A eletroquimioterapia (EQT) parece ser uma excelente opção no tratamento de diversos processos oncológicos e por ser uma técnica inovadora e recente em Portugal pareceu-nos oportuno expor alguns dos casos de sucesso, dos vários que já temos realizado, no AniCura Restelo Hospital Veterinário, pela nossa equipa de oncologia. A EQT deve ser uma opção a considerar em várias situações do tratamento de neoplasias sendo uma delas como adjuvante (intra ou pós) cirúrgico para obtenção de margens de segurança.
A EQT é um tratamento local de vários processos neoplásicos, que altera a permeabilidade das membranas celulares e desta maneira facilita a absorção de fármacos citotóxicos, que de outra forma seriam incapazes de se alojarem na célula. A bleomicina e a cisplatina são os dois principais quimioterapicos utilizados e eficazes nesta modalidade de tratamento. A EQT demonstrou ter maior eficácia no tratamento de tumores superficiais ou áreas onde a excisão cirúrgica foi incompleta ou impossível de ser realizada. Os efeitos colaterais são tipicamente limitados à inflamação e necrose tecidual local. A realização do procedimento requer pessoal com formação na área, anestesia geral, bem como protocolos de segurança adequados para protecção do paciente e de todos os funcionários envolvidos, de maneira a reduzir o risco de exposição. A EQT deve estar na nossa lista de opções de tratamento em vários tipos de tumores.
Passemos à exposição de alguns casos clínicos:
O primeiro caso, um spitz alemão com 6 anos de idade, apresentava uma massa de 3 cm de largura na região lateral esquerda do pénis com linfonodo regional aumentado, sem alterações na ecografía abdominal. A PAAF (Punção Aspirativa de Agulha Fina) da massa e do linfonodo regional revelou-se compatível com mastocitoma e metástase linfática precoce. Iniciou quimioterapia neoadjuvante com vinblastina e prednisolona, para efeito de redução da massa, previamente à excisão cirúrgica da mesma e, dessa forma, evitar a extirpação peniana. Em 2 meses de tratamento a lesão reduziu para 1 cm de largura e procedeu-se ao tratamento simultâneo de cirurgia (extirpação da massa e do linfonodo regional) com aplicação de EQT com bleomicina IV intracirúrgica. Na sequência da intervenção surgiu uma lesão de 3 cm de necrose tecidual, provavelmente devido à presença de células neoplásicas nos tecidos adjacentes à massa. Um mês após a cirurgia apresentava tecido de granulação saudável, sem sinais de dor ou presença macroscópica de neoplasia. Não houve sinais de recidiva nos primeiros três meses após cirurgia e EQT. Quatro meses após o procedimento mantinha a ausência de recidiva local embora 2 lesões esplénicas (não puncionáveis) foram identificadas e cuja monitorização foi recomendada.
O segundo caso, um pastor alemão de 10 anos, com queixa de claudicação e massa de 8x7cm no glúteo direito, com cerca de 6 meses. Realizou biópsia incisional, PAAF dos linfonodos regionais e TAC que levaram ao diagnóstico de tumor perivascular com grau II de malignidade e linfadenite reactiva inespecífica. Procedeu-se à extirpação da massa, mas a histopatologia revelou ausência de margens de segurança ideais, pelo que, foi recomendada a realização de EQT com bleomicina IV 4 semanas após cirurgia. Na reavaliação dos 2 e 3 meses pós-cirúrgicos não havia sinais de recidiva no local da sutura nem alterações na ecografia abdominal. Sete meses após a cirurgia foi submetido a esplenectomia de urgência por hemoabdómen agudo devido a ruptura de massa esplénica. A histopatologia foi compatível com hemangiossarcoma e um mês depois acabou por ser eutanasiado por derrame pericárdico. Apesar do triste desfecho não havia sinais de recidiva no local onde se realizou EQT.
O terceiro caso, um Golden Retriever com 7 anos de idade, foi referenciado para tratamento de ameloblastoma acantomatoso, previamente extirpado por cirúrgia e cuja recidiva ocorreu 1 mês depois do procedimento. A lesão localizava-se no 4º pré-molar superior direito com cerca de 12x8mm e no restante exame físico não foram detetadas alterações relevantes nem evidências de linfadenopatia regional. Realizou-se EQT com administração de bleomicina intralesional e nas reavaliações aos 15, 45 e 90 dias após o procedimento não foram observados sinais de recidiva da lesão.
O quarto e último caso é de um cão de 9 anos de raça labrador retriever que se apresentou por espirros e epistasix devido à presença de massa no interior da narina esquerda. Realizou biópsia com excisão parcial da massa e o exame histopatológico foi compatível com carcinoma das células escamosas. Recomendou-se a realização de TAC para completo estadiamento e excisão com laser díodo pois os tutores declinaram a opção de nosectomia. Um mês após a intervenção apresentava fistula entre as duas narinas com lesão nodular ulcerada sugestiva de recidiva. Realizou sessão de EQT com bleomicina IV e nos sucessivos acompanhamentos (15 , 45 e 90 dias e depois trimestral) não se observaram sinais de recidiva local. Realizou TAC de controlo aos 3 meses e aos 18 meses após EQT sem indícios de neoplasia nasal.
A EQT parece ter excelentes resultados como primeira abordagem em alguns tipos de neoplasias, mas também como adjuvante no controlo de margens cirúrgicas de tumores removidos sem margens de segurança. Nesta modalidade pode ser aplicada aquando do procedimento cirúrgico assim como após a sua realização na região da sutura e tecidos adjacentes. Deve por isso fazer parte do nosso plano de intervenção quando oferecemos as várias possibilidades de terapêuticas aos tutores.
Bibliografia:
- Electrochemotherapy, 2020 VCS Virtual Conference, Brooke Quesnell, BS, CVT, VTS (Oncology)
- Operating Procedures of the Electrochemotherapy for Treatment of Tumor in Dogs and Cats. Natasa Tozon, Ursa Lampreht Tratar, Katarina Znidar, Gregor Sersa, Justin Teissié, Maja Cemazar
*médica veterinária