Domenico Otranto é diplomado em parasitologia veterinária e presidente da Associação Mundial para o Avanço da Parasitologia Veterinária (WAAVP). Em entrevista à VETERINÁRIA ATUAL, explica de que forma as alterações climáticas, a mobilidade e as mudanças no estilo de vida dos animais estão a mudar a epidemiologia das parasitoses, nomeadamente da dirofilariose, que é particularmente suscetível ao aumento da temperatura do planeta.
Há regiões do planeta mais propensas a parasitas?
As infeções parasitárias são ubíquas em animais de companhia, selvagens, de produção, assim como nas populações humanas em todo o mundo. Os parasitas vivem em associação com os seus hospedeiros e perpetuam-se nas regiões do Ártico e nas regiões tropicais, muito mais no caso da última porque as condições ambientais são mais adequadas.
Contudo, a sua “carga” na população humana e animal pode ser extremamente diferente. Claramente, o impacto de algumas doenças parasitárias é desproporcionalmente mais elevada nos países em desenvolvimento, onde as condições de vida das populações frequentemente favorecem a exposição a determinados parasitas cuja transmissão pode estar associada a más condições de habitabilidade ou más condições sanitárias, desigualdades no acesso à educação, assim como aos cuidados de saúde primários.
Além disso, podemos ter diferentes perspetivas para o mesmo parasita, como por exemplo no caso do Strongyloides stercoralis, um nemátodo larvar com potencial zoonótico. Enquanto na Europa este parasita é percecionado como um parasita intestinal de cães de companhia que merece pouca preocupação, nos países em desenvolvimento representa um desafio de saúde pública significativo e causa entre 30 a 100 milhões de casos humanos.
Quais os parasitas, atualmente, mais preocupantes?
Algumas das doenças infeciosas mais importantes estão associadas a parasitas transmitidos de animais de companhia para humanos. Por esse motivo, as zoonoses parasitárias como a toxoplasmose, a leishmaniose, a giardiose, a equinococose, a dirofilariose e toxocariose ainda podem ser consideradas preocupantes, tanto da perspetiva do animal como da perspetiva do hospedeiro humano.
Por exemplo, a leishmaniose visceral provocada por Leishmania infantum, o conhecido protozoário transmitido por flebotomíneos, está entre as doenças parasitárias mais importantes dos cães, ocorrendo em todos os continentes (exceto a Oceânia) e causando cerca de 300 mil novos casos e cerca de 20 mil mortes em humanos todos os anos. Os cães são os principais hospedeiros peridomésicos de L. infantum, com geralmente mais de 30% de animais soropositivos em áreas endémicas. Apesar dos esforços feitos ao longo dos anos pela comunidade científica para desenvolver programas de controlo estratégico para este parasita, a leishmaniose ainda representa uma ameaça potencial para cães que vivem em todo o mundo.
Entre os parasitas externos, as carraças representam uma preocupação constante para os animais de companhia. Esses artrópodes hematófagos podem atuar diretamente (perda de sangue, complicação de feridas, ação tóxica/alérgica) e indiretamente (agentes patogénicos transmitidos por carraças, infeções secundárias, paralisia de carraças) na saúde do hospedeiro. Além disso, as carraças são consideradas o segundo mais importante vetor de doenças humanas, logo a seguir aos mosquitos, em todo o mundo, e os vetores mais importantes de doenças em animais de companhia e selvagens. Isso é bastante visível no tamanho do mercado global de parasiticidas para animais de companhia, que vale cerca de 3,4 mil milhões de euros, 52% dos quais pertence a ectoparasiticidas. Logo de seguida, surgem os endectoparasiticidas (26%) e os endoparasiticidas (22%).
Além das parasitoses mais antigas, como a leishmaniose, é muito importante que os médicos veterinários olhem com atenção para os novos parasitas que foram recentemente reconhecidos como uma ameaça à saúde humana e animal. É o caso do Onchocerca lupi, um nemátodo com potencial zoonótico que se localiza dentro de nódulos embutidos nos tecidos oculares dos cães, que agem como um reservatório de hospedeiros. Nos cães, as infeções podem não ter sinais clínicos associados, mas também podem causar doença ocular severa, incluindo cegueira.
