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Banco de Sangue Veterinário: Fazer bem sem olhar a quem

Banco de Sangue Veterinário: Fazer bem sem olhar a quem

A criação do Banco de Sangue Veterinário da FMV-UTL foi uma autêntica «empreitada». Difícil, dispendiosa, extenuante, mas altamente gratificante para a equipa que esteve por detrás do primeiro banco de sangue a obedecer às normas exigidas pela legislação. Até ao momento, já salvou várias vidas, mas, diz Constança Pomba, necessita de mais dadores para que nunca venha a faltar a “vida” aos animais que dela necessitem.

Inaugurado há menos de um ano, o Banco de Sangue Veterinário (BSV), do Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária, da Universidade Técnica de Lisboa, é já um marco na zona sul de Portugal.

«Para o grupo que está envolvido no BSV tem sido uma experiência extraordinária. Tem sido muito gratificante pôr este banco de sangue a funcionar, em termos de relacionamento humano, designadamente com a colaboração que existe com os colegas e os donos dos animais. O BSV tem sido uma mais-valia para todos e foi uma aposta ganha».
Baseado em dadores da comunidade, conta com a colaboração «fundamental» da Fundação São Francisco de Assis e da Força Área Portuguesa, como explica Constança Ferreira Pomba, professora da mesma instituição de ensino superior e presidente do BSV, e nasceu da necessidade colmatar as carências sanguíneas do bloco operatório do referido hospital lisboeta.

 

«Este projecto nasceu da vontade de vários clínicos da nossa faculdade, nomeadamente a Dr.ª Joana Gomes e de mim própria. A direcção do Hospital e da própria da Faculdade não enjeitou esforços e apoiaram, desde o início, a implementação deste projecto», «que é o primeiro banco a obedecer a todos os critérios de qualidade exigidos pela legislação», possui local adequado (laboratório localizado no perímetro da zona limpa dos blocos operatórios de pequenos animais), com entrada própria e ambiente controlado por sistema de extracção de ar.

Para assegurar uma boa colheita, segundo Constança Pomba, existem uma série de valências que são garante de um serviço de qualidade. Apesar de aparentemente – para um leigo – parecer uma simples sala de um qualquer hospital, as aparências resumem-se a isso mesmo, porque o BSV está apetrechado com aquilo que de melhor existe no mercado. «Estão aqui investidos uns largos milhares de euros em equipamento», explica a responsável. Entre os diversos equipamentos e valências, destacam-se o controlo de qualidade, armazenamento, conservação, manuseamento e distribuição dos componentes sanguíneos (sangue total, concentrado de glóbulos vermelhos, plasma fresco congelado, plasma congelado), extractor de plasma, sistema de selagem mecânico, frigorífico e congelador com temperatura controlada, banho-maria com agitação para descongelamento de plasma, câmara de fluxo laminar horizontal para manuseamento dos sistemas de colheita e transferência de componentes, janela para saída dos componentes para distribuição. Nada disto teria sido conseguido sem a «inestimável ajuda» da direcção do Hospital e da Faculdade, que «disponibilizaram grande parte dos materiais para desenvolver a recolha de sangue condignamente», explica.

 

Como um banco humano

Segundo a líder do BSV, este recém-inaugurado espaço de saúde animal obedece a critérios rigorosíssimos de qualidade. A filosofia é, aliás, muito idêntica aos bancos de sangue humanos. A frase «dar sangue é dar vida», também serve para o BSV, segundo a nossa entrevistada. «O nosso banco de sangue é apenas menos automatizado do que um humano, como é lógico, porque nós temos um volume de sangue muito inferior», mas em todo o resto «é equiparável», assegura.

 

«O nosso banco tem sangue para gato e para cão. Temos várias tipagens dos grupos sanguíneos, para além de fazermos todos os outros requerimentos exigidos para fazer o controlo e qualidade das doenças infecciosas do próprio sangue, para que nós tenhamos a certeza de que o sangue que vai de aqui irá salvar a vida de muitos animais», defende, argumentando que a criação do citado banco «veio preencher uma lacuna que havia na Universidade: é preciso sangue, então vamos recrutar um dador ou vamos arranjar sangue através de um pedido de última hora», em suma diz, veio superar definitivamente problemas que eram resolvidos «em cima do joelho, há portuguesa», sustenta. «Muitas vezes, esse tipo de atitudes de “desenrasca” não funcionam». Por isso, nasceu um banco que irá possibilitar um tratamento aos animais «em tempo útil muito superior».

