Fernanda Holden é médica veterinária no estrangeiro há 23 anos. Exerceu na Europa, Caraíbas e Ásia até se fixar em Inglaterra, há já 13 anos. Trabalha em três espaços diferentes – a Cobham Park Veterinary Clinic, o Downland Veterinary Group e o Weybridge Veterinary Centre – naquela que é a sua paixão, a dentisteria veterinária.
Qual é a sua área de especialidade e porque é que escolheu essa área?
Eu sou médica veterinária e 90% do meu trabalho clínico envolve dentisteria veterinária. Escolhi esta área porque sempre gostei muito e tive a oportunidade de trabalhar muito com dentisteria quando ainda fazia clínica geral e cirurgia, depois fui para os Estados Unidos da América e mais recentemente estive na Suécia.
Como e quando é que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Em 1992, fui para Itália como bolseira do programa Erasmus, regressei a Milão em 1995, com uma bolsa do governo italiano sob a alçada do programa Leonardo da Vinci. Neste momento vivo e trabalho em Inglaterra, para onde me mudei de Singapura em 2006.
Trabalhou nas Caraíbas e na Ásia. Como é que surgiram essas oportunidades?
Casei com um inglês e devido ao trabalho dele vivemos em vários países, o que foi uma experiência fantástica. Foi a altura perfeita para viajar, viver noutros países e ver a família crescer. Tenho duas filhas, uma nasceu em Milão e a outra nasceu em Santo Domingo. Nessa altura fazia trabalho voluntário e também com contrato, sempre como medica veterinária e em regime de part-time.
Como é que é um dia de trabalho normal para si? O que faz?
Tenho dias longos e saio de casa às 7 h da manhã. Começo as consultas às 8 h e por volta das 9h30 já estou no bloco operatório, do qual só saio para um almoço breve, sempre dentro do hospital, e depois continuo até terminar todas as operações. Cada cirurgia demora em média 1h30 a 2 h, depois escrevo as notas clínicas e ligo aos donos dos meus pacientes para explicar como correu, o que foi feito, etc. Todos os casos de cirurgia dentária em animais são feitos sob anestesia geral e tenho sempre uma ou duas anestesistas a trabalhar diretamente comigo. Trabalho com uma equipa fantástica e, no hospital, trabalho com outros especialistas e clínicos gerais. Temos radiografia digital, endoscopia, ultrassonografia e também fazemos as análises clínicas (sangue e urina) no hospital, o que nos dá acesso a toda a informação diagnóstica para fazer tratamentos sem tempo de espera. Em todas as clínicas e hospitais veterinários existe farmácia interna com acesso a todos os medicamentos. Às quartas-feiras começo mais tarde e também acabo mais tarde. Tenho as segundas-feiras livres. Cada dia da semana trabalho num sítio diferente, mas são sempre os mesmos todas as semanas, por isso a rotina não muda muito. Trabalho maioritariamente em cães e gatos, mas também em coelhos, furões, porquinhos-da-Índia, e outros pequenos roedores.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Trabalhem algum tempo em Portugal e depois equacionem uma oportunidade no estrangeiro, onde provavelmente vão crescer muito mais na profissão. Em Inglaterra praticamente não há desemprego na área da medicina veterinária. A especialização é sempre boa ideia.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Em geral a medicina veterinária evoluiu imenso nos últimos 20 anos e sabemos cada vez mais. No plano da pesquisa, informação, acesso à informação, maneira como se aprende e como se implementam os novos conhecimentos e os avanços na tecnologia.
Em termos de trabalho, acho que em muitos países os salários dos médicos veterinários são muitas vezes baixos, o poder socioeconómico do cliente é também baixo, e isso tem implicações nos tratamentos disponíveis. O horário laboral é muitas vezes pouco sociável, sem deixar muito tempo livre para a família ou para o lazer, com risco de burnout. O trabalho part-time e flexível veio ajudar imenso na profissão, especialmente as mães.
Quais são os principais desafios que enfrenta na sua prática clínica diária?
Na dentisteria veterinária estamos no caminho certo e a crescer. Tenho um papel importante em educar os clientes e em dar sempre apoio e educar também os meus colegas que, quase sempre, detestam a dentisteria. A dentisteria veterinária em geral é ensinada na maioria das universidades mundiais de forma muito deficiente, por isso, aprender mais tem que ser na pós-graduação. Aqui há imensas clínicas com radiografia dentária digital e algumas têm tomografia computadorizada. Em teoria, fazemos os mesmos tratamentos dentários e de prevenção em animais e humanos: não só as destartarizações, mas também desvitalizações, restaurações, ortodontia, tratamentos periodontais, extrações dentárias e cirurgia da cabeça e pescoço (maxilectomias, mandibulectomias, reparar fraturas, cirurgia oncológica oral, cirurgia das glândulas salivares, etc.).