Quantcast
Opinião

A irresistência leve de ser… parasita

A irresistência leve de ser… parasita

* Médico veterinário (drpedro.fabrica@gmail.com)

Em 1964, era anunciado ao mundo o primeiro caso de resistência parasitária (aos benzimidazóis), em Haemonchus contortus de ovinos por Drudge et al. nos E.U.A.1

(Banda Sonora para acompanhar o artigo: Einstürzende Neubauten – Album: Alles in Allem https://youtu.be/xsLVRaGGFVg)

 

De forma simplista podemos dizer que a resistência se desenvolve quando os parasitas sobrevivem ao tratamento e passam essa resistência através do código genético à sua descendência. Com a posterior seleção e reprodução, esses genes aumentam a sua frequência na população, estabelecendo-se dessa forma a resistência parasitária em algumas populações de parasitas, para determinada classe antiparasitária.

A compreensão da necessidade de uso de drogas antiparasitárias quer no âmbito dos animais de produção, quer no âmbito dos animais de companhia, é óbvia e fundamental. Do ponto de vista da produção de proteína animal, para garantir a alimentação da crescente população mundial, o controlo de infestações parasitárias leva a uma maior eficiência produtiva, maior bem-estar animal, redução de desperdício, diminuição da contaminação ambiental e da produção de metano ambiental.2

 

Do ponto de vista da saúde pública, nomeadamente da badalada “One Health”, o controlo parasitário seja nos animais de produção, sejam, especialmente, nos animais de companhia, tem uma relação direta com o decréscimo do risco zoonótico, minimizando o impacto na nossa saúde.

A sensibilização para o combate da resistência parasitária, ainda é tímido, leve, quase esquecido sobretudo ao nível dos animais de companhia. Embora, nos animais de produção e equinos, a constatação científica seja crescente e mais frequente acerca da resistência parasitária, devido às estratégias passadas de desparasitação indiscriminada e generalizada. No caso dos animais de companhia e das estratégias de controlo de parasitas externos e internos, a resistência parasitária é parcamente documentada, embora haja relatórios pontuais em relação a alguns parasitas.

 

Resistência parasitária publicada de acordo com espécies gerais de animais domésticos:3

Hospedeiro Parasita
Ovinos Haemonchus contortus, Teladorsagia circumcincta, Trichostrongylus spp., Fasciola hepática
Bovinos Ostertagia ostertagi, Cooperia spp., Haemonchus placei
Equinos Ciastostomíneos, Parascaris spp.
Cão Ancylostoma caninum, Dirofilaria immitis

 

 

Prevê-se que o mercado de antiparasitários global atinja em vendas 13,7 mil milhões de dólares em 2026, com crescimentos anuais previstos dos 7,2%. Apesar deste crescimento, os últimos anos, denunciam um decréscimo ao nível do lançamento de novas substâncias ativas, sobretudo destinados a endoparasitas.  Sendo o mercado de ectoparasitários com mais peso na família de antiparasitários, a recente inovação pelo lançamento em 2014 de uma nova classe terapêutica (as isoxazolinas), permitiu uma nova abordagem antiparasitária, na maior parte dos casos, devido à possibilidade de administração oral para o controlo de ectoparasitas, assim como, o aumento do intervalo temporal entre tratamentos.

No entanto, apesar de todos este frenesim inovador, concentrado em 4 a 5 empresas farmacêuticas mundiais, o mercado continua amplamente inundado de moléculas mais antigas eficazes, em forma de aplicação tópica, coleiras, sprays, foggers, etc. para o controlo sobretudo ectoparasitário (pulgas, carraças e vetores voadores).

À data, na Europa não foi provada a existência de resistência parasitária em animais de companhia.  Porém, no Reino Unido, pulgas Ctenocephalides felis com mutações genéticas associadas com resistência à dieldrina e a resistência ao efeito “Knockdown” foram identificadas. Nos E.U.A. existem também alguns relatos em populações de carraças, Rhipicephalus sanguineus, que desenvolveram resistência.4 Também nos E.U.A. e de forma preocupante aparecem relatos de falha de proteção após uso de lactonas macrocíclicas em Dirofilaria immitis com alterações genotípicas distintas da espécie suscetível.5

O novo Regulamento Europeu do medicamento veterinário (2019/6), que entrou em vigor neste ano de 2022, apesar de um grande foco em resistência bacteriana, menciona de forma muito leve, a luta contra a resistência aos antiparasitários. Neste ponto, penso que devemos ser mais diligentes, aproveitando a sensibilização para a antibiorresistência. As soluções para ambos os problemas, embora de grandeza diferente no momento, têm um denominador comum: o uso consciente e adequado, suportado por diagnóstico ou avaliação risco/benefício dos medicamentos.

