Novas atividades complementares, mais ECTS, foco na comunicação, na liderança, no trabalho em equipa e em gestão são algumas das premissas que estão a guiar a revisão do plano curricular do mestrado integrado em Medicina Veterinária no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. O diretor do curso, Paulo Martins da Costa, avançou também na sessão de abertura das XIV Jornadas de Medicina Veterinária o objetivo de criar um centro de simulação e revelou que quer trabalhar com as restantes faculdades para criar o conselho nacional de escolas médicas veterinárias.
O plano de estudos do mestrado integrado de Medicina Veterinária do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto, vai ser alvo de uma reestruturação. A garantia foi dada por Paulo Martins da Costa, diretor do curso, na sessão de abertura das XIV Jornadas de Medicina Veterinária, que decorreram de 4 a 6 de abril nas instalações da instituição.
Segundo palavras do responsável, este novo olhar para a formação dos futuros médicos veterinários na Universidade do Porto é indissociável das mudanças que estão a acontecer “dentro da universidade, que é quem transmite o saber, na mentalidade dos estudantes, que é quem procura o saber, e no domínio da investigação, que é quem cria esse conhecimento”, às quais se associam as “mudanças em quem precisa e remunera esse saber, isto é, estamos a falar da sociedade e da economia”.
A par de todas estas alterações no ambiente laboral que vai acolher os atuais e futuros alunos, continua a ser imperioso formar os profissionais de forma a sustentar uma das características mais valorizadas na profissão médico-veterinária que é a versatilidade de conhecimentos, responsável por dar um leque alargado de opções nas saídas profissionais (ver caixa), mas que, inevitavelmente, causa grandes desafios ao nível da formação pré-graduada.
Numa primeira instância, avançou o responsável, o novo currículo formativo procurará responder às necessidades formativas dos vários ambientes em que o médico veterinário pode circular, seja no ambiente mais urbano – com destaque para a área dos animais de companhia, mesmo as novas espécies que estão a habitar nos lares nacionais – seja no ambiente mais rural das explorações pecuárias, seja ainda na indústria farmacêutica, na inspeção sanitária ou no ambiente académico, mais ligado à investigação. A ideia, explicou Paulo Martins da Costa, será apostar nas “atividades complementares que visam colocar os estudantes, desde o momento em que ingressam no curso, em contacto com todos esses territórios”.
“A escola terá também de deixar os seus estudantes escolherem a forma como pretendem comparecer no mundo do trabalho” – Paulo Martins da Costa, diretor do mestrado integrado de Medicina Veterinária do ICBAS
Uma das questões que mais tem levantado desafios a quem entra na profissão é a dificuldade de conciliação entre aquilo que move quem procura esta vertente de trabalho, ou seja, a paixão pela vida animal, e “aquilo que os outros esperam de nós”, reconheceu Paulo Martins da Costa. Por outros, entenda-se os tutores dos animais de companhia, os empresários de clínicas e hospitais, assim como os empresários de agropecuária, as entidades públicas ligadas à segurança alimentar e, no fundo, a sociedade em geral, cada vez mais atenta às questões da saúde e bem-estar animal. Ainda assim, para o médico veterinário a premissa que guia quem escolhe a profissão é clara: “Não podemos esquecer que somos médicos veterinários e que queremos ser médicos veterinários, mas, depois de muito trabalho [na formação pré-graduada], somos médicos veterinários que alguém remunera naquilo que podemos fazer enquanto médicos veterinários”. Daí que, para fomentar um diálogo frutuoso e um equilíbrio entre as aspirações do profissional e as expectativas dos empregadores e da sociedade, vai ser dada “no novo currículo grande atenção às competências comunicacionais”, sublinhou. Questões como a empatia, a linguagem, a expressão corporal, a correção linguística, as competências de comunicação, a liderança, o trabalho em equipa, a adaptabilidade e a automotivação estarão em foco no futuro plano educacional da instituição, sem descurar uma faceta de grande importância que é “a ética aplicada ao exercício da medicina, porque para um médico veterinário todos os animais são animais”.
Contudo, reconheceu o responsável, este último ponto pode levantar, e tem levantado, muitos momentos de crispação na sociedade, porque, aos olhos do cidadão comum, essa premissa pode não ser tão taxativa. “Um animal tanto pode ser um membro da sua família, como pode ser um meio da sua subsistência económica. E entre uma coisa e outra, como vocês podem imaginar, há uma diferença colossal”, sublinhou. E o exemplo da sua área de estudo, as gaivotas, é flagrante: tanto podem ser vistas como uma praga, como um disseminador de doenças, uma espécie protegida, ou um mero animal em liberdade. O médico veterinário do presente e do futuro precisa estar preparado para lidar com as diferentes nuances com que um animal pode ser visto na comunidade, porque “se fizer parte da forma preconceituosa com que cada membro da sociedade olha para um animal, por exemplo, a conversa sobre os problemas das gaivotas pode tornar-se muito difícil”, admitiu.