“As zoonoses parasitárias como a toxoplasmose, a leishmaniose, a giardiose, a equinococose, a dirofilariose e toxocariose ainda podem ser consideradas preocupantes tanto da perspetiva do animal como da perspetiva do hospedeiro humano”
Recentemente foi reportado um aumento da infeção por Onchocerca lupi em cães e gatos em países europeus, incluindo Portugal, assim como nos continentes americano, africano e no Médio Oriente. Em 2011, reportei o primeiro caso humano de infeção por Onchocerca lupi. Desde então, devido ao seu potencial zoonótico, o O. lupi ganhou mais atenção pelas graves consequências das infeções em humanos, particularmente nos pacientes americanos que manifestaram doenças invasivas (por exemplo, nódulos espinhais, orbitais e subdérmicos). O tropismo pouco específico deste nemátodo para o sistema nervoso central e a ausência de tratamentos farmacológicos resolutivos implicam a hospitalização e cirurgias invasivas para a remoção dos nódulos de parasitas em humanos.
O diagnóstico difícil e a falta de informação sobre as espécies artrópodes que atuam como vetores atrasam o estabelecimento de estratégias de vigilância e controlo de O. lupi. A prevenção de infeções parasitárias zoonóticas requer uma abordagem multidisciplinar integrada, numa lógica ‘One Health’, envolvendo a colaboração entre cientistas veterinários e médicos, assim como de legisladores e autoridades de saúde pública.
É importante lembrar que as consequências que alguns parasitas podem causar ao corpo do animal podem persistir por toda a vida. Alguns parasitas podem inclusive afetar as sociedades, impossibilitando a capacidade das pessoas de aprender adequadamente, crescer adequadamente e viver uma vida próspera. Penso que a pobreza humana causada pela infeção parasitária em ambientes socioeconómicos baixos é uma das piores consequências das infeções parasitárias e é improvável que seja definitivamente curada.
Em 2019, o Conselho de Parasitas de Animais de Companhia dos EUA (U.S. Companion Animal Parasite Council) afirmou que a prevalência de doenças parasitárias, como a doença de Lyme, deverá aumentar devido ao aumento da temperatura global do planeta. Concorda com isto?
Sem dúvida. A conexão existente entre nosso ambiente e os parasitas é indiscutível. As mudanças climáticas, particularmente o aquecimento global, são fatores fundamentais para o aumento da incidência e prevalência de doenças parasitárias em todo o mundo. De facto, o aumento da temperatura afeta diretamente o ciclo de vida de muitos parasitas, caracterizado por uma linha de base de desenvolvimento dependente da temperatura, tanto no hospedeiro quanto no ambiente. Por exemplo, o desenvolvimento das larvas infeciosas de D. immitis no terceiro estágio em vetores de mosquitos (isto é, incubação extrínseca) está estritamente correlacionado à temperatura do microambiente, uma vez que o verme exige um total acumulado de 130 graus-dia acima dos 14° C. Consequentemente, os climas mais quentes podem reduzir os períodos de incubação extrínseca e favorecer a criação de mosquitos, aumentando assim o risco de transmissão de D. immitis. No entanto, a mudança não está meramente relacionada com as tão discutidas alterações climáticas. Nas últimas décadas, as doenças parasitárias transmitidas por artrópodes, também conhecidas como doenças transmitidas por vetores caninos (CVBD), têm-se expandindo em todo o mundo devido a vários outros fatores além do aquecimento global. A viagem de animais de companhia, a realocação de abrigos e animais errantes de regiões endémicas para regiões não endémicas, a modificação da ecologia de vetores de artrópodes e as modificações ambientais (por exemplo, urbanização, práticas de uso da terra) tiveram a capacidade de influenciar a distribuição das doenças parasitárias. Em alguns casos, isso resultou na disseminação de novos parasitas e agentes patogénicos, assim como das infeções relacionadas, para áreas geográficas anteriormente não endémicas, o que representa uma grande preocupação para os médicos veterinários e, no caso de zoonoses, para as autoridades de saúde pública.
A dirofilariose é uma das doenças parasitárias para a qual vários estudos apontam para um aumento na prevalência. Que fatores podem influenciar esse aumento? O comportamento humano no maneio do animal pode influenciar a distribuição geográfica da dirofilariose e sua prevalência?