No dia-a-dia do médico veterinário, sobretudo relacionado com os ectoparasitas, o profissional lida, com alguma frequência, com a insatisfação do tutor por não ver o seu animal miraculosamente livre de pulgas e carraças, após a administração do antiparasitário indicado pelo Centro de Atendimento Médico Veterinário (CAMV). E, frequentemente, o médico veterinário opta por mudar de antiparasitário, mesmo sabendo que devido ao ciclo de vida do parasita, à presença de coabitantes, à contaminação ambiental e aos fatores climáticos tornarem a luta contra os ectoparasitas mais complexa, trabalhosa e integrada. Devido ao imenso arsenal de opções diferentes, ou mesmo semelhantes, genéricas, o tempo não despendido na explicação do ciclo de vida do parasita, por exemplo, da pulga, vai arrastando as expectativas do tutor, mudando de antiparasitário para antiparasitário, até se esgotar a contaminação do animal e ambiental. Compreendo, que explicar a um incrédulo tutor, que tem pulgas em casa, devido ao seu ciclo de vida, mesmo que ele jure que o animal nunca tenha saído de casa, por vezes não seja motivante, sobretudo nos dias mais agitados.

Ao lidar com a insatisfação dos tutores e o relato da suposta “ineficácia” ou “resistência” ao antiparasitário, uma vez mais, o médico veterinário tem um papel crucial em todo o processo, pois ele é o profissional habilitado para proactivamente investigar a suposta ineficácia/resistência. Essa investigação deve considerar algumas questões ao tutor na tentativa de descarte do incumprimento das boas práticas de administração do medicamento. Questões6 para o tutor como:

– Aplicou segundo as indicações?

– Usou tratamentos químicos comerciais para a cama dos animais, assim como todo o têxtil do lar, no carro ou jardim?

– Lavou a cama do animal?

– Aspirou os tapetes, alcatifa e carpetes?

– Manteve a higiene do meio ambiente onde o animal está?

– O animal tratado só contactou com animais tratados?

– Restringiu o acesso do animal tratado a ambientes ou animais contaminados, fora de casa?

– Sabe por onde o animal andou?

– Evitou contacto com a água nos animais tratados topicamente?

Se todas estas questões forem exemplarmente respondidas, verificando que o controlo integrado foi escrupulosamente feito, então neste momento, compete ao médico veterinário, reportar a sua suspeita de eficácia às autoridades ou à empresa que comercializa o antiparasitário.

Mais do que nunca é importante conhecer as directrizes7 do European Scientific Counsel Companion Animal Parasites (ESCCAP) para criar os protocolos de desparasitação adequados à variedade de pacientes que visitam o CAMV, salvaguardando a saúde dos animais, protegendo o meio ambiente ao nível de resíduos e atrasando o aparecimento de resistências parasitárias. Resistir às resistências é um esforço conjunto, um investimento no futuro.

Referências bibliográficas:

  1. Drudge, J.H. et al. (1964) Field studies on parasite control in sheep: comparison of thiabendazole, ruelene, and phenothiazine. Am. J. Vet. Res. 25, 1512–1518
  2. Fox NJ, Smith LA, Houdijk JGM, Athanasiadou S, Hutchings MR. Ubiquitous parasites drive a 33% increase in methane yield from livestock. Int J Parasitol. 2018 Nov;48(13):1017-1021. doi: 10.1016/j.ijpara.2018.06.001. Epub 2018 Aug 11. PMID: 30107148.
  3. Sangster NC, Cowling A, Woodgate RG, Ten Events That Defined Anthelmintic Resistance Research, Trends in Parasitology, July 2018, Vol. 34, No. 7, 553 – 563
  4. Coles TB, Dryden MW (2014) Insecticide/acaricide resistance in fleas and ticks infecting dogs and cats. Parasites & Vectors 7, 8
  5. Bourguinat C, Lefebvre F, Sandoval J et al. (2017) Dirofilaria immitis JYD-34 isolate: whole genome analysis. Parasites & Vectors 10, 494
  6. Antiparasitic resistance, BSAVA Guide to the Use of Veterinary Medicines, Ed. Fred Nind and Pam Mosedale, BASAVA 2020. Update November 2020
  7. https://www.esccap.org/guidelines/

Médico veterinário (drpedro.fabrica@gmail.com)

*Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 161 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de junho de 2022.

Este site oferece conteúdo especializado. É profissional de saúde animal?