Quantcast
 

Carlos Agrela Pinheiro: «Uma saúde global»

Carlos Agrela Pinheiro: «Uma saúde global»

Após a Semana Veterinária da União Europeia, que teve como objectivo aumentar a consciencialização da Estratégia de Saúde Animal da UE 2007 – 2013, alertou-se para a necessidade de pensar numa só saúde que englobe a animal e a humana. O director-geral de Veterinária, Carlos Agrela Pinheiro, explicou melhor este conceito, bem como a revisão da legislação que está a ser realizada a nível europeu que permitirá uma harmonização das leis existentes nos diferentes países.

Veterinária Actual – Qual o mote do lema «Animais + Humanos = Uma Só Saúde» que pautou a Semana Europeia da Veterinária?
Carlos Agrela Pinheiro – Na última década houve algumas questões que afectaram a saúde animal com repercussões na saúde humana, de que é exemplo a BSE e a gripe aviária, que levaram à criação desta interface.
Há cada vez mais a consciência de que a saúde global mundial está dependente da evolução da saúde animal.

Mas sempre houve essa noção. Porquê a criação deste lema agora?
Não. Estas últimas situações de crises e até de psicoses que se desenvolveram à volta destes dois problemas de saúde animal levaram a uma maior consciência, a nível das organizações internacionais, de que há uma saúde global e não se pode falar em saúde animal e em saúde humana.
Há que estar alerta perante toda a exposição que temos, face à rapidez com que se processam as comunicações e deslocações inerentes de um mercado globalizado, que levam a riscos acrescidos.
O que a Semana Europeia da Veterinária chamou a atenção foi especialmente para as questões da biossegurança, tanto nas explorações como nas fronteiras, porque as doenças estão menos balizadas territorialmente e a exposição é maior. Há que ter em conta o risco que apresentam determinadas doenças, como a febre aftosa – que continua às portas da Europa –, e uma série de outras ameaças que podem emergir a qualquer altura. As questões da biossegurança assumem então um papel importantíssimo.
Além disso, ao nível de cada exploração, é importante que haja a noção de quais as medidas de biossegurança que podem ser eficazes e determinantes do ponto de vista da situação sanitária das produções animais.

 

Porém, a campanha não se dirige apenas aos produtores e engloba vários públicos.
Sim, a campanha engloba desde produtores a consumidores, passando pelos médicos veterinários e inclui ainda os mais jovens e as crianças. Para este público-alvo foram desenvolvidas, nessa semana, algumas acções específicas em algumas escolas para que toda a população escolar se sensibilize para estas questões desde a mais tenra idade. É, desde logo, fundamental que as pessoas percebam que a introdução de bens alimentares contaminados acarreta graves riscos para a saúde pública e animal.
Todos os stakeholders foram envolvidos neste processo e tidos em conta no desenho da estratégia de sensibilização, tendo havido a preocupação de se dar uma grande visualização a este problema, que começou com a conferência internacional, realizada em Novembro, com a presença da comissária europeia Androulla Vassiliou. A partir daí, durante este ano de 2009 irá continuar a haver este tipo de acções de sensibilização, com a disponibilização inclusivamente de um autocarro europeu irá estar presente nos certames agrícolas mais importantes. Em Portugal, pensamos que poderá estar presente na OviBeja e na Feira Nacional de Agricultura, com todos estes materiais didácticos que pretendem chamar a atenção para as questões da biossegurança.

Acredita que um autocarro europeu será suficiente para todas as solicitações?
Os recursos não são ilimitados e, de alguma maneira, os serviços veterinários tentam transmitir essa mensagem de alerta para as questões da biossegurança.
Nas alfândegas também temos desenvolvido um trabalho conjunto de, acima de tudo, sensibilizar a população e depois fiscalizar a bagagem e os passageiros.
 
Quais foram as principais conclusões da conferência internacional?
Na conferência foram apresentados os pontos de vista dos médicos veterinários, dos criadores e das organizações internacionais. No fundo, o que se concluiu foi a necessidade de criar uma consciência de que os animais de criação, bem como os animais domésticos, têm uma relação directa com a saúde dos cidadãos. Portanto, há que passar a mensagem de que os alimentos seguros e a prevenção das zoonoses constituem o lema da campanha que já referimos: «Animais+ Humanos = Uma Só Saúde».
O mais importante é que a noção de biossegurança se interiorize e que haja a noção de que este é um conceito muito alargado que pode ser aplicado em diversas vertentes.

