Os dois canis de Santo Tirso – Cantinho das Quatro Patas e Abrigo de Paredes – onde morreram vários cães este fim de semana num incêndio não estavam registados na Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), confirmou ontem, segunda-feira, o Ministério da Agricultura em comunicado. Não tinham ainda a licença de utilização emitida pela câmara municipal da área e já tinham sido alvo de “contraordenações e vistorias” da parte de várias entidades, acrescentou fonte do ministério.
Entrevistado por vários meios de comunicação social, Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, mencionou o problema dos acumuladores de animais em ligação ao caso, que sofrem de uma doença conhecida como síndrome de Noé.
Contactado pela VETERINÁRIA ATUAL, também Ricardo Lobo, membro da direção da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM), mencionou a síndrome, afirmando que muitos destes casos estão relacionados com esta patologia. “Quando as autoridades também baixam os braços e dizem que não conseguem fazer mais, que não têm ferramentas, não têm hipótese de fazer mais, abrimos as portas a que qualquer pessoa, inclusivamente com síndromes de acumulação e de Noé, possa arvorar ser defensora dos animais e ter, nomeadamente numa zona florestal, num eucaliptal, mais de 200 animais a seu cargo. E não são as únicas, existem mais.”
Embora não se possa ainda confirmar que as duas mulheres apontadas como proprietárias dos abrigos ilegais sofram de síndrome de Noé, o Ministério da Agricultura afirmou que vai continuar a acompanhar a situação para “análise e apuramento dos factos”.
Segundo a psicóloga clínica Patrícia Fonseca, a própria categorização da síndrome de Noé como doença é relativamente nova. “Só recentemente é que surgiu no Manual de Doenças Mentais esta nova patologia, que até agora não estava catalogada. A síndrome de Noé está enquadrada na perturbação da acumulação. São indivíduos que tendem a acumular vários tipos de coisas, nomeadamente objetos. Os acumuladores de animais, embora pertençam a este quadro psicopatológico da perturbação da acumulação, têm na maioria das vezes outras patologias associadas”, explicou.
Este é um problema que está a aumentar em Portugal. Em declarações enviadas à VETERINÁRIA ATUAL, o chefe da Divisão de Comunicação e Relações Públicas da Guarda Nacional Republicana (GNR), Eduardo Mendes, indica que são várias as denúncias deste tipo de casos. Em 2019, foram registados 46 autos de contraordenação por excesso de animais de companhia em habitações. Este ano, só entre 21 de janeiro e 29 de fevereiro, o número de casos registados pela GNR foi já de mais de duas dezenas (22).
A psicóloga sublinha que, por detrás desta compulsão, as motivações destes indivíduos são muitas vezes boas: “Aqui estamos a falar de indivíduos que têm uma grande quantidade de animais em espaços inadequados ou em condições inseguras e que não conseguem assegurar nem os próprios cuidados pessoais nem os dos animais, não conseguindo, mesmo assim, deixar de acumular. São movidos por sentimentos de compaixão para com os animais em situações de abandono ou maus-tratos, daí a dificuldade de sinalização. No caso dos gatos ainda é pior, porque são animais silenciosos e os vizinhos não dão conta”, explica.