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Imagiologia em Oncologia: Raios-X, Ecografia e Tomografia Axial Computorizada

ecografia cão Veterinária Atual
Joaquim Henriques, médico veterinário no Centre Hospitalier Vétérinaire Frégis, em Paris, França. Rubrica Veterinários Portugueses pelo Mundo. Portugal

Joaquim Henriques

Atualmente, a utilização dos diferentes métodos imagiológicos na oncologia contempla áreas como o diagnóstico, o estadiamento tumoral, o planeamento cirúrgico ou terapêutico, a utilização terapêutica, a avaliação da resposta à terapêutica, o acompanhamento clínico e a informação prognóstica.

Seria complexo e longo discriminar aqui a lista e todo o potencial dos meios imagiológicos na oncologia. A radiologia convencional, a ecografia e a tomografia axial computorizada (TAC) continuam a ser os mais utilizados, com cada vez mais aplicações nos doentes oncológicos. Outros meios de imagem, com interfaces digitais e tecnologias mais avançadas, como a Tomografia de Coerência Optica ou a Tomografia por Emissão de Positrões (PET-CT do inglês) ou a NIF (Near Infrared Fluorescence) começam já a aparecer nas mais recentes publicações, mas estão, ainda, reservados à investigação.

 

A imagem há muito que deixou de ser usada unicamente com fins diagnósticos. Técnicas terapêuticas, emergentes na oncologia veterinária, como a termoablação percutânea, a quimio-embolização ou atos clínicos meramente paliativos, como a colocação de stents para aliviar a compressão tumoral em órgãos ou estruturas vitais, são realizados com o apoio da ecografia, fluoroscopia ou tomografia.

O acesso, disponibilização e utilização das tecnologias de imagem médica estão condicionados por vários fatores, entre eles os económicos, a casuística do Centro de Atendimento Médico Veterinário (CAMV), a presença de pessoal especializado e a indicação clínica.

 

Abordarei unicamente a radiologia, a ecografia e a TAC uma vez que são os que estão mais difundidos e com maior utilização em Portugal.

Radiologia convencional

 

A radiologia convencional é, sem dúvida, o meio de diagnóstico por imagem com maior presença nos CAMV.

O advento da radiologia digital veio contribuir para aumentar a qualidade da imagem radiográfica, com a possibilidade de a trabalhar digitalmente. A radiologia digital, quando comparada com a convencional, deteta lesões radiopacas mais pequenas, permite trabalhar a qualidade da imagem, realizar medições, ampliar, entre outros. O nível de exposições necessárias tornou-se inferior e a existência de um arquivo digital, permite comparar imagens obtidas em diferentes espaços temporais do acompanhamento clínico do animal.

 

Assim, uma radiografia é, regra geral, o primeiro exame de imagem realizado quando há suspeita de processo oncológico. A informação que se obtém é quase exclusivamente anatómica. Da imagem radiográfica podem, ainda, obter-se informações que permitem avaliar a agressividade da lesão (número de lesões, continuidade com órgãos adjacentes, lise óssea, etc.). Do ponto de vista prático, para quem não tem tomografia, ou numa situação em que não está indicado um planeamento cirúrgico complexo, a radiografia pode ser suficiente para ajudar a realizar o estadiamento torácico de um animal oncológico.

A radiografia torácica permite identificar a presença de lesões parenquimatosas no pulmão, adenomégalia esternal ou mediastínica, derrames cavitários, assim como alterações anatómicas ou funcionais provocadas pelo tumor (colapso da traqueia/brônquicos ou tamponamento cardíaco).

Para otimizar e tirar o máximo de informações na radiologia torácica é importante que o animal esteja corretamente posicionado e imobilizado (sedação por vezes necessária), que se observe e procure alterações em todas as estruturas incluídas na película (vértebras, costelas, integridade do diafragma, parte de abdómen cranial incluído, etc.).

