É uma das únicas profissionais em Portugal em medicina veterinária holística. Trabalha “a saúde e não a doença”, considera que existe falta de cooperação entre a classe e está habituada a começar do zero a tratar pacientes em “fim de linha”. Margarida Raposo criou a DVET – Veterinários Holísticos em 2012 e organiza cursos para protetores (nome que atribui aos donos dos animais), treinadores e profissionais do setor.
Quando surgiu o seu interesse por esta área?
Formei-me em Medicina Veterinária na Escola Universitária Vasco da Gama, em Coimbra. Trabalhei dois anos com Medicina Veterinária Convencional, antes de criar a DVET. No curso tínhamos uma cadeira opcional, que não fiz porque era a pessoa mais cética do mundo.
Foi um pouco a vida que me levou para este caminho. Eu própria tinha um problema crónico de pele que foi tratado com Homeopatia. Depois comecei a ler vários livros que me fizeram colocar em causa a nutrição que damos aos nossos animais, a alimentação constantemente processada e comecei a procurar respostas. Nessa altura tive formações muito interessantes em Portugal com médicos veterinários do Brasil que me abriram as portas nas áreas de Homeopatia, Nutrição, etc. Fui-me apaixonando e deixando um pouco a Medicina convencional para os colegas veterinários exercerem.
Não há muita oferta em Portugal… O seu serviço acaba por ser inovador?
Sim. Só conheço mais uma médica veterinária holística em Portugal, mas há vários veterinários que se dedicam à alimentação natural. Trabalho bastante com o Centro Veterinário Conimbricense, em Coimbra, onde formei também o meu serviço. A recetividade é ótima, a troca de casos é excelente e a complementaridade de serviços só beneficia o paciente e o protetor.
Estou a trabalhar em Lisboa há menos tempo. Nunca tive muito a tendência de ir propor o meu serviço a médicos veterinários convencionais. Por norma alguns deles contactam-me para esclarecer dúvidas. Tenho ainda vários casos de colegas que participaram nos cursos que organizo.
Este é um tema pouco consensual…
Eu própria era demasiado cética. O interessante de o ter sido e de agora me dedicar a estes temas é que conheço o outro lado. Quando era cética não fazia a mínima ideia porque é que o era. Quando não conhecemos acabamos por colocar tudo no mesmo patamar: os bons profissionais, os maus, até um certo esoterismo…
A Medicina Holística é científica, como qualquer outra, até muito mais antiga. A parte de trabalhar o animal como um todo é um conceito que sobreviveu à Medicina chinesa, indiana, grega, etc. Porque é que a Medicina ocidental não a aceita? Julgo que tudo se deve ao total desconhecimento.
O que leva a que não se acredite nesta forma de fazer Medicina por alguns colegas?
Por vezes tudo o que não cai naquilo que conhecemos é mau. Não é sempre assim. Sempre que estamos a falar de saúde é bom ter a mente aberta e abrir o leque de opções. Acho que o objetivo é tratar o paciente. Quantas vezes não referenciei casos aos colegas? É importante haver cooperação entre médicos convencionais e médicos que façam Medicina Holística, Integrativa, Funcional, o que seja…
Existem patologias crónicas que podem ser tratadas com Medicina Natural e Medicina Holística. Temos de definir, em primeiro lugar, o que é Holístico que significa “todo”. Se me aparecer um animal com um problema de pele não me vou focar apenas na pele, mas sim em todo o animal.
Uma consulta alopática/convencional tem aproximadamente a duração de 20 minutos. As minhas consultas demoram uma hora e meia, daí que esta abordagem ao domicílio seja importante para que o animal esteja no seu ambiente e esteja muito mais relaxado. A nível de anamnese é muito importante, até porque começo nos primórdios da história do animal, quando começaram todos os problemas e por vezes aconteceram anos antes.
A Medicina Holística procura então a causa do problema?
Sim. Vamos ver o que se passa na raiz do problema. Não tem assim nada de tão diferente do que a Medicina convencional. Eu posso estar a praticar Medicina Holística e usar químicos, ainda que prefira suportar-me de produtos naturais até porque tenho noção dos efeitos adversos de alguns fármacos e tento não utilizá-los. É uma forma de trabalhar diferente.
Por vezes, a Medicina convencional só se foca no sintoma, coloca-se uma “rolha” no problema, mascaram-se sintomas e vai ser mais difícil tratar. O que faço é ir à raiz do problema para que haja menor probabilidade do problema ocorrer.
Se falarmos do cancro em particular, não é possível curar apenas recorrendo à Medicina Holística…
Depois de o tumor ter surgido é muito difícil. O que faço é uma abordagem preventiva e utilizo a Medicina Holística como um complemento muito importante, especialmente a Nutrição Funcional porque estes animais têm vários problemas de nutrição. São animais que estão intoxicados, inflamados, têm mutações genéticas e através de alimentos e nutracêuticos é possível controlar a expressão genética destes animais, o que é também importantíssimo em casos de cancro.
