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Vets On The Road: A estrada percorrida rumo ao sonho

Começou por ser um projeto de serviços ao domicílio e ainda mantém essa oferta, mas avançou para abertura de uma primeira clínica, em Braga. O grupo Vets on The Road e a Clínica Veterinária das Glicínias atuam em Braga desde há um ano. As cofundadoras Patrícia Azevedo e Cátia Ramos contam como tem sido este caminho de passos sustentados e envoltos em coragem.

 

Foi depois do nascimento do filho que Patrícia Azevedo, 30 anos, optou por se aventurar num negócio próprio. Juntou-se à colega Cátia Ramos, dois anos mais nova, e ambas deixaram o antigo trabalho para fundar o grupo Vets on The Road, dedicado a serviços ao domicílio em todo o distrito de Braga. Estávamos já no período pós-pandemia, em setembro de 2022. Seis meses mais tarde, o projeto cresceu e deu lugar à inauguração da Clínica Veterinária das Glicínias, a 1 de abril de 2023. “Achámos que seria a oportunidade certa, começámos com os domicílios e acrescentámos posteriormente a componente da clínica”, explica a diretora clínica, Patrícia Azevedo.

As ideias de ambas eram coincidentes e enquadravam-se no negócio que acabaram por criar em conjunto. A equipa conta ainda com duas enfermeiras veterinárias e pauta-se pela “empatia com os clientes. Mais do que tudo o resto, é essencial trabalharmos no mesmo sentido e defendermos os mesmos valores”, refere a responsável.

 

“[As pessoas] têm de passar a ver-nos como profissionais, como pessoas que se formaram, que investem muito do seu tempo todos os dias, até porque precisamos de ter formação contínua. E é um desgaste diário muito grande, não apenas emocional” – Cátia Ramos

 

As exigências decorrentes da pandemia e o facto de Patrícia ter sido mãe levaram as colegas a repensarem os seus ideais. “A possibilidade de termos um pouco mais de liberdade pesou na decisão de ambas”, diz. E, também, a vontade de seguirem os próprios sonhos. “Apostar num negócio nosso é sempre uma aventura, gera muita incerteza, muito receio do futuro, mas se não tentasse com esta idade, não sei quando o faria”, acrescenta Cátia. Ambas têm a noção do que as espera. “Sabemos que os primeiros cinco anos são aqueles em que temos de lutar mais, pois esta é a base de todo o negócio no futuro”, salienta a diretora clínica.

Apesar de já terem clientes que acabaram por seguir os passos das médicas veterinárias, outros têm surgido através da publicidade “passa a palavra” entre tutores que recomendam o serviço do Vets on the Road, e também por via do Google ou das redes sociais. Agora que já têm um espaço próprio, as pessoas que passam à porta da clínica acabam por conhecer um pouco melhor o projeto. “Em Braga, há uma clínica veterinária em cada canto, mas, por acaso, neste canto, ainda não existia”, acrescenta Patrícia, entre risos.

 

Praticamente todos os dias surgem clientes novos. “Estamos completamente dedicadas ao negócio a tempo inteiro. Já conseguimos alcançar muito nestes seis meses, o que é certamente promissor, mesmo que ainda não se reflita numa agenda completamente cheia neste momento.” Continuando a contar com a satisfação dos clientes que vão ganhando diariamente, a ambição passa por aumentar a equipa. “É o que desejamos. Abrir uma clínica com quatro pessoas já foi um grande passo e não foi fácil. É preciso muita coragem para apostar num negócio próprio. Vamos ver o que nos reserva o futuro”, sublinha.

Atendimento personalizado

Com um espaço relativamente generoso, a sala de espera está dividida com uma pequena separação para salvaguardar o melhor conforto para os cães e os gatos. O mesmo acontece com os consultórios que estão devidamente divididos por espécies. Existe ainda a sala de Imagiologia com Raio-x e ecografia, a sala para cirurgia e o recobro parcialmente separado com uma parede que impede a visualização entre cães e gatos. “Temos ainda um recobro de isolamento para os animais que demonstrem sinais de doença infeciosa para conseguirmos também ter essa distinção e para evitar misturar com outros animais saudáveis que vêm para cirurgia, por exemplo. E depois temos ainda uma sala para o staff, o escritório e o nosso refeitório.”

