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CAMV

Efeito inflação nos CAMV

Dilen Ratanji Site e

Dilen Ratanji – Diretor-geral Vetbizz Consulting

Quando redigi o artigo do mês de Fevereiro, tinha acabado de eclodir a guerra na Ucrânia e estávamos envoltos de uma enorme incerteza no que dizia respeito à evolução da conjuntura económico-financeira. Mas de uma coisa tínhamos a certeza e que fiz questão de salientar no meu penúltimo parágrafo do mesmo artigo: “Uma crise desta natureza provoca inflação, custo e despesas aceleradas, carência de bens, rutura eventual de mercados e de ciclos de abastecimento de alguns produtos. Como tal, podemos enfrentar dificuldades logísticas em alguns produtos e temos de estar preparados para isso, incluindo no setor veterinário. Os centros veterinários, como qualquer outra empresa de outros setores de atividade, sentirão o impacto da inflação e consequente diminuição do poder de compra dos tutores.”. Quase quatro meses depois, confirma-se precisamente este cenário, observando-se mesmo uma queda abrupta nas taxas de crescimento nos CAMV a nível nacional (e europeu). Muitos CAMV que apresentavam crescimento na ordem dos dois dígitos nos anos mais recentes, estão em 2022 a lutar para manter os mesmos níveis de faturação face ao período homólogo do ano anterior. Ao contrário do que seria previsível antes da guerra, o ano de 2022 será de crescimentos moderados no setor veterinário (e muitos outros do tecido empresarial nacional).

A inflação está a subir vertiginosamente e a alcançar máximos mês após mês. E não é só nos produtos energéticos e no supermercado que se está a fazer sentir, atingindo bens e serviços, que têm preços historicamente mais estáveis, como alguns serviços de educação e saúde, as rendas, os restaurantes e cafés. Por conseguinte, Mário Centeno, presidente do Banco de Portugal (BdP), deixou recentemente um alerta às famílias: “temos de refletir a inflação nas nossas decisões de consumo”.

 

Em Portugal, a inflação continua abaixo da média da Zona Euro, mas o País já não está na cauda da europa. Tendo em conta o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) que é utilizado pelo Banco Central Europeu (BCE) para comparar a inflação entre os diferentes países no velho continente, a inflação em Portugal subiu para 7,4% em abril, mais 1,9 p.p. do que em março (5,5%).

A subida dos preços já se faz sentir desde o arranque do ano. Mas começou a disparar a partir de 24 de fevereiro, o dia que marca o início do conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia. Os produtos energéticos foram, desde logo, os mais afetados, até porque a Rússia é um dos maiores países exportadores de petróleo e de gás do mundo. E os preços dos produtos alimentares foram também disparando, dado que a Ucrânia é conhecida como o “celeiro” da Europa. Tanto a energia como os cereais são dos maiores drivers da inflação.

 

O Instituto Nacional de Estatística (INE), estima que, em abril, o índice relativo aos produtos energéticos aumentou 26,7% face ao período homólogo, sendo este o valor mais alto desde maio 1985. E o índice referente aos produtos alimentares não transformados terá apresentado uma variação de 9,5% em Portugal. Mas o Boletim Económico de maio publicado pelo BdP menciona que não é só nos produtos energéticos e na alimentação que se faz sentir a inflação. Isto porque tudo indica que o aumento dos preços está a transmitir-se também aos preços das componentes menos voláteis e mais estáveis. O BdP sublinha ainda que a reabertura gradual dos setores relacionados com o turismo na segunda metade do ano contribuirá para o gradual aumento dos preços dos serviços.

O governador do BdP considera que a inflação é “um fenómeno muito complexo e difícil de avaliar”. E tornou-se num “desafio para todos os bancos centrais”, como é o caso do Banco Central Europeu, que planeia aumentar a taxa de juro diretora já este ano para pôr um travão na subida generalizada de preços.

 

No caso da recuperação económica, o regulador europeu acredita que o turismo vai continuar a ser o motor da retoma, impulsionado pelo aumento da procura de serviços. E no caso das famílias, as suas poupanças podem ajudar a atravessar esta crise, aliando-as a uma maior consciencialização dos gastos.

Num momento em que o poder de compra está comprometido, as poupanças são vistas como um “balão de oxigénio”. Os portugueses aumentaram as suas poupanças e depósitos durante a pandemia. Embora a taxa de poupança das famílias tenha diminuído de 12,7% em 2020 para 10,9% em 2021, manteve-se acima da calculada antes da pandemia (7,2%), revela o relatório. E isso reflete-se no dinheiro que os portugueses têm depositado nos bancos: os depósitos dos particulares mantiveram um crescimento interessante de 6,6%. Mais dinheiro disponível também convida a gastar e a investir em necessidades básicas como, por exemplo, a compra de uma casa. E ainda que as taxas Euribor estejam a aumentar, o facto de a procura ser superior à oferta disponível no mercado imobiliário, nomeadamente nas grandes cidades com o Porto ou Lisboa, permite a este setor manter-se resiliente e com preços em alta. Sou dos que acredita que o imobiliário não passará pela mesma crise que passou há mais de uma década atrás, pois o regulador nacional (e europeu) impôs, de forma atempada e rigorosa, limites para a concessão de crédito habitação.

 

Os preços aumentaram em tudo! É a realidade que sentimos no nosso dia-a-dia e essa escalada de preços, aliada a um menor ritmo no aumento de volume de negócios nos CAMV, resultará inevitavelmente numa menor rentabilidade do negócio. E, de igual forma, é inevitável que os CAMV tenham que aumentar o preçário dos seus produtos e serviços. E eventualmente mais do que uma vez em 2022…

*Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 161 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de junho de 2022.

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