Constituem um desafio para os profissionais, mas também para os tutores, que têm de assumir grande parte do tratamento, em casa. As otites podem recidivar ou tornar-se crónicas, daí que seja essencial a monitorização regular. A evolução ao nível das técnicas e dos meios de diagnóstico tem ajudado na correta avaliação e acompanhamento dos casos.
“Sei que lhes estou a pedir muito, mas, no final, vamos conseguir resolver o problema”. Esta é uma frase repetida pela médica veterinária Carolina Mesquita aos tutores que a procuram devido às queixas dos seus animais na área de otologia. O que a também DVM, ESAVS full program, PhD student e responsável pelo PeloVet – Serviço de Dermatologia Veterinária, tem constatado é que, quanto mais esclarecidos os tutores estiverem, melhor vão efetuar os tratamentos e cumprir as indicações que são recomendadas. “Entendo que seja complicado para eles. Os tutores têm de aplicar o tratamento no ouvido de um animal que não para de se mexer, têm de dar comprimidos, enquanto o animal anda a fugir pela casa, mudar a alimentação a um animal que não gosta da nova comida, entre outros exemplos”, explica.
Apesar de os profissionais lidarem com todo o tipo de tutores, Tatiana Lima, DVM, diplomada em Dermatologia Veterinária (ECVD), a trabalhar na Small Animal Specialist Hospital (SAHS), em Sidney, na Austrália, desde março deste ano, revela que “o papel do tutor é tudo. Quando damos alta ao animal, costumo dizer que foi dado o primeiro passo e que existem mais cem passos a dar, sendo o tutor responsável por 99 deles. A minha obrigação é transmitir-lhe informação adequada”. Da sua experiência, “são extraordinariamente raros os casos de falta de compliance”. E, quando acontece, deve-se à agressividade do animal ou por que o tratamento interfere demasiado com a relação tutor – pet. “Mas não por falta de dinheiro, de vontade ou de tempo do tutor”, assinala.
O facto de os ouvidos constituírem uma zona “especialmente desafiante de tratar”, como explica Diana Ferreira, diplomada pelo Colégio Europeu de Dermatologia e especialista em Dermatologia pela EBVS™, na maior parte dos casos, “o tratamento das otites é tópico, através da aplicação de gotas e líquidos de lavagem. Além disso, são os tutores que realizam os tratamentos em casa, o que pode fazer com que não se sintam confortáveis”, explica. Por outro lado, pode surgir a questão de muitos animais demonstrarem “relutância e desconforto associado à aplicação de tratamentos e, alguns, até reatividade/agressividade para com os tutores, o que dificulta muito uma correta aplicação dos tratamentos”. Para melhorar a compliance, a médica veterinária considera que, em primeiro lugar, é preciso saber quem vai realizar os tratamentos e se consegue efetivamente aplicar os produtos. “Também é importante explicar como o devem fazer, para que possamos ter o melhor outcome possível.”
As médicas veterinárias Letícia Dias e Mariana Vasques trabalham em várias regiões do Brasil e realizam a otoendoscopia em prestação de serviços em algumas clínicas e concordam com as colegas portuguesas. Em entrevista escrita respondem que “tudo começa com a educação aos responsáveis/tutores. É de extrema importância deixá-los bem informados sobre o diagnóstico, as expectativas terapêuticas, o controlo da doença e os objetivos do tratamento de acordo com a causa do problema”. Defendem que, durante a consulta, é preciso dedicar algum tempo a mostrar como realizar o tratamento, a limpeza e os demais cuidados. “Muitas vezes, ensinamos na prática com modelos 3 D nas orelhas ou mesmo com o próprio paciente.” Ainda assim, consideram que o cumprimento adequado pode ser um verdadeiro desafio. “Existe a facilidade de comprar qualquer produto sem indicação em alguns balcões, fazendo os tutores acreditar em resoluções fáceis para o problema”, alertam.
