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Evento

O veterinário “tem de estar a par do debate social sobre ética e bem-estar animal”

EurSAFE  medicina veterinária Veterinária Atual
Está a assistir-se ao “desenvolvimento de uma ética profissional mais focada nas regras deontológicas onde é reconhecido que o médico veterinário tem de estar a par do debate social sobre ética e bem-estar animal e que a profissão tem um papel ativo a ocupar neste debate”. O EurSAFE 2016 aconteceu no Porto e durante o congresso as questões de ética animal tiveram um papel muito importante.

O  13º congresso da European Society for Agricultural and Food Ethics (EurSAFE 2016) decorreu de 28 de setembro a 1 de outubro, no Porto, e foi palco de uma vastidão de temas incluindo ética animal, bem-estar de animais de produção, desperdício alimentar, sustentabilidade, literatura e alimentação, carne artificial, comunicação alimentar, política alimentar, comunidades e alimentação e investigação e inovação responsável.

À VETERINÁRIA ATUAL Anna Olsson, coordenadora do congresso e investigadora do i3s – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, explicou que as questões de ética animal tiveram um papel muito importante. “Um terço das apresentações abordaram temas em que os animais são centrais, nomeadamente questões mais aplicadas, como estudos sobre a visão de agricultores em diversos países respeitante ao bem-estar animal e certas práticas de produção e ainda estudos sobre dilemas éticos na prática veterinária”.

Assim sendo, no âmbito da ética veterinária, na Europa, de acordo com a investigadora “está a emergir uma rede de profissionais que se dedica ao tema” e que se reuniu no EurSAFE. Não obstante, “as questões da ética profissional veterinária terão ainda maior destaque no próximo congresso, a ter lugar em Viena, Áustria”. O evento é uma iniciativa que surge do reconhecimento de que a profissão enfrenta novos desafios em várias frentes. Por um lado, como expõe Anna Olsson, “a clientela está a mudar, com os animais de pecuária cada vez menos importantes e os de companhia cada vez mais e com isso as exigências e as expetativas dos donos dos animais tratados mudam”. Por outro lado, “o debate na sociedade sobre a ética animal e a forma humana de os tratar tem-se tornado maior e mais diversificado”.

Assim sendo, a rede Vethics aborda questões como os maiores desafios éticos para a profissão veterinária; como pode a teoria ética contribuir para o debate; quais os papéis para as organizações profissionais no debate social e político e como pode a formação de médicos veterinários contribuir. Trata-se “do desenvolvimento de uma ética profissional mais focada nas regras deontológicas, onde é reconhecido que o médico veterinário tem de estar a par do debate social sobre ética e bem-estar animal e que a profissão tem um papel ativo a ocupar neste debate”, remata a coordenadora.

Mais (in)formação

Neste sentido, Anna Olsson defende, no relativo à profissão veterinária, a necessidade de mais informação e formação. “Não há falta de preocupação ao nível destas questões por parte dos médicos veterinários, mas os recursos de formação e de discussão profissional ainda são relativamente limitados”. No entanto, um bom exemplo de que a situação está a mudar é que “um dos poucos médicos veterinários no mundo com doutoramento dedicado à questão de ética na profissão veterinária é português, Manuel Magalhães-Sant’Ana, presentemente docente na Escola Universitária Vasco da Gama”, informa.

Porém, se em questão estiver a sociedade em geral, a situação não é muito diferente. “Há uma preocupação pública com o assunto e já há um partido político com uma agenda animal muito expressa com representação no parlamento. O que muitas vezes falta é informação e recursos” sublinha a investigadora. Daí recomendar investimento em formação e comunicação: “precisamos organizar cursos de pós-graduação para os profissionais, de abordar os temas de ética e bem-estar animal na comunicação social, de escrever sobre os temas e se calhar também precisamos de educar os políticos!”.

Eutanásia e conflitos éticos

Um dos temas em destaque no congresso foi a eutanásia na prática clínica de pequenos animais. Quando se trata de por fim à vida de um animal há vários aspetos que o médico veterinário deve ter em conta, nomeadamente o animal, o proprietário, o interesse público e o enquadramento legal. De acordo com S. Springer, da Unit of Ethics and Human Animal Studies do Messerli Research Institute (Áustria), em casos onde o interesse dos animais e dos donos diverge “podem ocorrer conflitos éticos e diferentes preocupações têm de ser tidas em conta”.

