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Feira do gado: A Malveira dos Bois

Feira do gado: A Malveira dos Bois

A feira do gado é uma tradição antiga na localidade. Tão antiga que acabou por contribuir para o epíteto da, actualmente, vila. A Malveira, conhecida como a “Malveira dos Bois” – numa tentativa de se distinguir das restantes Malveiras, como a da Serra – é, todas as quintas-feiras, ponto de encontro entre o Norte e o Sul do país, pois de lá chegam negociantes, uns para vender outros para comprar. Com o Norte e o Sul a tomarem os seus respectivos lugares nos pratos da balança, é necessário um fiel, que neste caso é a médica veterinária Isabel Narciso, responsável pela feira.

Isabel Narciso licenciou-se em 1989 e desde 1991 que é a médica veterinária (MV) responsável pela feira do gado da Malveira. Quando a Junta da freguesia, a quem pertence a feira, quis remodelar o espaço, contactou as entidades responsáveis e foi informada de que era necessário um médico veterinário e foi aí que a sua jornada como responsável do espaço começou.

A Malveira, concelho de Mafra, distrito de Lisboa, portanto praticamente no centro do país, acaba por ser «um ponto de encontro», já que a maior parte dos negociantes vêm do Sul e do Norte, «os primeiros trazem os animais e os segundos vêm comprar», diz a MV.

 

Na feira, comercializam-se, essencialmente, ruminantes (bovinos, ovinos e caprinos) e equinos, se bem que estes, segundo a responsável, têm pouca expressão.

«A feira tinha muito má reputação, tanto que quando comecei a trabalhar cá as pessoas diziam “vais para lá?! É perigosíssimo! Pede a um GNR que te acompanhe”», conta Isabel Narciso à VETERINÁRIA ACTUAL. No entanto, a verdade é que a partir de 1991, todas as suas quintas-feiras ficaram reservadas para esta actividade e «nunca fui ter com a guarda», sublinha. Das seis da manhã até, teoricamente, ao meio-dia, pois, verdade seja dita, a feira pode prolongar-se por mais umas horas, a também responsável pelo Agrupamento de Defesa Sanitário (ADS) do Sobral de Monte Agraço marca presença no recinto da feira.

 

No início, em 1991, não havia exactamente controlo, muitas vezes a confusão instalava-se e, devido a esta falta de disciplina, «ainda tentaram resistir». Uma reacção natural à mudança. Porém, a responsável ultrapassou este obstáculo através da comunicação. «Acho que tudo deriva do trato que temos com as pessoas, se falarmos com elas e lhe explicarmos as coisas, acabam por entender e colaborar». Daí que, no fundo, considere que «nunca tive qualquer problema com os negociantes», que acabaram por «aderir muito bem». Reiterando que «as pessoas gostam de ser tratadas com respeito», Isabel Narciso salienta que «temos de tentar trabalhar em conjunto».

A MV é da opinião que, ao contrário daquilo que muitas vezes se pensa, «o facto de se ser mulher nesta profissão tem vantagens», explicando que «tem-se a ideia de que as pessoas do campo são rudes, a verdade é que elas demonstram um respeito que, se calhar, se fosse com um homem, seria diferente». É neste sentido que defende que «o facto de ser mulher nesta situação só me traz benefícios», pois se, «eventualmente, tivessem tendência para ser um pouco mais agressivos, comigo retraem-se e consegue-se um bom relacionamento», ressalva.

 

O trabalho na feira

Quando os negociantes chegam com o gado, «primeiro tenho de verificar os documentos para eles poderem descarregar, o que inclui verificar as guias sanitárias de trânsito, os modelos 253, os boletins sanitários…».
Os animais que entram na feira têm de ter «o saneamento feito e averbado há menos de um ano e serem todos provenientes de explorações indemnes», sendo que a MV refere-se a «B4, sem brucelose; T3, sem tuberculose; L4 sem leucoce bovina, e isentos de peripneumonia contagiosa».

 

Resumindo, Isabel Narciso tem de verificar se os cartões estão «todos averbados, se provêm de exploração indemnes e se o efectivo foi saneado há menos de um ano». Para além disso, parte do seu trabalho está, igualmente, relacionado com o bem-estar animal, visto que «averiguamos se apresentam um bom estado de saúde, se têm todos brincos, como são carregados e descarregados, etc.».