“A grande evolução foi o facto de a vídeo-otoscopia ser agora prática comum nos centros de referência” – Tatiana Lima
A otologia é uma subespecialização da dermatologia veterinária e uma área relativamente mais nova dentro deste setor, adiantam as médicas veterinárias. “Têm surgido muitas novidades e estudos ao longo dos últimos anos e, atualmente, temos maior acesso a exames mais detalhados, como a TAC e a ressonância magnética, bem como a realização da otoendoscopia que, além de ser um exame de imagem, pode ajudar na remoção do excesso de sujidade e secreções, coleta de material para histopatológico, remoção parcial ou total de formações, miringotomia (perfuração terapêutica da membrana timpânica), entre outras indicações.” Assim, tem sido possível melhorar e aumentar o diagnóstico adequado das otites.
Identificação e tratamento começam em casa
Os tutores têm também um papel essencial na identificação do problema e também da sua repetição. Muitas vezes, “são eles os primeiros a identificar, o mais prematuramente, que o animal possa estar a desenvolver uma otite”, refere Carolina Mesquita. Considerando que é obrigação dos profissionais de medicina veterinária “ensiná-los a identificar os sinais clínicos precoces”, defende que é mais benéfico “tratar uma otite numa fase inicial do que uma otite instalada há mais tempo”. Por outro lado, “não nos podemos esquecer que são os tutores que vão efetuar o tratamento em casa, na maioria dos casos, uma até mesmo duas vezes por dia”. É assim uma mais-valia desenvolver uma boa comunicação com o tutor, de forma a gerir as suas expectativas e a criar uma adesão à terapêutica, em que ele se sinta “envolvido e esteja consciente da necessidade e da importância de cumprir com o tratamento proposto”.
No tratamento da otite externa crónica, por exemplo, é prescrito um tratamento tópico a longo prazo. “Um caso típico [há sempre exceções] é o do cão com dermatite atópica canina e otite externa recorrente, precisa de limpar o canal auditivo, normalmente uma vez por semana e aplicar corticoide tópico, uma a duas vezes por semana, provavelmente durante toda a vida do animal”, salienta Tatiana Lima. Depois da fase aguda ter passado e a possível infeção estar controlada, o papel do médico veterinário passa por “identificar a causa primária, explicar ao tutor o que é alergia, o que é inflamação, dar-lhe a ‘caixa de ferramentas para casa’ e ensinar-lhe a fazer as coisas, recebendo-o em consulta uma a duas vezes ao ano”.
No que se refere especificamente à causa primária, o que pode estar na base é “a dermatite atópica canina ou um fator predisponente (por exemplo, a estenose, no Sharpei ou no Pug), o excesso de pelos, no Poodle e cruzamentos, a hiperplasia de glândulas ceruminosas, no Cocker Spaniel, entre outros)”, explica a médica veterinária. As causas primárias e os fatores predisponentes, na maioria dos casos, não podem ser eliminados, “mas podem ser controlados com o tratamento tópico constante e/ou tratamento oral [por exemplo, a ciclosporina] e/ou imunoterapia e/ou dieta”. Depois de tudo isto muito bem explicado, é preciso reforçar a importância de não parar o tratamento e explicar “como se limpam os ouvidos e se aplicam as gotas”.
Como diagnosticar?
São muitos os problemas abordados em otologia veterinária, mas, os mais comuns são as otites, infeções/inflamações do canal auditivo. “A otite é a segunda patologia mais frequente em medicina veterinária, podendo afetar até 20% dos nossos animais e provocar muito desconforto e, por vezes, dor”, explica Carolina Mesquita. Outros motivos comuns são “os otohematomas que, muitas vezes, são secundários às otites e os pólipos no canal auditivo, e que, por sua vez, funcionam como um fator de predisposição ou de perpetuação das otites”.