A distribuição de Dirofilaria immitis está intimamente relacionada com a biologia e ecologia dos mosquitos vetores, que são particularmente suscetíveis às mudanças climáticas e ao aumento da temperatura global. Não é de surpreender que a propagação da infeção tenha sido associada aos efeitos das mudanças climáticas, como o aumento da abundância de populações de mosquitos, o desenvolvimento extrínseco reduzido dos estágios infeciosos e o prolongamento da estação de transmissão dos mosquitos.
Outros fatores que influenciam a distribuição da infeção por dirofilariose incluem a introdução num ambiente adequado de novas espécies invasoras de mosquitos, como Aedes albopictus, a presença constante de cães errantes altamente infetados e não tratados e, de facto, sobretudo o comportamento humano.
Neste contexto, a subestimação do risco devido à falta de conhecimento dos médicos veterinários e tutores, os diagnósticos incorretos e a ausência de tratamento por quimioprofilaxia representam os principais fatores para a prevalência de D. immitis. Por exemplo, nos casos em que os tratamentos de quimioprofilaxia são realizados rotineiramente, é registada uma prevalência decrescente de infeção. De facto, a alta prevalência de infeção em áreas hiperendémicas, como o Norte de Itália (até 80%), diminuiu após o uso regular de tratamentos preventivos, conforme descrito em vários estudos de campo. Por outro lado, a ausência de tratamento preventivo representa um fator importante para a disseminação da infeção em populações de animais confinados, como abrigos.
Quais as regiões do mundo em que a dirofilariose é mais prevalente?
A Dirofilaria immitis é endémica em toda a Europa e regiões do Sudeste Asiático. Existem poucos dados disponíveis sobre África, onde a infeção por dirofilariose já foi relatada na Tunísia, Argélia, Tanzânia e Moçambique. Curiosamente, a distribuição da doença sofreu uma reversão de tendência. Até ao momento, o aumento da consciencialização dos médicos, o uso regular de tratamentos preventivos, as ferramentas de diagnóstico aprimoradas e as diferentes opções de tratamento contribuíram muito para reduzir a prevalência de D. immitis em áreas previamente endémicas ou hiperendémicas da Europa Ocidental. Por outro lado, a prevalência de infeção por dirofilariose está a aumentar significativamente nos países do Leste da Europa e nas áreas asiáticas da Rússia. Na Roménia temos prevalências de até 42% em cães errantes na parte sudeste do país. Na Eslováquia, a prevalência de D. immitis aumentou até 64% em algumas áreas do sudoeste do país e em algumas regiões da Bulgária o valor da prevalência passou de 15% para 34%. Estudos relativamente a países da bacia do Mediterrâneo, um dos principais pontos críticos da mudança climática, mostraram a existência de ‘novos’ potenciais cenários epidemiológicos. Contextos geográficos específicos, como a Itália, podem representar um exemplo paradigmático da mudança na distribuição da infeção por D. immitis.
Em Itália, a D. immitis é considerado endémica há muito tempo nas regiões do Norte do Vale Po, com uma prevalência até aos 80% nos cães. Recentemente, um estudo publicado na revista Parasites e Vectors, por Mendoza-Roldan, da Universidade de Bari, demonstrou pela análise dos resultados de ensaios sorológicos realizados em Itália durante um período de dez anos (2009-2019) a disseminação de dirofilariose em áreas anteriormente não endémicas do país. A prevalência cumulativa de infeção por D. immitis aumentou muito nas regiões Central (7,8%) e Sul de Itália e nas ilhas (5%), sendo maior do que no Norte (2,8%), que historicamente foi considerada a única área endémica do país. Num segundo estudo foi detetado no Sul de Itália um dos focos mais hiperendémicos de dirofilariose na Europa, com prevalência de 44,2% nas populações de cães de abrigos.
“Além das parasitoses mais antigas, como a leishmaniose, é muito importante que os médicos veterinários olhem com atenção para os novos parasitas”
Em relação ao ‘Novo Mundo’, a D. immitis está a ser encontrada na maioria dos países das Américas. Em particular nos Estados Unidos, mais de 100 mil cães são diagnosticados com infeção por dirofilariose todos os anos, de acordo com o Companion Animal Parasite Council (CAPC). Em 2019, o investigador Self fez um retrato nacional das mais recentes mudanças na prevalência de infeção por D. immitis nos EUA, usando um modelo de regressão binomial espaço-temporal Bayesiano. Este estudo revelou valores aumentados de infeção por dirofilariose canina em muitas áreas do país, regional e localmente, apesar das recomendações dos veterinários sobre prevenção e testes.
