A especialização em medicina veterinária ainda está a dar os primeiros passos e o número de profissionais que se dedicam a áreas mais específicas de cuidados nem sempre chega para todas as solicitações. A área da anestesia é disso um exemplo, mas a DS VetAnesthesia pretende modificar esse cenário com telemedicina praticada por médicos veterinários dedicados a esta área do saber.
Depois de alguns anos a ouvir os colegas a relatarem casos e a perguntarem-lhe “o que tu fazias?” quando se tratava de anestesiar um animal, Diogo dos Santos decidiu criar uma resposta para toda a classe veterinária, a plataforma DS VetAnesthesia.
Em conversa com a VETERINÁRIA ATUAL, o médico veterinário, que este ano concluiu o Doutoramento na área de anestesia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, apresenta a nova solução que pretende resolver um dos problemas na medicina veterinária: a carência de profissionais especializados em determinadas áreas do saber médico, nomeadamente nesta especialidade.
O site da DS VetAnesthesia funciona como uma plataforma de telemedicina onde as clínicas que necessitam de recorrer a um profissional com experiência e formação em anestesia se podem registar para requisitar o serviço tele-anestesia.
“A ideia surgiu na tentativa de resolver um problema que encontrávamos na veterinária: a ausência de médicos veterinários na anestesia.” – Diogo dos Santos, mentor do DS VetAnesthesia
Após o registo na plataforma, é enviada gratuitamente uma câmara para o consultório, clínica ou hospital que requereu o serviço, seguindo o aparelho com um guia de instalação e instruções de utilização. Em caso de necessidade, a equipa da DS VetAnesthesia ajudará na instalação do equipamento.
Quando precisa dos serviços do médico veterinário para a anestesia de um animal, “a clínica acede a uma agenda na qual vê a disponibilidade dos anestesistas, com reconhecida experiência nesta área, inscritos na plataforma e faz a marcação”, explica o mentor do projeto. Aparecerá, então, uma janela com um formulário em que o cliente descreve o caso: o procedimento para o qual vai necessitar de anestesia, traça o perfil do animal em causa, nomeadamente, a idade e histórico clínico. Depois “através da plataforma, é enviado o plano anestésico, com os fármacos a serem administrados, as doses, as vias de administração, assim como algumas observações ou dicas que achamos necessárias. Esse plano é enviado até 12 horas, pelo menos, antes do procedimento agendado”, esclarece ainda Diogo dos Santos. No dia e hora do procedimento, o médico da DS VetAnesthesia estará online a monitorizar todo o procedimento através da câmara, que permite uma comunicação bidirecional entre o profissional da DS VetAnesthesia e a equipa que está a realizar o procedimento, pela qual também será possível seguir o monitor que está ligado ao animal e avaliar a reação do mesmo à anestesia.
Neste momento, a equipa de anestesistas que forma o projeto é composta por quatro médicos veterinários – Diogo dos Santos e mais três profissionais – que, embora não tendo especialização por colégios europeus, têm várias pós-graduações na área da anestesia e muitos anos de prática clínica dedicada a esta especialidade médica.
Na conversa com a VETERINÁRIA ATUAL, Diogo dos Santos fez questão de assegurar que o projeto passou no crivo da Ordem dos Médicos Veterinários, estando enquadrado na prestação de serviços de aconselhamento e consultoria na telemedicina.
E em matéria de operacionalização da plataforma, o médico veterinário sublinha ainda que a proteção de dados dos clientes é assegurada por uma empresa americana muito experiente no setor, com trabalho reconhecido na segurança de aeroportos e comboios. Além disso, a plataforma e a câmara funcionam numa ligação de rede própria que reduz a probabilidade de quebra de sinal durante o procedimento, garantindo assim a continuidade de comunicação.
Preencher uma lacuna há muito identificada
Este serviço de tele-anestesia começou a ser pensado por Diogo dos Santos no final de 2023 e passou a estar disponível na plataforma online em finais de março de 2024.