“(…) É assustador e muito frequente enviar as amostras para o laboratório e receber um resultado que nos indica que não há antibiótico que seja capaz de controlar estas bactérias” – Carolina Mesquita
Diana Ferreira acrescenta que as otites em cães são a consequência de dermatites alérgicas. “Também muito frequentemente avaliamos cães com otites crónicas e mais graves associadas a infeção auricular por Pseudomonas aeruginosa.” As colegas Letícia Dias e Mariana Vasques recebem também, no Brasil, casos de otites de base alérgica, seguidas de casos de otite média (colesteatoma e quadros infeciosos) em braquicefálicos, pólipos inflamatórios [mais frequentes em gatos] e neoplasias.
Tatiana Lima recebe apenas casos referenciados e trabalha num hospital que funciona sobretudo por referenciação e os casos que mais vê são os de otite crónica, no mínimo, com várias semanas e que não respondem a tratamento e/ou recidivante / recorrente [que responde a tratamento inicial, mas recidiva, uma vez terminado o tratamento], mas também casos complicados como otite média. “A minha casuística é muito diferente e não reflete a realidade de um médico de primeira opinião”, confirma.
Para o adequado diagnóstico, existem várias técnicas e métodos, muitos deles, mais avançados. “Dispomos da TAC e da vídeo-otoscopia, técnicas que permitem ter uma visão exata do que está a acontecer em toda a estrutura do ouvido do nosso paciente”, refere Carolina Mesquita. Outras técnicas mais antigas, mas que continuam a ser muito úteis, são “a citologia e a cultura bacteriana com TSA”, com as quais é possível confirmar se existe ou não infeção, que tipo de microrganismos estão a provocar e que antibióticos podem ser usados para aumentar o êxito do tratamento proposto. “Não podemos desprezar nunca a clássica observação direta com o ‘velho’ otoscópio”, adianta.
Tecnicamente, a citologia não mudou muito nas últimas décadas, defende Tatiana Lima. Mas, relativamente ao exame otoscópico, “a grande evolução foi o facto de a vídeo-otoscopia ser agora uma prática comum nos centros de referência”. O que mudou foi a frequência com que se recorre a este meio de diagnóstico. Este exame “é essencial para o correto diagnóstico e tratamento de otites complicadas. Constitui um passo fundamental e eu diria que é praticamente impossível tratar uma otite média ou uma otite crónica sem recorrer ao vídeo-otoscópio”. Outros meios de diagnóstico auxiliares, como a TAC e a ressonância magnética são importantes “sobretudo nos casos de suspeita de otite média, que é muito mais prevalente do que se pensava há uns anos”, sublinha.
A definição de otite crónica varia segundo diversos autores e alguns deles sugerem uma maior prevalência (50-82%) em caso de otite crónica e recidivante, com estenose do canal auditivo e infeção por bactéria Gram negativas. “Em gatos, a otite externa é bastante menos frequente do que em cães e, quando é de causa bacteriana, está frequentemente associada à otite média e a pólipos inflamatórios.” O aumento da popularidade de algumas raças predispostas a otite média primária (por exemplo, braquicefálicos), tem originado o acréscimo da “prevalência de patologia do ouvido médio, mesmo na ausência de otite externa. Nestes casos, os meios de diagnósticos obrigatórios são mais a TAC, a CKC, a vídeo-otoscopia, a citologia e a microbiologia”.
A citologia é sempre “mandatória”, explicam as médicas veterinárias Letícia Dias e Mariana Vasques. “Geralmente, o profissional especializado na área já a realiza durante a consulta, podendo assim conduzir melhor o problema, juntamente com a otoscopia convencional que permite uma avaliação total ou parcial do conduto auditivo”. É a citologia que vai ajudar na escolha do tratamento, mas também pode ser útil depois de o animal ser tratado, por forma “a avaliar a resposta terapêutica”, podendo ser utilizada também para monitorização de pacientes com otite de base alérgica ou outras causas de otite recorrente. “Além disso, contamos com os exames de imagem e otoendoscopia.” Por último, mas não menos importante, é a história clínica.