Existem estudos que indicam que o gato é o hospedeiro mais resistente à dirofilariose, mas, por outro lado, é o mais suscetível a D. immitis. Quais são as características clínicas da doença nesta espécie que a tornam tão difícil de diagnosticar?
A dirofilariose felina é caracterizada por um quadro clínico impercetível devido à fisiopatologia peculiar nestes animais. Os gatos são hospedeiros atípicos de D. immitis e apenas alguns animais desenvolvem uma infeção patente entre sete a nove meses após a infeção. Os vermes juvenis morrem logo após chegarem às artérias pulmonares, enquanto um pequeno número de vermes (1-6) se torna em adultos maduros, vivendo entre dois a quatro anos (vida útil curta em comparação com os cães).
Além disso, a microfilária ocorre apenas em 20% dos gatos portadores de vermes masculinos e femininos maduros e é transitória. A maioria dos gatos afetados por vermes cardíacos é capaz de tolerar a infeção, “auto curar-se” e apresentar apenas sinais clínicos transitórios ou inexistentes, muitas vezes sem diagnóstico.
Por outro lado, mesmo um pequeno número de parasitas pode ser potencialmente fatal para os gatos. A morte de vermes imaturos após sua chegada às artérias pulmonares caudais, aproximadamente três meses após a infeção, pode causar uma condição grave conhecida como doença respiratória associada a dirofilária (HARD) devido à intensa resposta inflamatória que leva a alterações nas vias aéreas, intersticiais e vasculares nas vias pulmonares.
Os gatos sintomáticos geralmente apresentam sinais clínicos inespecíficos, incluindo alterações predominantemente respiratórias (tosse intermitente, dispneia, taquipneia, aumento do esforço respiratório) frequentemente diagnosticadas como asma felina, mas também com distúrbios gastrointestinais, por exemplo, vómitos intermitentes não relacionados à alimentação. Em alguns casos, a morte súbita do animal pode ser o único sinal clínico demonstrado após o curso assintomático frequente da doença. Esse intrincado ‘quebra-cabeças’ clínico torna o diagnóstico de dirofilariose em gatos frequentemente difícil e subestimado.
E nos cães, é fácil de diagnosticar?
Um diagnóstico correto da infeção por D. immitis em cães deve incluir ensaios parasitológicos e serológicos. O primeiro pode ser alcançado através da deteção e identificação de microfilárias de D. immitis no sangue (por exemplo, o método de Knott modificado), enquanto o segundo pela deteção de antígenos circulantes de dirofilariose dos nematoides adultos (ou seja, ensaios baseados em imunocromatografia, teste SNAP e ensaio imunossorvente ligado a enzima – ELISA).
A deteção de microfilárias no sangue periférico de cães através do método de Knott modificado é o teste parasitológico preferido para o diagnóstico de dirofilariose entre os métodos de concentração. No entanto, os resultados dessa técnica podem ser prejudicados por infeções ocultas (ou seja, presença de vermes adultos, mas sem microfilárias circulantes), pelo longo período pré-patente do parasita (ou seja, sete meses) pela baixa concentração de microfilárias nas amostras de sangue e pela exposição individual aos vetores (por exemplo, densidade e sazonalidade do mosquito).
Além disso, o método de Knott exige experiência para executar a identificação morfológica de microfilárias no nível das espécies (com base na avaliação das morfologias cefálica e caudal e na medição do comprimento das microfilárias), portanto, pode não ser preciso. Por outro lado, os testes ELISA e SNAP são altamente específicos e sensíveis, consomem menos tempo, embora a reação cruzada possa ocorrer com antígenos de outros nematoides (por exemplo, D. repens, Angiostrongylus vasorum e Spirocerca lupi). Os resultados obtidos no teste de Knott modificado e no teste de antígeno devem ser lidos em conjunto e interpretados juntamente com os resultados de exames clínicos, exames laboratoriais e de imagem torácica, também para decidir os protocolos de tratamento.
