Contrariando a ideia de que os burros estão em vias de extinção, o Movimento Orelhas Sem Fronteiras propõe-se divulgar e promover as potencialidades dos asininos através de um conjunto de actividades dinamizadoras do contacto com estes animais para a região algarvia. O objectivo é, no fundo, a valorização das qualidades desta simpática espécie.
«É preciso entendermos as expressões destes animais. Nos burros, as orelhas indicam se o animal está ou não receptivo a uma abordagem. Se estiverem para cima, é porque está relaxado; se se baixarem para trás, está receoso», explicava o veterinário Mário Rui Gomes que, rendido aos encantos dos burros, se tornou adepto do “Movimento Orelhas Sem Fronteiras”.
Os quatro cabeças de cartaz – a Branquinha, a Boneca, a Luna e o Software (o único macho ali existente e de raça mirandesa) – estavam em pasto, na Quinta do Barco Cheio, na zona do Sargaçal, em Lagos, que, por enquanto, nesta primeira fase e até que sejam vencidas algumas burocracias inerentes à oficialização do Movimento, funciona como sede, «embora não oficial».
A Luna, uma burra de origem holandesa, é a que mais reclamava atenção, «é a de mais mimos», dizia uma das mentoras do “Movimento Orelhas Sem Fronteiras”, que começou a ser «idealizado», em 2006, pouco depois de Inge de Haan, Liesbeth Bronswijk e Sofia von Mentzingen se terem conhecido.
Em comum, todas tinham uma paixão pelos burros e estavam já, de algum modo, relacionadas com estes animais: Elisabeth promovia actividades de tempos livres em ambiente rural e estava envolvida na criação de programas adaptados a crianças e adultos com necessidades especiais; a holandesa Inge, que chegou a ter cinco burros, tinha como missão arranjar um lar para os animais mais idosos, enquanto Sofia organizava passeios de burro, com amigos e conhecidos.
Esse interesse partilhado deu forma a um projecto que, agora, acreditam «ter pernas para andar». O objectivo, explicou Liesbeth, «foi juntar os nossos conhecimentos e as capacidades destes animais e promovermos acções junto das populações, onde possa haver um contacto próximo com os animais, seja através de passeios, de meditação, ou de qualquer outra actividade que possa ser desenvolvida, explorando as potencialidades da raça asinina».
A asinoterapia
Sofia von Mentzinjen recebe, duas vezes por semana, um menino autista e lembra que, «só por estar sozinho e à vontade com um dos animais e da envolvente ser relaxante, já está a perder a agressividade que vinha manifestando na escola». A enfermeira e também animadora cultural explica que pelo facto de o burro ser um animal muito calmo, «mesmo que as crianças tenham comportamentos aparentemente agressivos, próprios da idade, normalmente, ao fim de pouco tempo, dão sinais de estarem confiantes. Torna-se num sentimento mútuo, visível no contacto físico, porque não existem receios nem nas crianças nem nos animais».
Apesar de em Portugal a asinoterapia não ter ainda grande expressão, tem sido amplamente desenvolvida em vários países europeus, nomeadamente em França e Inglaterra. No essencial, «consiste numa prática equestre com técnicas de educação e reeducação do indivíduo, fazendo com que supere danos sensoriais, motores, cognitivos, afectivos e comportamentais», explicou a alemã.
Vários estudos divulgados recentemente referem que o uso de animais pode ter um contributo importante para o bem-estar social e psicológico da maioria das pessoas. Liesbeth considera que, actualmente, «as relações humanas tendem a negligenciar o contacto físico, o olhar e, no entanto, estes comportamentos são essenciais para o nosso bem-estar emocional». Segundos os especialistas, o toque aumenta a auto-estima, porque «desenvolve sentimentos de proximidade, de segurança e confiança, tanto pelo seu congénere como pelo meio envolvente».
Na técnica de asinomediação, o objectivo é aprender a comunicar com os asininos, funcionando como uma aproximação alternativa. «Ao procurarmos compreender o burro, a sua forma de pensar e de agir, ao mesmo tempo que tentamos fazer com que ele nos entenda, estamos a colocar-nos no seu lugar, ou seja, respeitamos, com humildade, o tempo daquele animal», nota Liesbeth.
O retorno positivo a um comportamento altruístico, como, por exemplo, dar atenção a um burro, passa por «ensinar-nos, num ambiente relaxado, a tornarmo-nos seres humanos mais justos, tolerantes e sensíveis ao mundo que nos rodeia, e também com os nossos semelhantes». Ou seja, «ajuda-nos a respeitar o que é diferente de nós, mas que, de alguma forma, precisa de nós e, ao mesmo tempo, nos complementa».
