apertam bastante. O primeiro ano aqui foi de sacrifício. Desde há uns três anos criei as minhas raízes e estabeleci um bom círculo social em Athens, a cidade onde moro e trabalho. A palavra “casa” passou a ter vários significados diferentes, desde então.

Do que mais tem saudades de Portugal?

Da minha família, das pessoas, do mar e da comida, sem dúvida! Sinto imensa falta da qualidade de vida… De parar para almoçar, de ter um horário de trabalho definido. Os portugueses têm uma atitude bastante saudável perante o equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar, uma característica difícil de encontrar por estes lados.

Quais os seus planos para o futuro?

Esta é certamente a pergunta mais difícil que me fazem. Não tenho planos muito definidos. Para já preocupo-me com o exame de especialidade que terei em Junho. Estou a considerar seriamente ficar mais um pouco pela UGA e fazer um doutoramento, continuando a minha pesquisa atual sobre doença renal crónica.

Equaciona voltar a Portugal?

Sim! Neste momento, a minha prioridade é apostar na formação e crescer profissionalmente. No futuro gostaria de poder voltar e trazer comigo toda a formação na qual tenho apostado. Tenho consciência que a nossa sociedade impõe limites diferentes dos quais estou habituada, mas acredito que enquanto veterinários temos uma visão privilegiada sobre a saúde pública e, mesmo na área dos animais de companhia, temos bastante a oferecer às comunidades que nos rodeiam.

Qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?

O mundo académico cativa-me bastante, por isso gostava de continuar a trabalhar num hospital universitário. Tendo experiência em quatro hospitais diferentes, acredito que poderia ajudar a criar programas de ensino mais dinâmicos, que motivem os estudantes a aprender com base em casos clínicos reais. A área da investigação clínica é um outro interesse que gostaria de continuar a desenvolver, não só pelos benefícios para os pacientes caninos e felinos, mas pelos avanços na nossa área, que por vezes levam a avanços da medicina em geral.

Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária com dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?

Que não desistam. Ouvi vezes sem conta que o mercado está saturado e a vida está má. As nossas barreiras somos nós próprios que as criamos.

Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?

Como saí de Portugal em 2010, a minha análise do estado da medicina veterinária é baseada em descrições feitas pelos meus colegas de curso. Sei que muitos veterinários jovens têm dificuldade em se estabelecer. Isto não acontece só na nossa profissão. Estamos limitados pelo poder económico da população, mas também pelo facto de formarmos tantos colegas todos os anos. Esse é um tópico difícil, mas a verdade é que nos afeta a todos. A minha experiência no Reino Unido e EUA é diametralmente oposta. As comunidades com quem trabalho estão investidas no cuidado dos seus animais e têm posses para assegurar que estes são tratados como um membro da família. Mais uma vez refiro-me às populações com as quais lido, o que não pode ser generalizado para o país. Por outro lado há um número menor de profissionais a formarem-se todos os anos e nenhum dos meus estudantes se esforça muito para encontrar emprego na sua área de eleição.

Qual o seu sonho?

Profissionalmente seria poder voltar para Portugal, ou pelo menos para a Europa, e trabalhar numa universidade onde possa manter o contacto com a clínica, o ensino e a investigação.

 

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