Na maioria dos casos de recidiva, sobretudo as doenças de base alérgica ou subjacentes a outras causas, é necessário o acompanhamento contínuo “e nem sempre o tratamento será com o mesmo medicamento utilizado inicialmente”. Estes problemas necessitam de controlo regular. “Em cada crise ou a cada momento, o paciente precisa de ser acompanhado e tratado de maneira exclusiva”, defendem as veterinárias brasileiras.
Em suma, a citologia é indicada antes do diagnóstico e antes, durante e após o tratamento, para um melhor controlo. “É com base nas citologias que decidimos manter, alterar ou suspender um tratamento auricular”, acrescenta Diana Ferreira, que considera ainda que “uma correta otoscopia pode ajudar muito no processo de avaliação dos casos. Para tal, são essenciais um bom otoscópio e uma boa técnica de avaliação para que todas as estruturas sejam visualizadas e o conduto auditivo analisado da melhor forma”. O facto de as otites estarem “quase sempre associadas a uma infeção, ao supercrescimento bacteriano, ou de Malassezia, a citologia permite identificar estas complicações secundárias, determinar a sua importância relativa para o caso e, consequentemente, levar a uma gestão terapêutica mais direcionada”. As citologias também são uteis para avaliar a resposta ao tratamento.
“Uma otite unilateral num gato jovem deve aumentar a suspeita e precipitar uma investigação adequada” – Diana Ferreira
No caso das otites crónicas e recidivantes, especialmente quando associadas a sintomatologia neurológica, como síndrome vestibular, é muito importante a realização de técnicas de imagem, como a TAC ou a ressonância magnética que nos permitam identificar otite média e, por vezes, interna. “Com a cronicidade e a repetição das otites, a flora bacteriana do canal auditivo vai ficando cada vez mais desequilibrada”, alerta Carolina Mesquita. É cada vez maior o risco de aparecerem bactérias mais resistentes aos antibióticos. “Este é um tema que nos preocupa muito na atualidade pois é assustador e muito frequente enviar as amostras para o laboratório e receber um resultado que nos indica que não há antibiótico que seja capaz de controlar estas bactérias”, adianta. Tatiana Lima corrobora e refere que “os antibióticos são uma janela de tempo e sempre que são usados recorrentemente é seguro que a situação vai complicar-se com o surgimento de bactérias multirresistentes”. Na sua prática clínica assume que é possível tratar “infeções complicadas sem usar antibióticos, precisamente porque já alguém usou demasiadas vezes”.
A cirurgia como opção
Além dos tratamentos já referidos, a cirurgia pode ser necessária em várias situações, explica Carolina Mesquita. “Desde a remoção de pólipos, neoformação, resolução de otohematomas, abertura/ablação do canal auditivo e naqueles casos em que, devido a otites crónicas, o canal auditivo ficou estenosado e não conseguimos reverter essa estenose mediante tratamento sistémico.”
Tatiana Lima concorda com a colega e acrescenta outros casos em que a opção cirúrgica possa ser viável, como nas situações de colesteatoma avançado, neoplasia ou otite média complicada com osteólise e/ou infeção multirresistente. “A cirurgia mais frequentemente realizada é a Total Ear Canal Ablation and Bulla Osteotomy (TECA-BO). Normalmente é curativa, com alguns raros casos que podem sofrer de complicações”. Destaque ainda para os casos de tumores, pólipos, cistoadenomatose [em gatos], colesteatoma [nos braquicefálicos que parecem estar sub-representados] em que a vídeo-otoscopia não é possível ou não está indicada.