Marca cultural
Tal como noutras regiões do país, como Miranda do Douro, os burros têm uma grande tradição por terras do Algarve, tanto assim é que, «na Feira da Batata Doce, quando promovemos esta iniciativa, fomos abordados por muita gente, principalmente idosos que queriam saber o que estávamos a fazer, muitos inclusive disponibilizando-se para nos ensinarem alguns hábitos e costumes ligados aos asininos», contou Liesbeth Bronswijk.
Não se sabe ao certo quantos burros e raças existem no Algarve, embora se admita que o número atingirá uma centena em quintas espalhadas pelos concelhos de Lagos, Vila do Bispo, Aljezur e Lagoa, além das serras de Monchique e do Caldeirão. Na maioria dos casos, os cidadãos estrangeiros são os que estão mais sensibilizados para a preservação desta espécie.
Formar para proteger
A utilização do burro com fins terapêuticos e as suas potencialidades na promoção da cultura rural e turística foi, aliás, um dos objectivos do encontro sobre “Educação e Maneio de Asininos” que decorreu no passado mês de Janeiro e onde, paralelamente, teve lugar uma workshop promovida pela AEPGA (Associação para o Estudo e Promoção do Gado Asinino) em conjunto com o “Movimento Orelhas sem Fronteiras”.
Esta iniciativa pretendeu abordar a formação específica e concentrada sobre a etologia do asinino, o seu processo de educação e maneio, que incluem, além das condições básicas para o seu bem-estar e saúde, questões de ordem cultural e social do meio onde se integram estes animais.
No âmbito da Medicina Veterinária, o destaque foi para as patologias associadas aos cascos e à locomoção – diagnóstico de claudicações ou laminites -, odontologia equina/ asinina e muitas outras derivadas do trabalho de campo e das condições climatéricas.
Tal como referiu o veterinário Mário Gomes, os burros, são oriundos das estepes planálticas do nordeste africano, como tal, «estão melhor adaptados aos períodos quentes e secos, e toleram pior os climas chuvosos, húmidos e frios», altura em que são propensos a problemas respiratórios e ao nível dos cascos, embora os exemplares de raça mirandesa sejam particularmente resistentes a todas estas intempéries, podendo mesmo suportar, «se estiverem em boa saúde e se foram progressivamente habituados, uma boa parte do Inverno no exterior», refere o veterinário.
Relativamente aos cascos, a maioria das patologias advém do tipo de terreno em que os animais se encontram ou da actividade que desenvolvem. Normalmente, por não estarem no seu habitat natural, estes tendem a ter um crescimento contínuo, o que pode dificultar a mobilidade do animal e originar inclusivamente problemas de outra ordem, nomeadamente nas articulações. Para além da desparasitação, os cuidados veterinários nestes animais ainda estão pouco desenvolvidos, muito por razões culturais.
O veterinário lamenta ainda que não haja um «intercâmbio» maior entre criadores de burros, uma lacuna que, considera, se prende com a parca utilização dos animais e com a falta de sensibilidade para as actividades lúdicas e terapêuticas por eles assistidas.
Movimento “Orelhas sem Fronteiras”
O movimento “Orelhas sem Fronteiras” realiza passeios de burro de curta e longa duração, acções de sensibilização ambiental e actividades de asinomediação para o público em geral (existem programas especiais para: empresas, associações, grupos escolares, famílias e aniversários de crianças).
Contactos:
E-mail: orelhas.sem.fronteiras@gmail.com
Telefones:
Inge de Haan: 282 688105/96 6170906
Liesbeth Bronswijk: 282 760726/96 9203220
Sofia Von Mentzingen: 96 715306{mospagebreak}
Outros fãs…
Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino (AEPGA) – Associação sem fins lucrativos, fundada a 9 de Maio de 2001, tem por objecto social a protecção e promoção do gado asinino, em particular a raça autóctone de asininos das Terras de Miranda – Burro de Miranda. A associação reúne criadores e admiradores deste gado e contribui para o melhoramento genético e criação de um conjunto de animais de características semelhantes, que actualmente sobrevive no Planalto Mirandês, representando a primeira raça autóctone de asininos de Portugal.
A AEPGA pretende a preservação e aproveitamento desta raça autóctone de forma a salvar um património genético, ecológico e cultural único no nosso país. Pretende-se também revalorizar a imagem do Burro a nível nacional, particularmente do Burro de Miranda, contribuindo para a recuperação do seu efectivo e potenciação de um modelo de aproveitamento socioeconómico que respeite e preserve o riquíssimo património cultural e natural da região do Nordeste Transmontano.
Contactos:
Página Web: http://www.aepga.pt/
Telefone: 273 739307
Telemóvel: 96 6151131/ 96 0173863
E-mail: burranco@gmail.com
Fonte: AEPGA