A costa Alentejana tem assistido, ao longo dos anos, a um impressionante desenvolvimento a nível turístico, com o aumento de infra-estruturas e a realização de acções de promoção do litoral como um destino apetecível. Muitas vezes se identifica a região apenas com a seca peneplanície, mas o facto é que as paisagens da costa são também características indissociáveis de uma das mais tranquilas regiões do nosso país. E é neste cenário, que mistura a tranquilidade da vivência dos dias com o azul do mar, que encontramos o Hospital Veterinário do Litoral Alentejano.
Situado, mais exactamente, junto a Santiago do Cacém, este equipamento é o resultado de um projecto ambicioso iniciado em 2006. Teve como grandes impulsionadores três médicos veterinários: Dr. Francisco Assis Vieira; Dr.ª Ana Filipa Hilário e Dr.ª Sónia Magalhães. De resto foi com esta última responsável, que acumula as funções de directora clínica, que trocámos impressões. Este trio fundador, que já tinham trabalhado junto num pequeno consultório, pensou que «era necessário crescer e melhorar os nossos serviços e que um hospital seria uma ideia revolucionária para a região. Apesar dos riscos, decidimos apostar e, até agora, temos tido uma boa evolução».
As instalações são compostas por dois consultórios, duas salas de internamento, uma sala de cirurgia, sala de raios X, sala de ecografia e um laboratório. Em termos de internamento, o hospital dispõe, como deve ser, de dois locais diferenciados: um geral, e outro para doenças infecto-contagiosas. Segundo a directora clínica, «neste momento temos capacidade para internar cerca de 12 animais. No entanto, dispomos de condições físicas para aumentar este número».
O número de consultas ronda as 25 por dia, mas a vertente turística da região onde se insere traz ainda mais trabalho durante a época balnear. Para que o serviço mantenha sempre a mesma qualidade, o hospital conta com uma equipa de quatro veterinários e duas auxiliares. Além disto, e como nos revelou Sónia Magalhães, através de um protocolo com a Cercisiago – Cooperativa de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas – contam com mais uma formanda em regime de formação em posto de trabalho.
A ruralidade limita
Sónia Magalhães reconhece que, apesar da tendência actual para a compra de gatos, a grande maioria dos animais que entram no hospital são cães: «em termos percentuais podemos dizer que temos cerca de 80% de cães e 20% de gatos». Mas outros animais, um pouco diferentes, já marcaram presença nas instalações. Exemplo disso foi a gazela que o veterinário do Badoca Safari Park – parque de vida animal de outras latitudes, a poucos quilómetros – levou para fazer uma radiografia e estabilizar uma fractura.
Dizer que a questão monetária afecta à actual crise tem alterado o dia-a-dia do hospital não é dar nenhuma novidade. No entanto, não se ficam por aqui os pontos negativos. Segundo a responsável, «o facto de estarmos numa zona um pouco rural por vezes também limita um pouco a nossa actuação. Antigamente o animal era visto muitas vezes como um objecto de trabalho e, a não ser que fosse excepcional nas suas funções, não se tratava. Talvez por isso algumas pessoas não estejam dispostas a gastar muito dinheiro com um animal de estimação, até porque não têm muito para gastar. No entanto as mentalidades têm mudado muito nos últimos anos e agora verificamos uma abertura muito maior em relação ao tratamento dos animais de estimação».
Ainda assim, a ruralidade da zona vê-se também noutras situações mais caricatas. Certa vez uma cliente, cuja cadela tinha sido tratada no hospital, «insistia que só nós é que seríamos capazes de salvar uma ovelha sua que estava muito doente». A equipa do hospital tentou explicar que a ida a domicílios é apenas para animais de companhia. A solução? Bom, «a cliente continuou a insistir e nós continuamos a declinar até que… nos apareceu à porta do hospital com a ovelha no porta-bagagens».
Ovário-histerectomias gratuitas
Infelizmente, como em muitos outros locais, é frequente o aparecimento de animais abandonados e é ao hospital que as pessoas que os encontram recorrem, tentando perceber como proceder daí para a frente. Muitas vezes é o próprio hospital que tenta dar donos para os animais acolhidos, assumindo uma outra utilidade na comunidade em que se insere, que não só o normal serviço prestado. Além deste papel encaminhador, o hospital colabora também com o canil municipal, «quer informando as pessoas da sua existência e da possibilidade de adoptarem animais, quer pela realização de ovário-histerectomias gratuitas dos animais que lá estão para facilitar a sua adopção».
O facto de ser um hospital com pouco anos de actividade, e de se situar numa zona fora dos grandes centros de decisão, torna as instalações pouco conhecidas da comunidade médica nacional. Exemplo disso é o facto de poucos estudantes contactarem o Hospital Veterinário do Litoral Alentejano para realizar estágios, até porque muitos julgam que nas grandes cidades é que se pode aprender mais. E esta visão também se repercute quando se procuram veterinários novos para a equipa, que preferem «as grandes cidades». No entanto, como se sabe, a experiência tanto se pode absorver num hospital rural, ou num localizado numa zona mais citadina, maior e com, teoricamente, mais agitação. Mas anular essa ideia vigente, de que o tamanho não é tudo, é difícil na sociedade dos dias de hoje.