Existem outras técnicas cirúrgicas no canal auditivo e diferentes circunstâncias candidatas a técnicas distintas. “A resseção da parede lateral do canal auditivo é uma técnica que atualmente não se pratica, exceto em casos pontuais (malformação, neoplasia). Isto porque o conduto auditivo que fica, normalmente continua a apresentar inflamação e tende a desenvolver inflamação secundária e, depois da intervenção, costuma ser ainda mais difícil para o tutor aplicar tratamentos tópicos”, refere Tatiana Lima. Relativamente aos gatos, a cirurgia mais frequente é a Ventral Bulla Osteotomy (VBO) para tratar casos de otite média e/ou pólipos anti-inflamatórios “em que a vídeo-otoscopia não é possível ou já foi realizada e houve recidiva”. Em gatos com cistoadenomatose do canal auditivo, a cirurgia TECA [que consiste em remover o canal auditivo afetado], “tem sido substituída por ablação com laser via vídeo-otoscopia, mantendo o canal auditivo”.
Os casos considerados como “de fim de linha” são aqueles que Diana Ferreira refere como bons candidatos a cirurgia. Ou seja, nas otites com uma cronicidade tal que alteraram de forma irreversível “a morfologia do conduto auditivo, por exemplo, com estenose muito grave e calcificação dos tecidos periorais que impossibilitam ou respondem dificilmente a um tratamento medicamentoso”. Nas situações de otites crónicas, “pode dar-se o desenvolvimento de tecido fibropapilomatoso com a formação de massas que inviabilizam a resolução médica e que requerem uma abordagem cirúrgica”. Também nos animais com infeções muito refratárias a tratamento ou em casos de massas do ouvido médio, a cirurgia acaba por ser uma alternativa.
Otites recidivantes/recorrentes e crónicas
Como já referido, a citologia e a cultura bacteriana acompanhada de TSA são métodos adequados e a considerar na abordagem de todas as otites recorrentes ou recidivantes. “No entanto, penso que é fundamental sermos capazes de distinguir três situações de otites recorrentes que, sendo muito diferentes, podem confundir-se facilmente”, explica Carolina Mesquita. A primeira delas é uma otite que recidiva passado uma ou duas semanas após o tratamento, o que significa que o tratamento era o mais correto, estava a ser eficaz, mas “foi parado antes de tempo”. A segunda situação é aquela que pode ser provocada pelos mesmos microrganismos ou não. “Neste caso, além de tratar a otite, temos de estarmos centrados em controlar as causas base, tais como a atopia, a alergia alimentar, a seborreia, o excesso de humidade ou pelo no canal auditivo, a limpeza incorreta, entre outros aspetos.” A terceira situação é a otite que está a ser tratada há algum tempo e, ainda assim, não se observam melhorias. “Neste caso, mais do que nunca, a citologia e a cultura e TSA são imprescindíveis para revelar se o produto que está a ser utilizado não é o indicado”, acrescenta a fundadora do PeloVet.
“É de extrema importância deixá-los [aos tutores] bem informados sobre o diagnóstico, as expectativas terapêuticas, o controlo da doença e os objetivos do tratamento de acordo com a causa do problema” – Letícia Dias e Mariana Vasques
Os clínicos têm assim o desafio de identificar e proceder à correta gestão da doença subjacente. “Se esta não está corretamente controlada, é muito difícil evitar as recorrências das otites. Nos casos em que a condição primária está sob controlo, no entanto, o animal mantém alguma tendência para desenvolver otites, “os tratamentos de manutenção são cruciais”, sublinha Diana Ferreira. Ou seja, “as limpezas do ouvido e, em alguns casos, o tratamento anti-inflamatório esteroide tópico de forma continuada, alguns dias por semana, ajudam a espaçar as recaídas das otites”. A médica veterinária considera essencial que os tutores e os clínicos reconheçam a importância destes tratamentos de continuidade e o seu impacto para “manutenção do ouvido saudável”. Em cães com tendência em desenvolver otite devido a uma dermatite alérgica de base, com uma correta manutenção do ouvido, com limpezas e aplicação frequente de um tratamento corticoide, “é possível evitar e/ou reduzir a frequência das recorrências”.