Segundo conta o mentor do projeto, “a ideia surgiu na tentativa de resolver um problema que encontrávamos na veterinária: a ausência de médicos veterinários na anestesia”. Por norma, os procedimentos que requerem anestesiar o animal são realizados sem qualquer profissional com formação específica nessa área e, não raras vezes, quem está a realizar o procedimento tem de estar, simultaneamente, concentrado tanto na realização do ato em si, como a monitorizar a reação do animal à anestesia. E sendo a anestesia um ato médico “de elevado risco, com mortalidade e complicações associadas” vem crescendo a necessidade de consultórios, clínicas e hospitais recorrerem a profissionais com conhecimento e experiência nesta área do saber de modo a diminuir possíveis complicações do ato anestésico.
“Só que há uma lacuna no mercado no que diz respeito a profissionais qualificados [nesta área] e ouvi ao longo dos anos muitos colegas a dizer que nem sabiam onde os ir buscar”, relata Diogo dos Santos, que esteve muitos anos ligado à VETOeiras antes de se dedicar a este projeto e a outros que está a delinear a pensar em necessidades específicas sentidas no setor da medicina veterinária.
A anestesia no formato de telemedicina, ideia base da DS VetAnesthesia, “permite que o médico anestesista possa prestar os seus serviços em sítios mais remotos, como no interior do País, ou em clínicas que, pela casuística, não possam ter um anestesista em full-time. Desta forma, é possível terem um anestesista associado à carteira de serviços que prestam”, mesmo não estando este in-loco nas instalações do centro de atendimento médico veterinário (CAMV).
Em suma, o objetivo final do lançamento desta plataforma, frisa Diogo dos Santos, “é para que mais animais possam ser melhor anestesiados e possam ter acesso a um anestesista em clínicas que não podem ter um profissional com esta diferenciação a full-time”.
Nestes primeiros nove meses de atividade, os principais clientes da DS VetAnesthesia têm sido as clínicas de média dimensão, mas, assegura o responsável, “está a ser preparada uma estratégia de marketing para tentar chegar a mais clientes” e, simultaneamente, a diversificar o leque de CAMV a recorrer a este serviço de tele-anestesia.
No que diz respeito à casuística, “temos tido muita variedade. Já tivemos [pedidos de tele-anestesia para] procedimentos orais, como extrações dentárias, já tivemos várias esterilizações, procedimentos abdominais no geral e procedimentos de oftalmologia”, relata.
“Uma das coisas que me deixa com muita vontade de continuar é ver que os clientes que experimentam [a tele-anestesia] acabam por recorrer mais ao serviço e isso significa que estão satisfeitos”, assegura, relatando que são vários os casos que têm recorrido com assiduidade semanal ao serviço da DS VetAnesthesia.
Além disso, acrescenta, este é um serviço cujo custo pode ser alocado ao cliente final, tutor do animal, “basta que o colega explique ao tutor que o animal, ou o procedimento, tem um risco anestésico acrescido e que será melhor [para o resultado] recorrer a um colega mais experiente nesta área”. A questão será sempre, na opinião de Diogo dos Santos, “valorizar os serviços que prestamos e não reduzir as margens de lucro” dos CAMV.
O risco de complicações e mortalidade associado à anestesia foi outro dos motivos que também alavancou o nascimento deste projeto. Afinal, o que muitos profissionais procuram em termos anestésicos é um protocolo para a administração de fármacos no momento do procedimento. Só que, nota o médico veterinário que há largos anos se dedica a estas matérias, “a resposta individual ao mesmo fármaco, à mesma dose, ao mesmo procedimento de um cão y e de um cão x da mesma raça para o mesmo procedimento, com a mesma idade, com as mesmas análises, com as mesmas condições, tudo exatamente igual, vai ser diferente porque o risco é individual. E é preciso haver conhecimento do outro lado para perceber e adaptar a atuação perante a resposta individual do animal”. E acrescenta: “Daí este conceito inovador da tele-anestesia, com a monitorização em real time. Desta forma, conseguimos, além de aconselhar a parte farmacológica, acompanhar a resposta individual do animal e agir segundo a mesma. É aqui que reside o grande segredo da segurança”.
E conclui: “A ideia deste projeto é dar segurança aos colegas para que se possam dedicar e concentrar na cirurgia e delegar no serviço [da DS VetAnesthesia] a anestesia porque nós vamos estar a monitorizar o animal e indicar o que é mais aconselhado a cada momento”.