Caso haja alguma irregularidade ou algum problema, «têm de voltar para trás». Neste ponto, a responsável declara que quando, às vezes, os efectivos não chegam saneados, a culpa pode, de facto, ser do produtor, «porque às vezes em menos de um ano é difícil». Não obstante, frequentemente, a responsabilidade também pode recair sobre o ADS. A MV explica que, neste caso, por exemplo, «o saneamento estava marcado para uma determinada data, só que nesse dia está a chover, logo não se faz e portanto atrasa-se». Por outro lado, também ligada ao ADS está a dificuldade que aponta neste seu trabalho enquanto responsável pela feira do gado, ou seja, «há erros que não estão directamente relacionados com os produtores, mas com este organismo». Isabel Narciso volta a ilustrar a situação com um exemplo: «chega aqui uma pessoa com uma carrada de 10 ou 20 animais da mesma exploração e há dois cartões que não estão em conformidade com os outros, porque no ADS se esqueceram de os carimbar. Contudo, eu não posso deixar entrar estes animais». E sempre que isto acontece, a MV tem o cuidado de avisar os produtores que «têm de verificar os cartões um a um e que não devem confiar que estão todos carimbados, porque no meio de tantos pode, por lapso, passar um ou dois, sem carimbo». E esta «é uma batalha que já dura desde 91». Uma das maneiras que arranjou para solucionar o caso é que, «efectivamente, acabo por contactar o ADS e eles confirmam. Todavia, isto causa algum transtorno, sobretudo para os negociantes, que às vezes fazem uma série de quilómetros para chegar aqui, já que vêm de norte a sul do país».

Em termos de regulamentação, a MV acredita que «há algumas lacunas, não especificamente no respeitante às feiras, mas à sanidade em geral. Há ainda muito por fazer. Não obstante, por outro lado, creio também que há muitos aspectos que não fazem sentido, porque são impraticáveis e depois as pessoas arranjam sempre maneira de os contornar».

As feiras do antigamente

Na feira do gado da Malveira não há exactamente um limite máximo de entrada de animais. A responsável diz que há seis parques de bovinos e que em média cada um leva entre 15 a 20 animais. Não obstante, há ainda um recinto destinado aos ovinos e caprinos e «um espaço para prender, individualmente, as vacas com uma corda».
Esta área, actualmente, nunca é preenchida. Na verdade, não o é já há muitos anos. Aliás, em 1991 quando Isabel Narciso começou a exercer funções na feira já não o era.

Antigamente «toda a gente tinha uma vaca», refere a MV, acrescentando que «normalmente, esta tinha um vitelo». E então, as feiras, não só a da Malveira, «baseavam-se muito nesse pequeno produtor», sendo que no caso desta, este, «sim, vinha aqui da zona», ou seja, «os alentejanos e algarvios traziam o gado deles e as pessoas aqui da área traziam a tal vaca e o vitelo».

Ora, «isto acabou tudo, visto que as exigências foram sendo cada vez maiores». E esta situação ditou o fim dos «“pequeninos”, que acabaram, e então as feiras não estão nem um terço daquilo que já foram».

Definitivamente, «já não se pode pensar nas feiras de hoje como o espelho das de antigamente, porque essas eram, realmente, baseadas no pequeno produtor, que já não existe», conclui a responsável.

E a da Malveira não è excepção, sendo que a razão não se prende unicamente com a situação enunciada anteriormente, já que «é algo fruto de várias outras circunstâncias», nomeadamente, dos problemas de saúde animal que têm afectado o país.

Na altura da febre aftosa, a «feira esteve, inclusivamente, fechada», diz a responsável. Depois veio o problema da língua azul, onde «o Norte era considerado zona limpa, portanto não podiam levar os animais para cima, e o Alentejo e Algarve eram encarados como zonas infectadas. Por isso, daqui não podiam transitar para norte, a não ser que fossem directamente para abater. Porém, normalmente, os comerciantes não fazem muito isto, visto que geralmente compram, por exemplo, 20 animais e depois vão abatendo».

Em relação ao futuro, uma das perspectivas que Isabel Narciso traça é as feiras continuarem a existir, isto porque «quem cá vem precisa de pontos de referência». Aquando a febre aftosa, ou seja, quando o espaço esteve mesmo fechado, «todas as quintas-feiras, os negociantes juntavam-se cá», daí não se poder negar que é algo «que já faz parte da vida deles». No fundo, a feira do gado da Malveira é caracterizada também por este lado de confraternização, como também por uma vertente mais ligada à realidade do sector, pois «é um ponto de encontro onde as pessoas se juntam para conversar e para se aperceberem do que está a acontecer no sector».