O novo modelo formativo vai, igualmente, dar mais atenção à gestão, seja “a gestão do tempo, a gestão de conflitos, a gestão de carreira e, não menos importante, a gestão do próprio dinheiro”, acrescentou o responsável.
Para conseguir incluir todas estas facetas na formação pré-graduada, sem esquecer a componente clínica e científica da formação dos estudantes de medicina veterinária, a comissão científica do curso decidiu “estender de 330 ECTS para 360 ECTS” a componente letiva, sendo que os formandos terão a oportunidade de personalizarem a aprendizagem, pois 20% do currículo será constituído por unidades curriculares opcionais. Afinal, defendeu o diretor do mestrado, “a escola terá também de deixar os seus estudantes escolherem a forma como pretendem comparecer no mundo do trabalho”.
Neste processo de revisão da formação em medicina veterinária no ICBAS, está também a ser planeada a criação de um centro de simulação de ensino veterinário e a ser estruturada uma aposta importante na vertente de investigação. Segundo anunciou aos participantes das Jornadas presentes na sessão de abertura do encontro, de futuro, os alunos de 4.º e 5.º ano do mestrado poderão escolher um estágio remunerado na área da investigação com uma bolsa da Fundação Amadeu Dias.
Juntar esforços com as outras faculdades de medicina veterinária
Para além da revisão curricular em curso no mestrado integrado do ICBAS, Paulo Martins da Costa revelou ainda que a instituição pretende apostar na formação pós-graduada, abrindo as portas a quem já está lançado no mundo do trabalho, mas pretende “aprender mais sobre a área em que trabalha ou aprender mais sobre uma área em que nunca trabalhou na medicina veterinária”. Contudo, neste campo da formação em áreas mais especializadas, o responsável defendeu que esse é um caminho que tem de ser trilhado em conjunto pelas faculdades que se dedicam à formação de médicos veterinários. Nesse sentido, o dirigente elogiou o trabalho que está a ser feito pelos corpos diretivos da instituição no sentido de congregar esforços com as restantes faculdades de medicina veterinária do País com o objetivo de, à semelhança do que já acontece na medicina humana – com o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) – trabalhar para criar “um Conselho de Escolas de Medicina Veterinária que ponha os vários estabelecimentos de ensino veterinário a cooperar mais”, adiantou.
A representar a Associação de Estudantes do ICBAS, que organiza as Jornadas, Diogo Santos reagiu ao trabalho que está a ser promovido pela direção da instituição lembrando que “a excelência só se mantém quando não temos medo de questionar e a revisão curricular do mestrado integrado em Medicina Veterinária é prova disso”.
Para o dirigente estudantil, a revisão curricular em curso “não é apenas uma atualização, é um passo consciente, rumo a um ensino mais exigente, mais equilibrado e mais próximo da realidade que nos espera lá fora”, já que um curso universitário não deve formar “apenas profissionais, mas pessoas preparadas para pensar de forma crítica. Porque formar médicos veterinários não é só transmitir conhecimento, é dar ferramentas para transformar o mundo à sua volta”, sublinhou.
“Uma das maiores grandezas” da medicina veterinária é o leque de opções profissionais
Pedro Fabrica também marcou presença na sessão de abertura das XIV Jornadas de Medicina Veterinária – e realizou uma palestra que a VETERINÁRIA ATUAL publicará na próxima edição – onde enfatizou as mais-valias da formação em medicina veterinária.
Para o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários “uma das maiores grandezas da formação em medicina veterinária é a versatilidade com que os estudantes saem para a profissão. Nós temos uma base de formação que nos permite – se por alguma razão estivermos desencantados com a área que escolhemos – antes de pensar em desistir e ir para outra área, podermos estudar outras áreas dentro da medicina veterinária”.
Daí que tenham sido também os médicos veterinários os precursores da visão One Health da saúde, muito antes dos restantes profissionais do setor. Desempenhando vários papeis na sociedade “desde o papel da garantia da segurança dos alimentos que chegam ao prato de todos os consumidores, assim como o aspeto da clínica [de pequenos animais] – que é a área que, normalmente, motiva mais os estudantes a candidatarem-se a medicina veterinária – assim como também o papel relacionado com a inspeção sanitária ou com a investigação”, o médico veterinário vive na fronteira entre a saúde animal, a saúde humana e a saúde ambiental, cada vez com mais destacada preponderância em cada um destes ambientes, argumentou Pedro Fabrica.