Constança Pomba recorda, com orgulho, um dos momentos mais marcantes na vida do BSV. Ainda não tinha um mês de existência, quando um cão, que estava a ser operado, necessitou de repentina transfusão de sangue, «senão morria». «O médico que estava a fazer a intervenção cirúrgica nem se lembrava que o Hospital já tinha um banco de sangue dentro de portas. E fomos nós que corremos para lá com o necessário para salvar o animal, que sobreviveu, graças à proximidade entre o bloco operatório e o BSV».

 

Sangue, só dos melhores

Para ser dador de sangue do BSV, no caso dos cães, é apenas necessário ser um animal saudável de entre 1 a 8 anos; ter mais 15 quilos; se for fêmea terá de ser “castrada” ou nunca ter estado grávida. No caso dos gatos, é também necessário ser saudável; ter entre 1 a 8 anos; ter mais de 3,5 quilos; se for fêmea terá igualmente de ser “castrada” ou nunca ter tido estado grávida.

Constança Pomba esclarece que o Banco guarda dois dias por semana para recolha de amostras sanguíneas. «Fazemos exames clínicos para ver se os animais estão aptos, fazemos toda uma série de análises para ver se estão saudáveis e se são compatíveis para serem dadores, se tem a idade adequada, etc.».

Por outro lado, os donos dos animais, «para além de saber que vão ajudar outros animais», ficam a saber se os seus próprios animais estão saudáveis, «e isso é grande mais-valia para as pessoas». E, em tempo de crise, vem dar “ajuda”, pois nem sempre há disponibilidade económica para proceder correctamente no acompanhamento sanitário dos animais.

Protocolo de tranquilização

Como é óbvio, a recolha de sangue em animais difere imenso da recolha num ser humano. Os animais mexem-se, debatem-se com as equipas, etc. No BSV, o bem-estar dos animais dadores é garantido mediante a utilização de um protocolo de tranquilização / sedação, que é feito com a autorização do proprietário do animal. A colheita realiza-se em sala adequada, em ambiente tranquilo, mediante toadas as medidas de assepsia necessárias à flebotomia.

No mesmo âmbito, o processo de produção com vista à obtenção de produtos com qualidade e segurança comprovadas são os utilizados a nível internacional e de acordo coma declaração do Animal College of Veterinary Internal Medicine, explica Constança Pomba, assegurando ainda que a realização do despiste de agentes infecciosos obedece a todos protocolos internacionais e dá garantia de total salubridade. Mas, para que este tipo de serviços funcione adequadamente, é necessária uma equipa altamente preparada. «Somos quatro médicos veterinários (Joana Gomes, Marisa Ferreira, Cátia Pereira e eu própria) que funcionamos em grupo, fora a ajuda dos auxiliares e dos próprios alunos, porque uma colheita implica sedação, uma tricotomia, preparação asséptica dessa zona, etc. Tudo isso, requer um “tipo” de pessoa muito motivada, que têm de ficar à espera que o seu animal acorde, que recupere. Habitualmente, os próprios donos são também eles dadores de sangue ou então são colegas e alunos da Faculdade».

Para além da qualidade de despistagem de patologias feitas no BSV, os proprietários de animais que necessitem de sangue terão a garantia acrescida da qualidade do material recolhido, uma vez que parte do sangue irá provir dos cães, altamente treinados e “geneticamente apurados”, da Força Área Portuguesa.

Por outro lado, os gatos que são alvo de colheita na Fundação Francisco de Assis «são os mais dóceis, e aqueles que são logo adoptados».

Dar para receber

Quanto a distribuição, explica, esta é feita mediante requisição e mediante o pagamento de uma quantia no Hospital. «As clínicas e consultório que queiram colaborar connosco, e requerem o nosso sangue, terão de dar uma pequena contribuição (cerca de 85 euros por cada unidade de sangue) porque manter este tipo de serviços a funcionar fica muito cara, só o controlo de qualidade fica caríssimo».

Contudo, as clínicas que queiram enviar dadores que estejam a ser tratados nas suas instalações, ficarão isentos de qualquer pagamento. «Passam oficialmente a constar da lista dos colaboradores desta grande empreitada».
Para já, os dadores (50 cães e 20 gatos) formam um grupo que «é razoável». Apesar da quantidade não ser sinónimo de qualidade, importará angariar mais dadores para que não se esteja a sobrecarregar sempre os mesmos. «Um em cada três dadores são rejeitados. Daí que seja importante ter um leque mais alargado e animais dadores», sintetiza.

O BSV de Lisboa tem conquistado as simpatias da classe médica da capital. Constança Pomba revela que o «bom ambiente e as boas relações que ainda existem na classe» estão a ajudar ao. «A Faculdade tem, também, como missão ser uma ajuda aos colegas que estão na privada».

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