A radiologia permite, ainda, realizar o mapeamento do gânglio sentinela como parte do planeamento cirúrgico. A linfografia pré-operatória, no caso dos tumores em que a excisão do gânglio sentinela está indicada (por exemplo mastocitomas), consiste na injeção peri-tumoral de líquido de contraste radiológico e a realização de radiografias sequenciadas permitindo a identificação dos gânglios que drenam o tumor para sua posterior exérese. A sensibilidade da radiografia para a linfografia é inferior à obtida com a tomografia, mas no caso desta última não estar disponível, se bem executada, pode ser uma alternativa viável que contribui em muito para um tratamento mais eficaz.

Ecografia

O exame ecográfico simples, contrastado ou doppler permite-nos obter, maioritariamente, informações anatómicas sobre os tecidos moles, tal como a radiologia. Em casos particulares, podemos ainda obter informações funcionais, como o tipo de conteúdo (quistíco ou sólido) a avaliação do peristaltismo gastrointestinal, a presença de turbulência e direção da circulação sanguínea, entre outras. É assim, um excelente método complementar à radiologia convencional em oncologia.

A dificuldade das ondas sonoras se propagarem através do osso e do ar, limita a utilização da ecografia em determinadas regiões anatómicas, nomeadamente tórax e esqueleto.

A ecografia abdominal, associada à radiologia torácica, permite realizar um estadiamento inicial básico na maioria dos processos tumorais em animais de companhia. Além disso, no caso de se observarem lesões intra ou peri-orgânicas suspeitas, poder-se-ão realizar outros exames complementares como a citologia ou biopsia ecoguiadas, completando o estadiamento e validação diagnóstica. Estas são técnicas simples, pouco dispendiosas e que permitem na maior parte dos casos, obter de forma não invasiva, obter um diagnostico cito/histológico.

A ecografia permite, ainda, realizar punções ecoguiadas de órgãos superficiais como a tiroide, nódulos subcutâneos ou intramusculares, gânglios linfáticos ou orientar a drenagem de derrames cavitários. As lesões em órgãos mais profundos também podem ser puncionadas, nomeadamente das glândulas suprarrenais. Nem todos os imagiologistas arriscam a puncionar as glândulas suprarrenais, mas um estudo recente mostrou que o procedimento está associado a riscos mínimos.

A ecografia, tal como a radiologia não permite a distinção entre lesões malignas e benignas, nomeadamente no caso de lesões cavitária esplénicas.

Um dos órgãos onde se pratica frequentemente a citologia ou biopsia percutânea ecoguiada é o fígado. Estas duas técnicas são relativamente seguras de realizar por profissionais experientes quando o animal não apresenta alterações analíticas relevantes no perfil de coagulação. No caso das biopsias hepáticas, existe um risco moderado (~45%) associado de hemorragia e estando descritas complicações em menos de 2% dos casos. Estas complicações passam, frequentemente, despercebidas e sem impacto clínico no animal.

Um facto importante a ter em consideração nas citologias ou biopsias ecoguiadas é a possibilidade de implementação (seeding) de tumor ao longo do trajecto de punção. Embora existam tumores, como o carcinoma prostático ou carcinoma urotelial da bexiga com maior risco de seeding, TODOS os tumores têm este potencial. No caso particular dos tumores intravesicais, a citologia traumática por algaliação ou a biopsia por uretrocistoscopia são as técnicas de citologia ou biópsia indicadas.

Algumas lesões parenquimatosas à ecografia convencional podem ter limites mal definidos ou a sua distinção do parênquima adjacente na ecografia convencional ser difícil. Nestes casos, pode recorre-se à ecografia contrastada (EC). Esta, é uma modalidade ecográfica que utiliza a administração intravenosa de soluções contendo microbolhas de ar como meio de contraste. Esta técnica permite obter uma melhoria da imagem ecográfica e, desta forma, permitir a avaliação da forma, textura, tamanho e vascularização das lesões relativamente aos tecidos vizinhos. A EC, é ainda pouco utilizada na prática clínica.