Atualmente, a Clínica Veterinária das Glicínias está aberta de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 20h00 e aos sábados, das 10h30 às 13h00 e das 14h30 às 17h00 e tem ainda serviço de urgência. “Uma de nós está sempre contactável e, se necessário, deslocamo-nos à clínica fora do horário.” Além de análises clínicas, ecografia e Raio-x, o CAMV dispõe de cirurgia geral – área de interesse de Patrícia Azevedo e de Cátia Ramos – e de consultas de várias especialidades [estomatologia, exóticos, oftalmologia, cardiologia, entre outras]. Nas consultas de profilaxia, é possível realizar desparasitações, vacinações, banhos e tosquias. “Mediante disponibilidade, fazemos também pet sitting e dog walking”. A diretora clínica explica que estes dois serviços foram sugeridos por alguns clientes. Quando esse pedido surgiu, a equipa não hesitou e considerou que seria importante dar resposta.

“Achámos que seria a oportunidade certa, começámos com os domicílios e acrescentámos posteriormente a componente da clínica” – Patrícia Azevedo

As consultas funcionam por marcação e todos os clientes são recordados de forma personalizada dos agendamentos, seja por SMS ou por chamada telefónica. “Temos uma grande afluência de mensagens nas redes sociais, sobretudo no Instagram e no WhatsApp, o que faz com que seja muito fácil comunicar com o cliente e acompanhar os casos”, diz Cátia Ramos. Se for necessária uma reavaliação presencial, tudo é agendado nesse sentido.

Também as rotinas são previamente agendadas. “Lembrar os tutores no dia anterior é importante para a equipa, pois conseguimos diminuir as faltas”, refere Patrícia Azevedo. Para evitar ter a sala de espera cheia, a marcação prévia facilita bastante. “Todos temos a ganhar com esta forma de trabalhar, mas se aparecer uma situação urgente, aceitamos. Nunca deixamos um cliente por atender.”

As redes sociais vieram acrescentar valor. “O cliente não se sente sozinho e percebe que estamos lá para ele.” Dentro do objetivo de ser uma clínica, o mais familiar possível, a proximidade é algo do qual não abdicam no contacto com os tutores. Mesmo quando o animal sai daqui com uma alta totalmente dada, gostamos de fazer o follow-up e de ter a certeza de que está tudo bem, mesmo decorridos uns dias. “Quando sabemos que são pessoas mais jovens e até ‘conversam’ melhor pelo WhatsApp, usamos esta via. Caso contrário, telefonamos. Vamos ajustando a cada pessoa.”

Para evitar ter a sala de espera cheia, a marcação prévia facilita bastante. “Todos temos a ganhar com esta forma de trabalhar, mas se aparecer uma situação urgente, aceitamos. Nunca deixamos um cliente por atender”, defende Patrícia Azevedo.

O facto de as vias de comunicação estarem tão acessíveis traz alguma calma aos clientes que, por vezes, têm dúvidas simples ou querem debater pequenos pormenores sobre o estado do seu animal – e que até são coisas sem gravidade – e o facto de a equipa responder, dá-lhes tranquilidade. “Por exemplo, num pós-cirúrgico, deixamos o tutor à vontade para nos mandar uma mensagem se sentir que o animal está com algum sintoma que considere estranho [não tem apetite, está mais enjoado ou mais prostrado], mas que até pode ser normal nessa fase. O cliente fica mais relaxado, e isso é algo que valorizamos muito”, salienta a diretora clínica.

Se um paciente necessitar de vigilância durante a noite, é referenciado para o hospital mais próximo – Hospital Veterinário Bom Jesus, em Braga – ou, em algumas situações, para o Hospital Referência Veterinária Montenegro. “São poucos os casos que tivemos de referenciar até ao momento, mas quando surge algo que ultrapassa os cuidados que temos à disposição, referenciamos”, explica Cátia Ramos. E essa hipótese é sempre avaliada consoante o caso e é devidamente discutida com os tutores.

A (des)valorização da profissão

As fundadoras do Vets on The Road tecem algumas críticas no que respeita à evolução da especialidade e ao reconhecimento da profissão. “Nós, médicos veterinários, somos o reflexo do tratamento e da importância que as pessoas dão aos animais”, refere Patrícia, que considera que estão a ser dados passos para caminhar para a melhoria da valorização da especialidade, mas ainda há muito por conquistar. “O que eu sinto, na minha opinião muito pessoal, é que a medicina veterinária não é vista como uma profissão, mas sim como um hobbie. Acho que as pessoas olham para a medicina veterinária, para os médicos veterinários e para as clínicas como algo que tem de ser feito [apenas] por paixão”, refere.