No respeitante aos negociantes que frequentam a feira, Isabel Narciso menciona que «98% das pessoas que aqui vêm são sempre as mesmas», sendo que «maioria já têm uma certa idade». Uma situação que a MV considera que «reflecte aquilo que se passa em toda a Agricultura». De acordo com a coordenadora do ADS do Sobral de Monte Agraço, os mais jovens «não têm muita apetência para esta área. O sector primário «não é muito bem remunerado e, hoje em dia, ao contrário do que se pensa, é preciso ter muita formação», já que cada vez há mais regulamentação que precisa de ser posta em prática «e as margens são tão pequenas que é preciso trabalhar bem», ressalva.

O comércio de animais e os MVM

O comércio de animais é uma área onde também o médico veterinário municipal (MVM) tem uma forte actuação. Por exemplo, na Malveira, completamente independente da feira do gado, mas também às quintas-feiras, há uma zona destinada ao comércio de aves e esta sim, de acordo com Isabel Narciso, é controlado pelo MVM de Mafra.

A venda de aves também tem sofrido com as circunstâncias relacionadas com a saúde, por exemplo com a gripe. E neste aspecto, Duarte Lopes, MVM de Vinhais (Trás-os-Montes) defende que os MVM «foram os MV que actuaram logo no terreno, com o registo das capoeiras dos nossos concelhos; em colaboração com as juntas de freguesia, efectuámos o registo informatizado das mesmas no âmbito do SIREA; actuámos logo nas feiras, com um controlo sanitário e documental muito apertado; e tranquilizámos as populações e a opinião pública com uma intervenção rápida e eficaz».

Em relação às normas do comércio de animais, o MVM acaba então, frequentemente, por ser a pessoa que as põe em prática. Na opinião de Duarte Lopes esta situação jamais origina que o MVM seja visto como o “inimigo”, «mas sim como o MV que estando mais próximo dos cidadãos os pode ajudar nas suas actividades e no enquadramento legal das mesmas».

Em relação a este aspecto, Tânia Candeias, MVM de Monchique, refere que, «na minha experiência pessoal tenho sido mais encarada como uma “colaboradora” do que como o inimigo». Até porque, sendo possível, «a primeira acção é sempre no sentido de informar, orientar e possibilitar a correcção das irregularidades antes de serem aplicadas as acções punitivas ou coercivas». Neste sentido, é o MVM que «propõe regras higiénicas para as feiras, para os seus participantes, que auxilia no preenchimento de impressos, que faz vistorias, que faz formações…», conclui a MVM.

Legislação em vigor

Mas no que concerne à legislação relativa ao comércio de animais, a MVM de Monchique sintetiza:
– Transporte de Animais: Regulamento 1/2005, de 22/12/2004 e Decreto-lei n.º 265/2007, de 24 de Julho. O transporte de animais vertebrados vivos com fins comerciais (conforme n.º 1 do artigo 8.º do DL 265/2007: “todo aquele transporte que induza ou tenda a produzir directa ou indirectamente um lucro, não se limitando aos transportes que impliquem uma troca imediata de dinheiro, de bens ou de serviços”) só pode ser efectuado por transportadores e em meios de transporte que se encontrem autorizados pelo director-geral de Veterinária (n.º 1 do artigo 3.º do DL 265/2007). Caso sejam transportes de menos de oito horas de duração basta aceder a página da Internet da DGV (www.dgv.min-agricultura.pt), escolher “Registo e Autorização de Transportadores de Animais” (www.dgv.min-agricultura.pt/noticias/Registo_de_Transportador.htm) e pagar uma taxa (50 euros). Os veículos não têm que ser alvo de um parecer/ vistoria do Médico Veterinário Municipal ou da DGV. No entanto devem obedecer às disposições do Anexo I, do Regulamento 1/2005, de 22/12/2004 e estarem adaptados à espécie, tipo de animal e viagem a efectuar. A responsabilidade do cumprimento das normas é dos próprios transportadores.

Os transportes que tenham uma duração superior a oito horas estão sujeitos a um maior número de exigências:
– Decreto-Lei n.º 338/99 de 24 de Agosto e respectivas alterações – Detenção e Circulação de Gado em território Nacional (espécies bovina, suína, ovina, caprina e equina).
– Decreto nº 13/93, de 13 de Abril – Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia (comércio de cães, gatos, pássaros, roedores e similares).
– Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro e Lei 49/2007, 31 de Agosto) – Aplicação da Convenção Europeia para Protecção dos Animais Companhia.

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