A oradora apresentou as conclusões de um inquérito aos médicos veterinários austríacos sobre eutanásia em pequenos animais. “Os resultados enfatizam que a eutanásia constitui um tópico importante e que agir em nome do interesse assumido do animal contribui para a satisfação do profissional”, declarou S. Springer. Além disso, segundo a oradora, “os princípios éticos de proteção da vida do animal e o evitar do sofrimento também desempenham um papel central na hora de tomar uma decisão”.

Será que há tendência para haver uma maior preocupação ética com os animais de companhia do que com os animais de produção? “Não necessariamente”, responde Anna Olsson, argumentando que “na discussão académica que tem lugar no contexto de um congresso, como o EurSAFE, esta tendência não está de todo presente, antes pelo contrário: há uma consciência clara de que a discussão ética nada tem a ver com a proximidade emocional que temos com determinados animais”. Contudo, no debate público e no contexto nacional, “possivelmente há mais destaque para as questões que envolvem animais de companhia”, concorda a investigadora, para quem a nova lei portuguesa que criminaliza os maus-tratos a animais “claramente privilegia os animais de companhia e tem sido criticada por isso”. No entanto, Anna Olsson salvaguarda que “é uma crítica justa mas, ao contrário do que muita gente pensa, a maioria dos animais de produção já tinha alguma proteção legal antes desta lei, através das múltiplas diretivas que regulam as condições durante transporte e abate, assim como as condições mínimas de proteção de suínos, vitelos e galinhas poedeiras durante a produção. O mesmo se aplica aos animais de laboratório, abrangidos por uma lei extensa resultando da diretiva europeia”.

José Pedro Araújo (engenheiro zootécnico) e Irina Amorim (médica veterinária) apresentaram durante o EurSAFE o projeto “Diversidade das raças locais de suínos e seus sistemas de produção, destinados a produtos tradicionais de alta qualidade e sustentabilidade das fileiras de carne suína”. Um projeto no qual participam nove países e 25 Instituições europeias, entre as quais o Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) e a Associação Nacional de Criadores de Suínos de Raça Bisara (ANCSUB) como entidade terceira. Em entrevista à VETERINÁRIA ATUAL, José Pedro Araújo explicou que “o sistema de alojamento utilizado pode ser uma solução viável e permitir o desenvolvimento sustentável de produtos de alta qualidade na raça Bísara”.

 

Qual o objetivo deste projeto?

Globalmente, o projeto visa descrever e avaliar as raças suínas locais europeias, entre as quais a raça Bísara (genética, bem-estar e desempenho produtivo) em diferentes sistemas de produção utilizando regimes alimentares e avaliar a qualidade intrínseca dos seus produtos (carne e presunto). Uma das atividades importantes consiste em avaliar o bem-estar dos animais em sistemas alternativos de alojamento recorrendo a modelos de estufa (hoop barn) com acesso ao exterior.

 

Em termos do bem-estar animal, quais foram as conclusões a que chegaram?

Avaliou-se o bem-estar dos suínos relativos a três dos 12 parâmetros enunciados no protocolo do Welfare Quality® Assessment for pigs (2009). Os resultados deste estudo, apesar de corresponderem à avaliação da uma parte do protocolo global, indicam elevados níveis de bem-estar animal, em termos de alojamento (área por animal e limpeza), saúde (ausência de lesões) e uma boa relação Homem-Animal, traduzindo-se num comportamento apropriado pelo animal. Isto sugere que o sistema de alojamento utilizado pode ser uma solução viável e permitir o desenvolvimento sustentável de produtos de alta qualidade na raça Bísara.

 

Que papel o médico veterinário pode/deve ter neste tipo de explorações e na sua implementação?

Os médicos veterinários, em estreita colaboração com criadores e engenheiros zootécnicos, podem ter um papel importante na divulgação e acompanhamento técnico e clínico destas explorações. A equipa deste projeto é multidisciplinar incluindo engenheiros zootécnicos e médicos veterinários.

 

Tendo em conta a realidade atual do nosso país, a implementação deste tipo de explorações é viável?

Os modelos de estufa (hoop barn) com acesso ao exterior, no pressuposto da existência de área exterior, constituem um modelo económico e adaptável a várias regiões do nosso país. Importa, contudo, ter em consideração a dimensão do efetivo, a orientação da estufa e a proteção dos ventos dominantes.

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