“Estamos em vias de assinar um protocolo com a Câmara Municipal de Braga, com a Medicina Veterinária Social, para ajudarmos pessoas com menos possibilidades económicas.” – Patrícia Azevedo

A juntar à mentalidade de algumas pessoas que “assumem o trabalho que desenvolvemos como voluntariado”, defende Cátia Ramos, surgem as barreiras económicas. “Têm de passar a ver-nos como profissionais, como pessoas que se formaram, que investem muito do seu tempo todos os dias, até porque precisamos de ter formação contínua. E é um desgaste diário muito grande, não apenas emocional”, sublinha. A disponibilidade total, presencial ou à distância, via telemóvel, acaba por levar a que esta seja uma profissão de desgaste rápido. “Estamos sempre contactáveis e disponíveis para responder a uma mensagem.”

Relativamente às dificuldades financeiras, Patrícia Azevedo refere que a Clínica Veterinária das Glicínias tem parcerias com associações de proteção de animais. “Estamos em vias de assinar um protocolo com a Câmara Municipal de Braga, com a Medicina Veterinária Social, para ajudarmos pessoas com menos possibilidades económicas.” O CAMV colabora ainda com um programa semelhante com a junta de freguesia da zona da clínica, a Junta de Freguesia de Ferreiros, para incentivar as pessoas com mais dificuldades a manterem a profilaxia dos animais em dia [desparasitação e vacinação] e a cumprirem a obrigatoriedade do microchip, por exemplo. “Desde que abrimos a clínica, trabalhamos com o cheque veterinário da Ordem dos Médicos Veterinários.”

O facto de a profissão ser muito exigente leva-nos a abordar o tema da saúde mental com as fundadoras desta clínica que mantêm os domicílios para os clientes que prefiram esta opção. Sobretudo no caso dos mais idosos, com alguns problemas de mobilidade, a equipa vai buscar os seus animais a casa para a realização de procedimentos na clínica, entregando-os posteriormente. “Como temos uma clínica familiar, falamos entre nós, o que é uma mais-valia. O poder desabafar com um colega e ter cooperação do outro lado, é algo muito importante”, explica Cátia Ramos. Acresce a rede familiar e também algumas estratégias que ajudam a manter a sanidade mental, desde logo, as pausas que tentam fazer ao longo da rotina laboral, sobretudo nos dias em que não surgem tantos imprevistos. “Tentamos não sobrecarregar equipa com horas a mais de trabalho, para que as pessoas possam ter tempo para lazer e para a família ou em algo nos preencha”, acrescenta.

Projetos para o futuro? Patrícia Azevedo revela que o objetivo é continuar a crescer para ser possível expandir o projeto. “Entre os domicílios e a clínica, gostaríamos de ter alguma rentabilidade para termos também um conforto financeiro, dado o investimento que foi feito. Para conseguirmos contratar mais pessoas precisamos de alcançar alguma estabilidade.”

Uma escolha inata

Patrícia Azevedo não se recorda de ter desejado outra profissão. Das memórias de infância, fazem parte as brincadeiras que incluíam a simulação de macas e de animais na consulta. “Não tenho ninguém da família ligado à área. Assumo que esta paixão tenha nascido comigo.” Os anos em que passou no secundário e a entrada na Universidade [tirou a licenciatura na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e terminou no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS)] geraram grande ansiedade. “No fundo, queria viver o meu sonho e quando o consegui concretizar, senti uma enorme alegria.” Após terminar o curso, tirou uma pós-graduação em cirurgia e além desta área, gosta particularmente de medicina interna e de dermatologia.

Cátia Ramos também gosta da área de cirurgia, mas espera fazer formação na área de imagiologia. “Também valorizo muito a área de medicina felina e gostaria de introduzir mais práticas cat friendly aqui na clínica”, refere. Quando lhe perguntavam o que queria ser quando crescesse, respondia “médica veterinária”. O facto de ter crescido com muitos animais terá ajudado. “A minha avó fazia criação de cães e a minha vida foi sempre passada com animais.” A meio do percurso, lembra-se de os familiares a tentarem dissuadir e convencer a seguir medicina humana, mas, quando chegou o momento de se candidatar à faculdade, percebeu que essa sugestão não expressava a sua vontade. “Não era isso que queria para a minha vida. Acabei por ir para veterinária e sinto-me realizada e contente pelo facto de a minha escolha ter prevalecido, por ter seguido o que eu queria e não o que achavam que seria melhor para mim”, remata.

*Artigo publicado na edição 176, de novembro, da VETERINÁRIA ATUAL

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