Por vezes recorre-se a quimioterapia, radioterapia, a cirurgia e não se trata o terreno biológico onde este cancro apareceu e que é fundamental para que não venha a recidivar. É pena que ainda não haja esta cooperação na Medicina Veterinária. O cancro representa a maior causa de morte nos cães, pelo que é importante que os veterinários encontrem outras formas de tratar, e especialmente de prevenir.
A Medicina Holística funciona de igual forma para cães e gatos ou existem diferenças entre as espécies?
Funciona para ambas, mas existem algumas distinções entre as espécies. As exigências nutricionais diferem, as doenças que mais ocorrem numa espécie e noutra também são distintas. Nos gatos temos quase uma “epidemia” de insuficiência renal e portanto trabalho com os meus pacientes também para prevenir estes casos. Esta é outra doença em que a Nutrição Funcional resulta extremamente bem.
O problema começa, desde logo, pelo facto de os protetores darem alimentação processada ao animal durante toda a vida, que só tem 10% de humidade, e o rim funciona com água. Quando fazemos uma nutrição diferente estamos a ajudar muito.
Quando é que os protetores vos procuram e como chegam até à DVET?
A maioria dos clientes chega já no fim da linha quando existe uma doença que não foi possível de ser tratada pela Medicina convencional. Vivemos na era da informação e hoje o cliente vai pesquisar muita coisa antes de nos contactar. Algumas pessoas tiveram conhecimento e querem dar uma melhor alimentação natural ao seu animal. Isto é o futuro.
Há muitos profissionais de outros países a falar em alimentação natural na internet. As pessoas veem e querem alguém que os apoie, aqui mais perto. É excelente ter uma parte de clientes que me procuram já com objetivos de prevenção. Atualmente há um mundo de informação. Por exemplo, uma das pessoas mais seguidas nas redes sociais é o Rodney Habib porque é um pet nutrition blogger: o seu blog – Planet Paws – aborda apenas o tema da nutrição para animais e tem milhões de seguidores. Por isso é natural que as pessoas procurem quem faça algo semelhante perto de si e chegam munidas de muita informação à consulta.
É um tipo de alimentação muito mais caro?
Há pessoas que me perguntam isso logo à partida. Não é mais caro. Fica aproximadamente ao mesmo preço do que uma ração de alta qualidade. Claro que para animais de grande porte fica mais dispendioso do que para animais de pequeno porte. Uma das grandes mais-valias da alimentação natural é que os ingredientes são para consumo humano, podem ser comprados nos mesmos locais onde os clientes compram para a sua própria alimentação.
O animal é incluído na alimentação familiar e ensino a fazer as proporções, a otimizar os nutrientes, fazemos análises para ver se está tudo bem, e as diferenças na saúde destes animais são inúmeras e impressionantes. Uma das coisas que fazemos na Nutrição Funcional é desintoxicar o animal, a fundo. A desintoxicação faz-se predominantemente no fígado, nos intestinos, nos rins, e a nível celular. Posso dar nutracêuticos específicos para desintoxicar este meio onde estas células vivem.
Quanto tempo demora a desintoxicar um animal?
É muito caso a caso. A Medicina Holística é muito individualizada e específica para cada paciente, não há protocolos, mas entramos logo com estas estratégias: a desintoxicação é imediata num paciente com cancro, mas tem de ser muito bem conjugada com o médico veterinário assistente.
Esta cooperação é muito importante porque se o paciente estiver a fazer nutracêuticos, e as pessoas não disserem ao médico oncologista, ou se estiver a fazer químicos e não me é dada essa informação, temos um problema. O objetivo é a saúde do paciente, não é estar a medir forças. Se não houver essa cooperação, os clientes podem ser pressionados e desistirem facilmente de uma das opções.
Existe base científica para a Medicina Holística ou o que se sabe provém de casos que correram bem?
Existe efetivamente base científica para este tipo de Medicina. Para a Nutrição Funcional existem milhares de artigos científicos disponíveis. Obviamente, a nossa experiência e a Medicina baseada na evidência também são importantes. Por vezes, esta questão da parte científica vem muito de outro tipo de terapias, como a Homeopatia. Muitas vezes, a comunidade científica acaba por descartar alguns artigos científicos relacionados com a Homeopatia por acharem que eles não cumprem certos parâmetros. Mas são ciências diferentes, não é possível expectar que vá cumprir com as mesmas exigências.
Nota: ler a entrevista na íntegra na edição de Dezembro da revista Veterinária Atual