Na sessão de encerramento do 1.º Seminário Internacional de Medicina Veterinária de Desastre e Catástrofe, os representantes da DGAV, do ICNF e da LBP pediram todos o mesmo: enquadramento legal para o socorro e resgate animal.
Na consulta pública realizada a propósito da revisão do plano nacional de proteção civil deram-se contributos para organizar no terreno equipas especializadas. Todavia, passados dois anos, o documento ainda aguarda decisão final do Governo.
A sessão de encerramento do 1.º Seminário Internacional de Medicina Veterinária de Desastre e Catástrofe, que decorreu em Almada nos dias 10 e 11 de janeiro, ficou marcada pelos apelos dos intervenientes para a necessidade de regulamentação do resgate e socorro animal em cenários de desastre e catástrofe.
No evento, organizado pela Provedoria dos Animais do Município de Almada, Alexandra Pereira, diretora do Departamento de Bem-Estar de Animais de Companhia do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), começou, precisamente, por lembrar que o novo Plano Nacional de Emergência de Proteção Civil (PNEPC) continua a aguardar luz verde por parte do Governo. Segundo a página oficial da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, o documento esteve em consulta pública até ao dia 10 de fevereiro de 2022 para os interlocutores no terreno darem os seus contributos no que será a redação final desse instrumento de organização da resposta a situações de emergência e catástrofe. “Esse plano já esteve para consulta pública, infelizmente, neste momento, desconhecemos o seu paradeiro, mas queremos acreditar que vai ver a luz do dia em breve”, frisou a responsável, lembrando que, na altura da discussão pública, foram “pela primeira vez incluídos os animais” nas respostas a contemplar pelas equipas que asseguram o trabalho no terreno.
“Esse plano já esteve para consulta pública, infelizmente, neste momento, desconhecemos o seu paradeiro, mas queremos acreditar que vai ver a luz do dia em breve.” – Alexandra Pereira, diretora do Departamento de Bem-Estar de Animais de Companhia do ICNF
Muitos conceitos foram sugeridos no momento de partilha do documento com a sociedade, nomeadamente, destacou Alexandra Pereira, a sugestão de criação da figura do oficial de ligação. Durante o encontro em Almada, Nuno Paixão, que participou na discussão pública, falou da sua “luta pela existência de um oficial de ligação, que não tem de ser um médico veterinário, mas tem de ser alguém com conhecimentos de proteção civil, alguém que tenha a sensibilidade e saiba rodear-se de pessoas que tenham conhecimentos”.
Em declarações à VETERINÁRIA ATUAL, à margem do seminário, o Provedor do Animal de Almada explicou a visão que tem para este cargo. Deverá ser, na opinião do responsável, um cargo de nomeação municipal, mas não terá necessariamente de ser um médico veterinário de formação. “O município pode achar que deve ser o médico veterinário municipal, um veterinário do município, ou até não ser um veterinário, desde que tenha conhecimentos. Ou seja, deve ser alguém que tem de saber onde estão os animais [na área de influência do município] e tem de rodear-se de pessoas com competência. Este oficial de ligação é óbvio que tem de conversar com os médicos veterinários dos municípios, para o assessorarem e para garantir que as coisas estão a ser feitas”, elaborou o responsável. Além de ter de saber onde estão os animais – nomeadamente das associações de apoio à causa animal, dos centros de recolha oficial, os locais de criação de animais de produção ou os criadores de animais de recreio, como equídeos – o oficial de ligação também tem de conhecer todas as respostas médico-veterinárias na região – desde as clínicas de menor dimensão, aos grandes hospitais – que possam dar apoio no tratamento dos animais em situações de catástrofe, assim como deve conhecer locais na região que possam acolher animais de grande porte, animais de companhia e tutores no caso de ser necessário fazer a evacuação de zonas afetadas por desastres ou catástrofes.
A característica mais importante para esta função, na perspetiva de Nuno Paixão, “é saber comunicar com a Proteção Civil e conhecer a cadeia de comando. Saber quem é quem. Para mim é mais importante que tenha este conhecimento, do que conhecimentos de medicina veterinária, porque ele não vai estar no terreno a tratar bichos. Será uma pessoa que vai ficar no comando. E se houver falta de veterinários, até prefiro que o veterinário vá para o terreno do que fique fechado numa sala [a comandar]. É uma pessoa que tem de ter conhecimentos de liderança, conhecimentos de sistemas de socorro, de sistemas de Proteção Civil, que saiba quem é quem e com quem deve falar”.
“Nós que estamos aqui somos o motor para uma iniciativa que tem mesmo de surgir, que é a incorporação desta componente da proteção animal – seja ele animal de companhia, animal de espécie pecuária, ou animais silváticos, enfim, do animal como um todo – nos planos de contingência da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.” – Susana Pombo, diretora-geral da DGAV
A importância de incorporar o resgate e socorro animal na estratégia nacional de Proteção Civil ficou assinalada também pelos argumentos da representante do ICNF ao lembrar que “todos quando estamos aqui já percebemos que, infelizmente, a presença de fenómenos extremos adversos é cada vez mais comum e os dados científicos dão-nos também essa noção”. Em paralelo, frisou Alexandra Pereira, “também sabemos que existe uma preocupação maior, e ainda bem, com a saúde e o bem-estar dos nossos animais”.
