Há quem diga por aí que a culpa de tudo o que se passa connosco veterinários se deve ao Dr. James Herriot. Lembram-se dele? Veterinário generalista em Yorkshire, autor de livros célebres com All creatures great and small. Foi ele que nos moldou a ideia que seríamos versáteis e saberíamos tratar todas as criaturas doentes, sempre com um sorriso nos lábios a qualquer hora do dia ou da noite, trocando muitas vezes os nossos serviços por um cesto de ovos e um repolho.
A verdade é que desde essa altura muita coisa mudou. O sentido de missão é talvez o mesmo, mas agora o negócio é outro: estruturas físicas implementadas em áreas geográficas estratégicas, muitíssimo bem equipadas com a tecnologia do século e equipas cada vez menos generalistas e a tender para a especialização, numa tentativa de acompanhar as expectativas dos donos dos animais que nos procuram e que têm acesso a informação global, no momento.
Pois é, os especialistas já chegaram e estão para ficar. O nosso know-how e experiência acumulada que nos foi permitindo desenvolver áreas de interesse, com muita qualidade, devo dizer; vai agora “competir” aos olhos do cliente com os títulos de especialidade. Confesso que usei o termo competir para provocar! O que pensam e sentem sobre este assunto? Ressalvo que este artigo é apenas a minha opinião e por isso sintam-se livres de discordar. A meu ver, a integração de profissionais com título de especialista no nosso contexto de trabalho é mais um, entre outros, fatores de alavancagem para a profissionalização dos nossos serviços e sector.
O título de especialista concedido pela Ordem dos Médicos Veterinários tem como objetivo a valorização do conhecimento e do exercício da Medicina Veterinária nas áreas profissionais correspondentes, procurando atingir os mais elevados níveis na prestação de serviço pelos seus membros, para benefício da comunidade e prestígio da profissão.[1]
Eu acredito nisto. Mas acredito também que emoções como medo, ansiedade, instabilidade, rejeição, entre outras, possam estar latentes, quando se olha de frente para esta nova realidade. O ser humano tem um medo natural da rejeição, de ser trocado e se sentir inferior ou preterido e, muitas vezes, escolhemos a proteção da nossa zona de conforto a ser proactivos e ir ao encontro das soluções. Neste caso, soluções win-win ou sinergias são o caminho. Integrar estes colegas nos nossos negócios criará robustez técnica e fortalecerá as equipas pela partilha de conhecimentos.
O cliente espera de nós tempo, autenticidade e consistência. A autenticidade passa por identificarmos os nossos limites e reconhecermos o momento exato em que devemos referenciar o caso para a especialidade. Acredito que, em muitas situações, encontraríamos uma solução para o problema do animal (como fizemos anos a fio), mas também sabemos que algumas vezes por caminhos tortuosos e incertos, que se tornam onerosos, somado ao tempo despendido pelo cliente e por nós. O negócio floresce com as relações de confiança e a confiança nasce com a consistência. Estes colegas aportam essa consistência porque são treinados para serem metódicos, usarem um processo na sua abordagem aos casos e têm tempo (tempo pelo qual se fazem cobrar).
Egos à parte, o segredo está na forma como o vamos comunicar.
Comunicar às equipas, definindo claramente o papel de cada um no negócio (generalistas e especialistas) e definir aos clientes e sociedade em geral a vantagem/valor e momento certo para consultar estes colegas especialistas. A medicina veterinária generalista terá sempre o seu lugar enquanto pilar da sociedade, zelando pela saúde pública, saúde e bem-estar dos animais. E ainda, de forma indireta, contribuindo para o equilíbrio emocional (e fisiológico) de todos aqueles que vêm nos seus animais um elemento da família. Educar e sensibilizar, recomendar e prescrever soluções à medida de cada cliente que nos procura é trabalho igualmente meritoso ao título de especialista. Concentre-se naquilo em que é realmente muito bom e delegue/referencie o resto.
[1] Regulamento de especialidades OMV