Na véspera em que as Conferências da Veterinária Atual regressam ao formato presencial, com uma mesa-redonda sobre a articulação entre as universidades e o mundo laboral, deixo-vos uma opinião que ando para escrever há muito e que poderá servir de mote à reflexão e ao debate.
Antes de mais, quero deixar claro que o conhecimento que fui adquirindo ao longo dos anos é centrado apenas nos centros de atendimento médico veterinários, com uma incidência de praticamente 100% da sua atividade em animais de companhia.
Durante os últimos três anos, deparei-me com imensas dificuldades na contratação, quer de médicos veterinários, quer de enfermeiros veterinários para os CAMVs aos quais prestei consultoria. Foram tantas dores de cabeça que a certo ponto, a StratVet, deixou de realizar os serviços relacionados com a seleção e recrutamento, mesmo tendo tido o privilégio de realizar dezenas de ações de formação direcionadas para estudantes. Falta alguma quantidade, mas essencialmente falta muita qualidade!
Os fatores que detetámos foram imensos, mas talvez o mais preocupante seja o da baixíssima produtividade dos nossos médicos veterinários, segundo os estudos da FVE, muitas vezes alvo de avaliação aqui na Veterinária Atual, um CAMV em Portugal tem um volume de faturação de cerca de 20% de um CAMV em França (para o mesmo número de colaboradores).
Posto isto, importa avaliar quais as causas para esta baixa produtividade. São imensas e dariam um tratado em vez de um artigo de opinião, mas não será descabido dizer que começam precisamente no ensino.
Em primeiro lugar não há uma educação para as questões relacionadas com a rentabilização de carreiras, negócios ou empresas. Esta deveria começar antes do ensino universitário, e ser aprofundada durante os vários cursos. Na medicina veterinária, tem sido completamente descurada, salvo raríssimas exceções à regra, onde os alunos saem sensibilizados e preparados para obter rentabilidade do seu trabalho.
As universidades, focam-se no Saber-Saber! Apesar de ser adepto do ensino fundamental, considero que as instituições, muitas vezes, não ensinam a pensar, apenas a decorar. Os conhecimentos apreendidos rapidamente caem em esquecimento uma vez que não foram estimuladas e avaliadas as competências de raciocínio, curiosidade e capacidade de pesquisa por parte do aluno, mas sim a memorização a curto prazo. Perde-se com isto a verdadeira essência e beleza da medicina. E logo a medicina, que é tão bonita quando compreendida!
É dada pouca importância ao Saber-Fazer! Concordo que um médico veterinário tem de ser muito mais do que um técnico, mas não têm de ser as instituições privadas com fins lucrativos a apresentar um animal de companhia ao seu tutor (cada vez mais exigente) com quatro ou cinco hematomas provenientes de situações tão simples como tentativas de venopunção mal sucedidas, por falta de experiência do médico ou enfermeiro (por vezes, é mesmo a primeira vez que o profissional pega num cateter endovenoso)! Andamos 6 anos a aprender muito sobre nada, uma vez que chegamos ao mercado de trabalho sem qualquer autonomia, nem livre iniciativa.
Fica esquecido completamente que os profissionais do futuro têm de Saber-Estar (e Ser), sendo que as tão faladas soft-skills são a ferramenta mais importante para a crescente adaptabilidade no mercado de trabalho. Neste ramo, será necessário formar cada vez mais os jovens para a cidadania, sendo que a grande maioria dos nossos recém-licenciados não sabe a diferença entre um contrato de trabalho e uma prestação de serviços a recibos verdes. Outra das falhas detetadas é a da gestão de expetativas: ao longo dos últimos anos, a expetativa dos profissionais veterinários tem-se afastado da realidade do mercado de trabalho, gerando frustrações perfeitamente evitáveis.
Espero não ser mal interpretado com este artigo, em primeiro lugar não é uma crítica centrada no ensino universitário português (do qual começo a fazer parte, enquanto docente, precisamente este mês). Infelizmente o problema do ensino é transversal a toda a Europa, sendo que as empresas também têm uma quota-parte muito significativa na culpa por esta situação, mas se os problemas são conjuntos, as soluções também o deveriam ser.
Como não gosto de criticar sem dar alternativas, talvez fosse altura de repensar o ensino no seu todo, criar cursos mais curtos, com mais opcionais direcionadas e mais aprendizagem contínua ao longo da vida, conforme as necessidades laborais! Fica a ideia!
*DVM, MBA, diretor clínico Vet Póvoa, consultor Stratvet