Daí que Nuno Paixão tenha dado nota de que tem sido essa maior atenção da sociedade perante o bem-estar animal – seja de animais de companhia ou de animais de produção – que tem feito a classe política ficar mais sensível a estas matérias. “Tem sido a sociedade a exigir mudanças e o poder político vai atrás daquilo que a sociedade muitas vezes exige”, acrescentou o responsável.
“Das coisas mais importantes que falta ao nosso País é a coordenação”
Susana Pombo, diretora-geral da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) corroborou a posição da representante do ICNF. Também considera que há “um despertar da sociedade para estes temas e há também um aumento muitíssimo grande de todas estas catástrofes, sejam elas provocadas pelo homem, sejam elas motivadas pelas alterações climáticas. Têm ocorrido em todas as geografias do mundo e Portugal não é exceção”.
E a diretora-geral considera que “das coisas mais importantes que falta ao nosso País é a coordenação, porque bons técnicos em cada uma das entidades oficiais e não oficiais do nosso País nós temos. Falta, é um instrumento legislativo que permita que cada uma destas entidades se coordene”. Nessa medida, Susana Pombo também sublinhou a importância “da componente política que é preciso trazer neste processo”, que tantas vezes é pressionada pelas ações da sociedade civil, como o encontro organizado em Almada, para atuar e resolver problemas identificados no terreno. “Nós que estamos aqui somos o motor para uma iniciativa que tem mesmo que surgir, que é a incorporação desta componente da proteção animal – seja ele animal de companhia ou animal de espécie pecuária, ou animais silváticos, enfim, do animal como um todo – nos planos de contingência da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil”, reforçou.
Assumindo que “essa é também uma ambição da Direção-Geral de Alimentação Veterinária”, como forma de colmatar o “ponto fraco” identificado, isto é, a falta de coordenação interna. Porque, num momento de desastre ou calamidade, “irmos todos a correr para um local, cada um per se é uma atrapalhação terrível e prejudicamos mais do que ajudamos. É preciso alguém que coordene, alguém que lidere, alguém que defina. E é neste tempo de paz, que em tempo de guerra não se limpam armas, que temos de ter esta capacidade de nos conseguirmos organizar”, reforçou. Caso contrário, alertou, “seria ainda mais caótico. As vidas humanas e de animais que se podem perder pela desorganização são às vezes maiores ou quase tantas como aquelas motivadas pela catástrofe em si”.
“Não basta termos vontade, termos competências e capacidades. Quando as coisas não acontecem, muitas vezes não é por nossa culpa, é por culpa de alguém que tem o poder e a decisão de fazer algo mais, de dar um passo em frente.” – Marco Martins, vice-presidente da LBP
Na perspetiva da responsável, este é um trabalho que deve envolver entidades nacionais, mas também entidades locais, que tem de envolver médicos veterinários das entidades oficiais e médicos veterinários privados e deve associar também organizações não governamentais, toda uma série de estruturas que necessitam de ser coordenadas sob pena de se perderem esforços valiosos por não existir um instrumento legislativo com uma estratégia concertada. “Por isso, neste início do ano, aquilo que eu mais desejo é que tenhamos a capacidade de nos coordenar e de juntos promovermos a redação de um documento que seja possível levar às nossas tutelas políticas e permita, de uma vez por todas, incluir este assunto nos planos de contingência da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil”, rematou.
“Não basta termos vontade”
Marco Martins, que esteve na sessão de abertura enquanto diretor da Escola Nacional de Bombeiros, marcou presença na sessão de encerramento como vice-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) e reconheceu que gostava de ver implementado no terreno muito do conhecimento partilhado nos dois dias do seminário, ou como frisou, “o que falta é fazer acontecer”. “Não basta termos vontade, termos competências e capacidades. Quando as coisas não acontecem, muitas vezes não é por nossa culpa, é por culpa de alguém que tem o poder e a decisão de fazer algo mais, de dar um passo em frente”. E esse passo em falta é, na perspetiva de Marco Martins, o instrumento legislativo. “A componente política tem um impacto muito grande nesta vertente, porque nós técnicos, quando temos projetos, ambições, a experiência no terreno e sabemos o que é necessário para melhorar tudo aquilo que são os nossos procedimentos, os nossos normativos, temos muitas limitações naquilo que é a implementação prática”, explicou.
O representante dos corpos de bombeiros nacionais assegurou aos presentes que a LBP está muito atenta à matéria de salvamento e socorro animal e tem promovido, em conjunto com a Provedora do Animal, Laurentina Pedroso, ações de formação em salvamento de animais de grande porte, estando já mais cursos agendados para este ano. Marco Martins considera a vertente da formação e da capacitação dos corpos de bombeiros em resgate animal fundamental, até porque é nos corpos de bombeiros que recai, na grande maioria das vezes, a missão de acudir as populações. E nem é necessário que aconteça uma catástrofe ou um evento de maiores dimensões. Pelo dia a dia das corporações, passam muitos casos de pedidos de socorro a gatos que subiram a árvores e não conseguem descer, a cães que caem em poços, a gado que foge das cercas ou a cavalos sozinhos na via pública. “Na Liga de Bombeiros Portugueses estamos preocupados com esta temática. Queremos fazer parte da solução e, portanto, estamos totalmente disponíveis para colaborar com todos vocês aqui presentes e em particular com quem tem mais competências diretas naquilo que são determinações de normas e procedimentos que, de facto, fazem a diferença”, assegurou.