Além da procura da causa do problema por parte dos profissionais, os tutores devem seguir as recomendações de tratamento, limpeza, manutenção e monitorização do paciente. “O problema é que, muitas vezes, mediante a melhoria, ocorre o abandono do tratamento. É ainda importante ressaltar que não se deve automedicar o animal, nem mesmo utilizar produtos comprados aleatoriamente em pet shops sem avaliação clínica e citológica, ainda que esses tenham indicações para diversos tipos de otite ou tenham sido utilizados por conhecidos”, defendem Letícia Dias e Mariana Vasques.
A maioria dos casos de otite recidivante acontece “em cães em que há sempre uma causa primária e um fator predisponente que não podem ser eliminados, mas que podem ser controlados”, defende Tatiana Lima. “São pacientes crónicos, que necessitam de tratamento a longo prazo para atrasar ao máximo a progressão da inflamação crónica.”
Diana Ferreira acrescenta que “o não controlo ou o pobre controlo de uma dermatite alérgica num cão que faz otites como parte do quadro clínico da sua alergia, podem resultar na progressão da otite para uma otite crónica com alterações irreversíveis”. Por isso, é muito importante que esta dermatite alérgica seja devidamente vigiada e que o ouvido esteja bem controlado, “com tratamentos de manutenção sob risco de culminar numa otite com uma gravidade tal que inviabiliza a sua gestão médica”. No caso dos gatos com pólipos, a diplomada em dermatologia veterinária, afirma que não é incomum “a ocorrência de otites crónicas por falha na identificação destes nódulos auriculares. Uma otite unilateral num gato jovem deve aumentar a suspeita e precipitar uma investigação adequada”.
Tudo depende da causa base, mas “a falta de diagnóstico correto e o tratamento inadequado podem conduzir a problemas, como estenose parcial ou total do conduto auditivo, o que pode evoluir para indicação cirúrgica”, explicam Letícia Dias e Mariana Vasques. E, também, “a evolução de casos de otite externa para otite média e interna, como desenvolvimento de sintomas neurológicos e, inclusive, em casos mais graves, com o desenvolvimento de meningite otogénica”.
É possível prevenir as otites recidivantes?
“Prevenir as otites recidivantes é a nossa missão”, explica Tatiana Lima. No entanto, Carolina Mesquita defende que “nem sempre é fácil, pois grande parte dos fatores de predisposição são inerentes à genética do próprio animal e não os podemos alterar”. Por outro lado, é possível controlar as patologias adjacentes, tais como, “a atopia e tentar mudar hábitos, por exemplo, ter uma maior precaução com animais que nadam muito ou com aqueles que viajam no carro com a cabeça de fora”.
Existem casos muito desafiantes, mas quanto mais for possível lidar com a patologia, melhor será o prognóstico. “Nunca podemos garantir que o animal não volte a ter outra otite, mas se conseguirmos diminuir a sua prevalência e frequência ao longo da vida desse animal já é um progresso.” A médica veterinária considera que é necessário “combater de forma eficaz o agente infecioso, estar atento a alterações morfológicas do canal auditivo que estejam a impedir a resolução e funcionem como fatores perpetuantes”. E, ainda, “controlar o máximo possível os fatores de predisposição”.
O uso preventivo e frequente de corticosteroides “faz com que seja possível travar a progressão da inflamação” e podem ainda ser usadas “drogas orais, como a ciclosporina”, sublinha Tatiana Lima.
Letícia Dias e Mariana Vasques consideram que o tutor acaba por estar mais atento e aprende a observar o animal que costuma ter otites. “Além disso, pode ser acompanhado pelo médico veterinário, não só quando há um qualquer sinal de crise, mas mesmo quando está bem.”
*Artigo publicado na edição 176, de novembro, da VETERINÁRIA ATUAL.