A ecografia tem, ainda, uma forte aplicação na realização de técnicas terapêuticas de mínima invasão, pois permite: 1) identificar pontos de referência anatómicos para acesso vascular/linfático profundo na quimio-embolização tumoral, 2) identificar estruturas nervosas para bloqueio anestésico pré-cirúrgico ou 3) realizar e acompanhar o resultado da termoablação tumoral por radiofrequência ou micro-ondas de tumores subcutâneos ( tiroide, paratiróide, metástases, etc.) ou intra-abdominais ( hepáticos, renais, etc).

Tomografia Axial Computorizada

Nos últimos anos, a tomografia axial tornou-se amplamente disponível em Portugal. Do ponto de vista oncológico, o exame tomográfico é o principal método para estadiamento dos doentes e planificação cirúrgica. Outras indicações frequentes da TAC são a utilização no planeamento da radioterapia, realização de biópsias TAC guiadas (nomeadamente ósseas) ou no planeamento de termoablação de tumores ósseos.

Em particular, o exame tomográfico permite, comparativamente à radiologia convencional, obter uma excelente precisão anatómica, proporcionada pela possibilidade de trabalhar as imagens numa perspetiva multiplanar. Adicionalmente, o uso de software de tratamento digital de imagem permite identificar e isolar estruturas especificas do tumor, como a sua vascularização, determinar o seu volume, segmentar estruturas ou áreas anatómicas especificas, entre outros.

A TAC oferece, também, uma maior e melhor identificação e definição das lesões torácicas ao nível pulmonar, cardíaco, linfático, mediastinal e pleural. Tem, ainda, uma maior sensibilidade que a radiologia para a deteção de metástases pulmonares e lesões ósseas que sejam osteolíticas ou osteoproliferativas. Assim, a TAC é o exame indicado para avaliar tumores localizados no esqueleto, nomeadamente na região craniana. Relativamente à identificação de tumores intracranianos, a Ressonância Magnética é mais sensível e permite uma maior definição de imagem que a TAC.

Relativamente à ecografia, a tomografia permite uma melhor avaliação da extensão das lesões de tecidos moles, assim como uma melhor avaliação anatómica.

Atrevo-me a dizer que nenhum animal que sofra de um tumor maligno infiltrativo, como por exemplo, um sarcoma de tecidos moles ou outra neoplasia maligna localizada numa região anatómica com pouca profundidade de tecidos moles (por exemplo crânio ou membros), deverá ser operado sem realizar previamente um exame tomográfico contrastado. Só assim se consegue avaliar corretamente a extensão tumoral e delinear as margens cirúrgicas a aplicar.

Nas neoplasias de localização hepática, devido às particularidades de vascularização nos tumores malignos que se faz a partir da artéria hepática realização de uma TAC de aquisição trifásica permite ajudar na diferenciação entre carcinoma hepatocelular, doença metastática ou nódulos regenerativos e ainda estudar a vascularização tumoral (Figura 1).

                                              A                                                                                                                  B

                                                         C                                                                                                                                 D

                                                 E                                                                                                                     F

Figura 1: Tomo-angiografia de tripla fase na avaliação pré-operatória de um cão com carcinoma hepatocelular. As setas verdes identificam uma metástase só visível na fase arterial. Imagens: A e C: fase arterial, B, D, F: fase tardia e E: fase portal. (Original @CHV_Frégis)

Embora as características imagiológicas das lesões estudadas possam ter valor preditivo na diferenciação de lesões malignas ou benignas, ou mesmo, da sua origem histológica, o diagnóstico definitivo deve ser sempre obtido por confirmação cito ou histológica, tendo por base a história clínica e outros exames de diagnóstico acessórios.

O avanço económico e tecnológico permite ter acesso a tecnologias de imagem com elevado potencial de aplicação na oncologia veterinária. A escolha correta e utilização adequadas permitem tirar o máximo do seu potencial e, consequentemente, proporcionar melhores cuidados médicos aos animais com cancro que tratamos.

Nota do autor: As referências bibliográficas podem ser requisitadas através do email de contacto.

 

*Médico veterinário, oncovet@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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