Entrevista a Tachiana Pereira, médica veterinária dedicada à cirurgia de pequenos animais
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
Sou ‘general practicioner’ e estou a terminar um curso na Improve International ‘Small Animal Surgery’, cirurgia de pequenos animais. É a área que mais me incentiva a investigar e a ser melhor médica veterinária.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento e o que faz?
Lutei muito por essa oportunidade, pois em Portugal não foi fácil. Tinha uma boa ideia do que queria fazer a nível profissional e sentia que não ia conseguir em Portugal. Nasci na África do Sul e cresci com uma educação inglesa. O meu marido também estava na fase de procura de trabalho e decidimos sair do país. Ele foi o primeiro a conseguir trabalho na República Checa e eu fui para Inglaterra, onde estive 3 meses a adquirir experiência e a enviar CVs desde a Escócia à costa sul de Inglaterra. Mandava 50 ou mais CV por dia. Estava numa missão de alguém me dar uma oportunidade, mas não foi fácil pois diziam que não tinha o ‘UK experience’.
Um dia, antes de vir a Portugal consegui uma entrevista no norte de Inglaterra. Voei no próprio dia da entrevista e no dia seguinte ligaram a dizer que tinha ficado com a posição e que ia começar dentro de um mês. Foi um ano complicado, com o namorado noutro país, tudo novo e numa posição nova. Foi tanto assustador, como excitante. Agora trabalho por conta própria, criei uma empresa – Tachirica care Ltd – e faço outsourcing dos meus serviços. Trabalho com uma recrutadora (Diana Rees), com a empresa de recrutamento Locumotive que me ajuda a arranjar trabalho. Tanto posso trabalhar só um dia numa clínica, como fazer uma semana ou um mês. É uma área um pouco diferente, pois não tenho a continuidade de casos, mas consigo fazer cirurgias e tento ao máximo acompanhar casos. Gosto de ir a clínicas diferentes, aprender com diferentes tipos de profissionais e ver outras formas de trabalhar. Lido com diferentes pessoas todos os dias.
O que a fez tomar a decisão de sair de Portugal?
Sempre quis ser veterinária. Eu e o meu pai devorávamos a BBC Vida Selvagem e outros programas de animais quando vivíamos na África de Sul. Os meus pais levavam-me a parques selvagens e zoos, viajávamos muito em família em busca de novas aventuras. Quando comecei a trabalhar candidatei-me a posições em África.
Depois o medo de sair apoderou-se de mim e foi aí que o meu pai disse: “Filha manda-te para fora, que estas a fazer em casa? Vai para Inglaterra”. Foi remédio santo. Queria ter uma experiência diferente do que ficar em ‘casa’, queria expor-me a uma situação nova e ver como me iria adaptar. Queria desafiar-me para crescer como profissional, mas acima de tudo como pessoa.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal?
É um assunto sensível, pois temos muito a aprender, muito que evoluir, mas isso não significa que não se trabalhe bem em Portugal. Acho que a situação económica de Portugal não ajuda. Ter um animal aqui é algo normal. Parece que faz parte da vida, tratam os animais de companhia com respeito, cuidado e carinho como se fossem um membro da família. Nunca vi um cão acorrentado sozinho ao frio com uma trela extensível ou não.
Os seguros são um ponto importantíssimo. Perto de 70% das pessoas que vejo tem seguro. As pessoas sabem que os imprevistos acontecem e sabem que o seguro paga. É uma forma de garantir que o animal consiga os cuidados necessários. Há imensas empresas de seguros e são todas relativamente boas. O facto de as pessoas terem seguros faz com que tenham a possibilidade de submeter os animais a cirurgias, procedimentos e métodos de tratamento bastante caros, que em Portugal seria muito difícil.
Acho fundamental outro ponto no Reino Unido: o “CPD” continous professional development obriga-me a cumprir cerca de 107 horas de estudos, congressos, webinares, para puder continuar registada no “RCVS” (equivalente à nossa OMV). Acho que é algo que falta em Portugal, com este CPD vou estando em cima de novos medicamentos, novas técnicas, novas invenções. As clínicas, nos contratos permanentes, fazem quase sempre referência ao CPD e contribuem com ajuda financeira a esse nível, que vai desde os £1000 a £1500.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
É complicado. A nível profissional não me imagino em Portugal outra vez, gosto de como funciona tudo aqui, gosto da cultura inglesa. Não posso falar do dia-a-dia em Portugal pois não tive essa experiencia. O que mais gosto neste país é ter o à vontade de chamar o patrão ou um especialista pelo simples nome. Não há ‘Dr’ para tudo. Trato um colega profissional de referência como trato os amigos e colegas, com respeito, mas com compreensão pois somos da mesma área. A nível familiar, o meu coração está em Portugal, tal como o meu estômago pelas saudades da nossa comida. Os ingleses são um povo fechado e não é fácil criar amizades, mas com tempo moldam-se a nós e nós a eles.
Quais os seus planos para o futuro?
Não faço muitos planos. Casei em Agosto do ano passado, em Portugal, e foi um dia repleto de emoções. Estando longe dá-se um valor tão diferente à palavra família. Agora é acabar o curso de cirurgia avançada, pensar em começar uma família e continuar a fazer o que mais gosto.
Equaciona voltar a Portugal?
Talvez um dia, mas só o tempo e a vida o dirá. Tanto eu como o meu marido temos boa qualidade de vida, tanto a nível financeiro, profissional. Tem sido uma experiência incrível tanto para mim, como para o ele, que é arquiteto de redes na Siemens. Já foi promovido três vezes desde que entrou na empresa, dando uma sensação de segurança no trabalho.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Façam estágios, aproveitem as clínicas e os hospitais e vão pedir experiência. Quem conseguir e tiver vontade de sair que saia do país, que aproveite uma experiência completamente nova. É algo stressante e mete medo, mas é algo que nos faz crescer. Conheço imensas clínicas que adoram a maneira como os portugueses trabalham. Perguntam-me várias vezes se não tenho colegas para posições.
Qual o seu sonho?
Tenho imensos, acima de tudo que tenha saúde e consiga balançar a vida pessoal com a profissional. Hoje em dia fala-se muito de saúde mental, é um fator tão importante. Voltar a Portugal é um sonho. Ter uma pós-graduação em cirurgia está a ser quase um sonho tornado real. Gostaria de voltar a Portugal, mas por enquanto não é possível pois na área os veterinários continuam a trabalhar horas a mais e a ser tratados com respeito a menos. Outra situação é crescer como profissional. Em Inglaterra há dias que faço 7/8 cirurgias, em Portugal as clínicas que fazem isso são muito raras.