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Investigação

Cientistas portugueses estudam transmissão do novo coronavírus entre humanos e animais

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Dois cientistas portugueses a trabalhar nos EUA lideraram dois trabalhos de investigação sobre a transmissão do novo coronavírus entre humanos e animais: Joana Damas participou num estudo que identificou várias espécies de mamíferos com potencial de serem infetadas pelo vírus SARS-COV-2; João Rodrigues ajudou a criar um modelo computacional que explica porque é que certas espécies animais, como ratos e galinhas, são imunes ao vírus.

A investigadora portuguesa na Universidade da Califórnia, em Irvine, é autora de um artigo publicado na PNAS que relata os resultados de um exercício que combinou várias técnicas computacionais de análise de genomas e proteínas para prever os animais que podem vir a ser infetados pelo SARS-CoV-2. Em declarações ao jornal Público, Joana Damas explicou que “o principal resultado do nosso estudo foi a identificação de um alto número de espécies de mamíferos com potencial de serem também infetadas pelo vírus SARS-CoV-2 (responsável pela covid-19) através da proteína ACE2, que é a proteína que o vírus usa para infetar as células humanas”.

 

A lista de animais é longa, mas a cientista nota que “as previsões são baseadas apenas em semelhanças de sequência e requerem validação experimental”. Ou seja, é preciso fazer outras experiências e testes para comprovar se estes animais são ou não suscetíveis à infeção.

No caso de João Rodrigues, que se encontra a trabalhar na Universidade de Stanford, o artigo científico tem uma versão que já está disponível na plataforma bioRxiv e já foi aceite para publicação na revista PLoS Computational Biology. “Estudámos proteínas de várias espécies animais, mas através de modelação molecular descobrimos várias diferenças a nível da estrutura atómica das proteínas que explicam o porquê de certas espécies animais serem imunes ao vírus e que podem ser úteis no desenvolvimento de fármacos”, resume João Rodrigues, numa entrevista ao jornal Público.

 

Os trabalhos de João Rodrigues e Joana Damas têm em comum a atenção dada a uma importante proteína do SARS-CoV-2, a spike, e ao recetor celular que o vírus usa para infetar as células, a proteína ACE2. Joana Damas refere que no seu estudo foram comparadas as sequências genéticas de 25 aminoácidos que são usados para a ligação recetor-vírus.

“Como sabemos que os humanos são muito suscetíveis a este vírus, a nossa hipótese é de que espécies com sequência proteica semelhante nesses 25 aminoácidos têm um maior risco de serem também infetadas por este vírus. Comparámos então cada uma das espécies com os aminoácidos em humanos e classificámos cada uma de acordo com o risco de infeção previsto, de muito alto a muito baixo”, especifica Joana Damas.

 

Em consequência, disso, “cerca de 40% das espécies que identificámos como tendo potencial de infeção estão classificadas como ameaçadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza”, destaca Joana referindo, por exemplo, gorilas e chimpanzés com muito alto potencial de infeção, tal como os humanos.

No nível abaixo, com alto potencial, estão, entre outros, o veado e o golfinho. Já em termos de espécies importantes a nível económico, surgem o gado bovino, ovelhas e cabras, avaliados com um potencial médio e “cuja possível infeção poderia ter implicações epidemiológicas e implicações para produção de alimentos”. Na categoria de espécies com baixo risco encontram-se os porcos, o cavalo, o elefante, aves, vários anfíbios e répteis. No fundo da lista, com um potencial de infeção muito baixo, estão espécies como corvo ou o jacaré.

 

Quanto aos animais de companhia, a investigadora esclarece que no seu estudo “os gatos apresentam um potencial de infeção médio e os cães têm um potencial baixo”. Os resultados do estudo, aliás, confirmam o que já se sabia sobre estes animais: cães e gatos infetados não apresentam qualquer sintoma ou sintomas muito ligeiros e, embora seja possível que os humanos infetem estes animais), o risco de eles infetarem os humanos será extremamente baixo.

João Rodrigues também se dedicou a analisar a interação entre a proteína spike do vírus e a proteína ACE2 (o tal recetor), mas na sua investigação foram escolhidas cerca de 30 espécies (mamíferos e não só) que a equipa considerou estarem “mais provavelmente em contacto com humanos”. Para explicar como certas espécies de animais parecem ser imunes ao vírus, os cientistas usaram a lógica de um puzzle. Assim, sabendo como são as peças da spike e da ACE2 (as estruturas atómicas das duas proteínas são conhecidas), faltava saber como encaixavam nos outros animais.

“Verificámos que, por exemplo, a proteína S encaixa bastante melhor na proteína ACE2 humana do que na proteína ACE2 da galinha”, conta o investigador. As diferenças encontradas são muito subtis, diz João Rodrigues, mas serão o suficiente para travar a infeção.

O trabalho também serviu para identificar variantes na ACE2 que têm o efeito contrário, ou seja, aumentam a interação entre as duas proteínas. “Estas variantes estão presentes em várias espécies suscetíveis ao vírus, como o furão e o pangolim, mas não em humanos, e podem ajudar a desenvolver medicamentos que impeçam o vírus de infetar as nossas células.”

Os trabalhos de João e Joana centram-se no primeiro passo do processo de infeção, pelo que é preciso saber mais do que isso para validar os resultados e rotular esta ou aquela espécie como suscetível. “Se previrmos que as proteínas não encaixam bem, provavelmente o vírus nem consegue entrar na célula e faz sentido que possamos dizer que há menos probabilidade de haver infeção. Por outro lado, pode-se dar o caso de o vírus entrar na célula através da proteína ACE2 e depois ser incapaz de se multiplicar. Por isso mesmo, não podemos dizer que, se o nosso modelo prevê um bom encaixe, então o animal é suscetível. Assim sendo, preferimos deixar bem claro que os nossos modelos têm limitações e que os nossos resultados são previsões que têm de ser validadas independentemente por outros cientistas”, concluiu João Rodrigues.

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