 

E qual o papel dos médicos veterinários nesta estratégia?
Assumem um papel central, porque estão presentes em todos os locais, seja próximo dos produtores nas suas acções nas explorações ou até nos postos de inspecção fronteiriços. Ou seja, tanto na sua actividade privada e liberal, em que o médico veterinário pode intervir junto do produtor sensibilizando-o para estes conceitos, como na administração e serviços central, regional ou local nos seus locais de intervenção.
Todas estas questões não são novidade, nem algo que foi descoberto agora, mas é, no fundo, a aplicação de todos estes conceitos de biossegurança. Nesta matéria, Portugal até tem alguma vantagem, fruto da sua experiência de mais de quarenta anos de limitação na produção de suínos, resultante da doença endémica da peste africana e até da peste clássica. Já nessa altura havia medidas estritas de biossegurança no sentido de prevenir a entrada do vírus nas explorações.
A avicultura também é outro sector que já aplica medidas estritas de biossegurança e que, com a ameaça da gripe aviária, viu ainda esses conceitos mais apertados.
No fundo, o que se pretende é que todas estas medidas sejam extensivas e não se apliquem apenas a uma parte da produção, como forma de evitar calamidades.

Contudo, no nosso país persistem ainda algumas produções para consumo próprio ou familiar em certas zonas do país. Como se transmitem estas ideias da biossegurança e reforço higiénico-sanitário a esta franja da população?
Este é um sector em que os médicos veterinários municipais assumem um papel preponderante. Porém, este tipo de produções, neste contexto, embora tenham importância, não são os principais produtores de alimentos que entram no circuito de distribuição e que podem vir a causar determinado tipo de problemas de saúde humana. Contudo, merecem atenção enquanto reservatório de doenças e são alvo do mesmo acompanhamento e monitorização que as chamadas industriais.

 

Quais as grandes vantagens de um quadro jurídico plenamente harmonizado para o comércio de animais vivos e de produtos de origem animal?
No fundo, pretende-se fazer para a saúde animal o mesmo que se fez com a “Food Law”, no que chamamos “Pacote de Higiene”, que agrupa toda a legislação produzida ao longo dos últimos anos.
Está então a ser feita uma revisão da legislação produzida nos últimos 20 anos na área da saúde animal, no sentido de a harmonizar e englobar numa lei-quadro que seja mais fácil de entender e com uma visão mais actualizada. Procura-se também envolver neste processo legislativo todos os stakeholders que estão a ser consultados.
Há ainda outra diferença em relação ao passado, hierarquizando-se as doenças, estando as zoonoses em primeiro lugar, seguidas das epizootias e as outras patologias que afectam uma única espécie ou que não têm verdadeira expansão.

Como é estabelecida essa hierarquia?
É estabelecida tendo em conta os perigos para a saúde pública, os impactos económicos e aqui há também uma alteração em relação ao passado. Até agora, os apoios eram direccionados para o abate e sacrifício dos animais, com indemnização pelo Estado para determinadas situações. O que se procura agora é ir mais longe, porque em situações de crise os sacrificados não são unicamente os animais das explorações afectadas, mas também os outros produtores quando existe baixa de preço da carne, da imobilização, dos sequestros e todo um rol de determinações que podem daí advir.
Ainda estão em discussão as medidas a adoptar, mas que passarão pela criação da reserva de um fundo comunitário – que teria de ser constituído em tempo de “paz” – e/ou pela criação de seguros, com uma contribuição pública e privada que permita fazer face a situações deste tipo.  
As grandes diferenças em relação ao passado com a criação desta nova lei passam por estas alterações: revisão da legislação, torná-la mais simples, intervenção pelos destinatários e prever situações de compensação por perdas indirectas.

 

Além destas alterações, que outras deveriam ser consideradas tendo em conta a realidade nacional, mas sem esquecer que é uma lei-quadro europeia?
Portugal está incluído em alguns grupos específicos que foram criados para debater esta revisão, nomeadamente no grupo da hierarquia e prioridade das doenças. Foi muito importante este facto, porque julgo relevante haver diferentes sensibilidades das diversas realidades da Europa. Coube-nos a nós a Itália representar o Sul da Europa, pelo que temos a responsabilidade de defender aquilo que é a nossa realidade como a dos chamados países mediterrânicos.
Para nós é importante continuar a haver apoio para algumas doenças que, apesar de anos de programas de controlo e erradicação ainda permanecem, como é o caso da tuberculose e da brucelose. Porém, é também fulcral não esquecer doenças que preocupam toda a comunidade, como as de âmbito da segurança alimentar.
Devo ainda mencionar o fenómeno da língua azul que veio acabar com uma série de conceitos em relação à limitação de certas doenças por questões de clima. A língua azul afectou todos países do norte da Europa, tendo chegado inclusive ao Sul da Suécia, verificando-se que estas doenças transmitidas por um vector, por vezes, se alteram, não havendo regiões protegidas.
No fundo, terá de haver sempre um balanço entre os interesses nacionais e os europeus em torno de um objectivo comum.

Para quando está prevista a conclusão deste projecto?
Até ao final do ano a discussão em torno da nova legislação deverá estar concluída e espera-se que comece a dar frutos no início de 2010.
Provavelmente será sob presidência europeia da Espanha que esta revisão da legislação será posta em prática, simplificando e harmonizando toda a regulação já existente.

Este site oferece conteúdo especializado. É profissional de saúde animal?