E quais são os protocolos de tratamento para dirofilariose em cães e gatos? A profilaxia atualmente usada é eficaz?
O tratamento de dirofilariose em cães pode ser um desafio. As complicações da terapia pós-adulticida, especialmente em cães altamente infetados, podem ser graves, incluindo o tromboembolismo pulmonar com risco de vida. Portanto, o objetivo do tratamento é eliminar todas as fases da vida de D. immitis, isto é, microfilárias, fases larvais, juvenis e adultos, melhorando o estado clínico do animal e minimizando as consequências pós-tratamento. É de fundamental importância o estadiamento dos cães com dirofilariose, com baixo ou alto risco de complicações tromboembólicas, tendo em conta a carga parasitária e a gravidade da hipertensão pulmonar.
“As consequências que alguns parasitas podem causar ao corpo do animal podem persistir por toda a vida”
De acordo com o protocolo de tratamento recomendado pela American Heartworm Society, os cães devem ser pré-tratados com lactona macrocíclica (por exemplo, ivermectina) e doxiciclina e, após um período de espera de um mês, tratados com três doses de dicloridrato de melarsormina, o único medicamento adulticida aprovado pela FDA, nos dias 60, 90 e 91. O pré-tratamento com doxiciclina em associação com ivermectina por quatro semanas e por dois meses antes da melarsormina, respetivamente, elimina Wolbachia, uma bactéria endossimbionte abrigada em D. immitis e larvas suscetíveis e reduz a patologia associada a vermes mortos. O dicloridrato de melarsormina é administrado na dose de 2,5 mg/kg de peso corporal por injeção intramuscular profunda nos músculos lombares. Das três injeções recomendadas, a primeira (dia 60) deve ser seguida das outras duas por pelo menos 30 dias de espera (dias 90 e 91), a fim de garantir uma morte gradual dos vermes. Durante toda a duração do tratamento e até um mês após a última injeção adulticida, a atividade do cão (por exemplo, correr) deve ser restringida devido à necessidade de minimizar os problemas associados ao tromboembolismo. Por outro lado, a extração cirúrgica de vermes adultos é a única possibilidade de tratar cães com síndrome de Caval e com risco de complicações graves pós-adulticidas.
Ao contrário dos cães, no caso dos gatos não existe medicamento aprovado para o tratamento de dirofilariose. A melarsormina demonstrou ser tóxica para essa espécie. Portanto, os gatos infetados são tratados apenas com tratamento de suporte, enquanto a remoção cirúrgica de vermes cardíacos pode ser tentada apenas em animais sintomáticos quando os parasitas são visualizados ecocardiograficamente no coração e nas principais artérias pulmonares.
O tratamento preventivo para a dirofilariose em cães e gatos é baseado na administração mensal de lactona macrocíclica, atuando contra larvas infetantes até 30 dias. Além disso, em teoria, dado que mosquitos, como A. albopictus, podem estar ativos durante todo o ano nas regiões do Sul, a quimioprofilaxia durante todo o ano deve ser recomendada. O uso de piretróides sintéticos tópicos pode ser combinado com lactonas macrocíclicas para diminuir o risco de infeção, diminuindo as picadas do mosquito em cães com o “efeito antialimentação”. Esta profilaxia atualmente usada tem-se mostrado útil para reduzir a prevalência e incidência de infeção por D. immitis em áreas endémicas.
Quais são as consequências mais graves da dirofilariose em cães e gatos?
Em cães, a complicação mais importante da dirofilariose, com risco de vida, é a síndrome de Caval (SC). Essa condição grave é o resultado do deslocamento retrógrado de um número variável de vermes das artérias pulmonares para as câmaras cardíacas direitas, onde podem estar presos no aparelho valvar tricúspide. A SC é uma forma de colapso cardiovascular que causa uma redução aguda ou crónica do débito cardíaco secundária à disfunção sistólica, hipertensão pulmonar e arritmias, resultando em insuficiência cardíaca.
Além disso, ao entupir os principais vasos sanguíneos, o suprimento sanguíneo para órgãos do corpo, como fígado e rim, é insuficiente, potencialmente causando uma disfunção de múltiplos órgãos. Clinicamente, a SC é caracterizada por sinais clínicos agudos e graves, como anorexia aguda, dificuldade respiratória, fraqueza, sopro cardíaco do lado direito, anemia, hemoglobinúria, disfunção hepática e renal e, possivelmente, coagulação intravascular disseminada (DIC).
Além da SC, o coração dos cães afetados por dirofilariose está frequentemente envolvido no último estágio da infeção, quando a hipertensão pulmonar leva ao cor pulmonale e à insuficiência cardíaca congestiva direita. Além disso, cães fortemente infetados, principalmente após tratamento adulticida, podem apresentar tromboembolismo pulmonar grave após a morte de muitos vermes cardíacos.
Nos gatos, a consequência mais grave da dirofilariose é a morte aguda dos animais, que pode ocorrer com ou sem sinais clínicos anteriores, e com infeções sustentadas por apenas um verme. Os estágios adultos de D. immitis em gatos são capazes de suprimir a resposta imune e, em particular, a atividade dos macrófagos vasculares pulmonares. Assim, com a morte dos vermes adultos (espontaneamente ou após tratamento médico), a supressão imunológica cessa, causando o desenvolvimento de uma dramática resposta inflamatória e tromboembólica. O colapso agudo é muito mais comum na dirofilariose felina do que na canina. Gatos sobreviventes à morte de vermes podem desenvolver disfunção respiratória permanente e doença respiratória crónica devido à hiperplasia tipo II das células alveolares. Além disso, na primeira fase da DTC (ou seja, três meses após a infeção), os animais podem ser afetados pela doença respiratória associada a verme do coração (HARD), como consequência da morte imatura do adulto, com episódios agudos de tosse, dispneia e dificuldade respiratória. Finalmente, migrações aberrantes (por exemplo, cavidades corporais, sistema nervoso central, artéria femoral, medula espinhal, olho, fígado, pele) são raras, mas são mais frequentemente relatadas em gatos do que em cães, e são responsáveis por derrames ou manifestações neurológicas (por exemplo, cegueira, ataxia, monoparparesia, convulsões), potencialmente seguidas por uma morte súbita do animal infetado.
No que diz respeito às doenças parasitárias, a profilaxia é o melhor remédio?
A prevenção é melhor que a cura. Os animais domésticos podem transportar agentes patogénicos, o que pode representar uma ameaça à saúde animal e humana. Assim, é fundamental que os médicos veterinários recomendem a combinação regular de desparasitação (parasitas gastrointestinais e vermes do coração) e controlo de ectoparasitas (pulgas e carraças), a fim de fornecer uma proteção completa para cães e gatos, mas também para os donos de animais.
Por exemplo, os ectoparasitas de animais de companhia partilham com os humanos quase todos os nichos ambientais no nosso planeta e causam grande preocupação na medicina veterinária (mais do que endoparasitas que geralmente são entidades ‘ocultas’ aos olhos dos donos de animais). De facto, os artrópodes hematófagos podem causar danos e doenças em cães e gatos diretamente (por exemplo, reações alérgicas devido à transferência de saliva, injeção de neurotoxinas, lesões na pele e perda de sangue) e, indiretamente, atuar como vetores de vírus, bactérias, protozoários e helmintos. Neste contexto, a quebra da “cadeia de transmissão” de agentes patogénicos transmitidos por vetores (VBP) é possível através do uso rotineiro de produtos duradouros com propriedades repelentes e de rápida morte.
“A distribuição de Dirofilaria immitis está intimamente relacionada com a biologia e ecologia dos mosquitos vetores, que são particularmente suscetíveis às mudanças climáticas e ao aumento da temperatura global”
Várias abordagens alternativas ao controlo químico para prevenção de doenças parasitárias em animais têm sido estudadas com a intenção de reduzir a abundância de vetores ou combater diretamente os agentes patogénicos transmitidos a animais e humanos. Já várias estratégias de vacinação foram exploradas visando o próprio agente patogénico (por exemplo, L. infantum, B. canis e B. burgdorferi) ou os vetores de artrópodes. Embora a vacinação contra ectoparasitas tenha um grande potencial na medicina veterinária e humana com várias vantagens sobre o uso de ectoparasiticidas (por exemplo, número limitado de administrações, redução da poluição ambiental e custos de produção, segurança aprimorada para a saúde humana, especificidade e facilidade de administração), a identificação de antígenos protetores adequados ainda representa um grande obstáculo. Por exemplo, as vacinas disponíveis na Europa contra a leishmaniose canina relataram diferentes graus de eficácia na redução do surgimento dos sinais clínicos, mas não na prevenção da infeção. Portanto, não podem ser usadas no lugar de estratégias para controlo de vetores.
Fatores como o estilo de vida dos animais, nomeadamente a dieta, têm impacto na exposição a parasitas?
O estilo de vida dos animais influencia bastante a possibilidade de ser infetado por parasitas. Animais que partilham o alojamento com outros (canis, gatis, abrigos, unidades de reprodução), que vivem ao ar livre (animais errantes) ou com acesso a roedores, lesmas e carne crua correm maiores riscos de adquirir infeções parasitárias. A má nutrição pode ser considerada um fator adicional, que pode aumentar a suscetibilidade dos animais a muitas doenças, incluindo doenças transmitidas por vetores.
Animais de estimação bem alimentados com um estilo de vida predominantemente interior, mas também adequadamente submetidos a profilaxia parasitária e exames veterinários regulares podem ser considerados com menor risco de infeção.
Olhando para a nutrição, em particular, é preciso prestar atenção à alimentação de animais de estimação com dietas à base de carne crua (RMBD), que se está a tornar cada vez mais popular entre muitos tutores de animais de companhia. Estas dietas incluem ingredientes não cozinhados derivados de espécies de animais de produção ou silvestres e que são fornecidos a cães ou gatos que vivem em ambientes domésticos. As carnes cruas frequentemente carregam parasitas como T. gondii e, com menos frequência, muitos outros parasitas que podem infetar humanos ou animais de estimação. Embora a maioria das formas parasitárias potencialmente presentes nos produtos comerciais de dietas cruas represente apenas um perigo se não for adequadamente inativada pelo uso de protocolos de congelamento específicos, os alimentos crus preparados em casa, comprados frescos e não sujeitos a processos adequados de eliminação de parasitas contaminantes podem representar um risco real para a saúde animal e humana.
O facto de termos cada vez mais contacto com animais significa que teremos mais zoonoses no futuro?
Depende apenas do tipo de contato humano-animal. A relação secular e profunda estabelecida entre animais de companhia e os seus tutores levou ao desenvolvimento de comportamentos que envolvem proximidade com animais de estimação, por exemplo, partilhar cama e sofá, beijar ou lamber o rosto… O contato próximo que caracteriza esses comportamentos cria uma conexão emocional na mente dos tutores, além de suscitar dúvidas sobre a existência de riscos à saúde.
Essas preocupações são frequentemente relatadas ao veterinário que precisa de responder a perguntas como: “O meu cão/gato tem parasitas, e agora? É perigoso para os meus filhos? Ainda pode dormir comigo ou no sofá?”.
Os veterinários e médicos podem tranquilizar os seus clientes porque as doenças zoonóticas devido a parasitas transmitidas por contato próximo entre tutores e animais de estimação (por exemplo, giardíase, criptosporidiose) podem ser consideradas raras. Por outro lado, é necessário informar os tutores de animais sobre quaisquer riscos à saúde. Um fator de risco pode ser considerado como “mínimo” para uma pessoa adulta e imunocompetente, mas também como “sério” em jovens, idosos ou indivíduos imunodeprimidos (como diabéticos, transplantados ou portadores de HIV). Por exemplo, a geofagia e o uso de parques públicos foram reconhecidos como fatores de risco para a infeção por Toxocara canis em crianças nas quais a maior prevalência da doença foi registada em todo o mundo.
Portanto, para evitar qualquer perigo, é aconselhável que os veterinários recolham informações sobre os hábitos do animal (dieta incluída) e recomendem testes parasitológicos de rotina para avaliar o estado geral dos animais, controlos e tratamentos antiparasitários. É importante lembrar que a higiene correta e o senso comum são fundamentais para criar um relacionamento saudável e correto com o dono do animal.
*Leia o artigo sobre o que está a mudar na parasitologia na próxima edição de VETERINÁRIA ATUAL (n.º 138, maio).