Vacinar como e quando? Re-vacinar ou testar anticorpos? Estas foram as questões que colocámos a vários médicos veterinários e a conclusão principal é que seguem as guidelines internacionais para as vacinas consideradas básicas, mas quanto aos reforços o veterinário é soberano. Sobre a re-vacinação ou o teste de anticorpos, a diretora clínica do Hospital Veterinário do Algarve resume: “ainda vacinamos pouco e mal”, além de que os testes ainda são caros e morosos.
Com pequenas diferenças, os vários médicos veterinários com quem falámos seguem uma primovacinação de acordo com as guidelines internacionais, principalmente quando estamos a falar das primeiras vacinas. Já quanto aos reforços, a prática é mais diversa, começando a defender-se cada vez mais que “a vacinação deve ser adaptada caso a caso”. Muitos clínicos apostam, por exemplo, numa vacinação diferente para gatos de apartamento e gatos com acesso à rua, mas também para os cães vão analisando o estado de saúde do animal e as suas condições de vida para decidir o programa vacinal.
No ‘bolo’ da primovacinação canina estão, normalmente, a Parvovirose, Hepatite, Leptospirose, Parainfluenza e Adenovírus + Raiva e, em alguns casos, Leishmaniose e Bordatella. Os reforços são normalmente dois, mas podem ser só um ou até três, dependendo dos médicos veterinários, da idade do animal, das zonas e das condições/disponibilidades financeiras dos donos. A revacinação é, normalmente, anual. Exceto no caso da vacina da Raiva, que confere agora imunidade por três anos.
Sérgio Alves, diretor clínico do Hospital Veterinário de Gaia, referiu à VETERINÁRIA ATUAL que as vacinas e reforços que considera fundamentais nos cães são “de acordo com as guidelines atuais da WSAVA, para o Parvovirus Canino, Esgana, Adenovirus 1 e 2 e Parainfluenza, Leptospira interrogans (serovares canicola e icterohaemorrhagiae)”, salientando que “iniciamos o protocolo vacinal pelas seis a oito semanas fazendo dois ou três reforços. A idade do animal, na última administração, que tem de ser sempre superior às 16 semanas”.
Sérgio Alves adianta que “por uma questão de segurança optamos pela revacinação anual. Nos adultos fazemos duas administrações separadas de quatro semanas”, sendo a revacinação também anual. Acrescenta que administra também a vacina para a “Bordetella Bronchiseptica iniciando o plano vacinal no final das anteriores e fazemos a revacinação ao fim de quatro semanas. A revacinação é anual. Nos adultos fazemos dois reforços separados de quatro semanas. Revacinação anual”.
Para a “Raiva administramos uma dosagem após as 12 semanas e fazemos o reforço anual ou trianual de acordo com a recomendação do fabricante”. Quanto à vacina da Leishmaniose, como na região tem uma baixa incidência só “incluímos esta vacina no protocolo normal em clientes com uma segunda residência em locais de elevada prevalência ou que viajam para esses locais”. Outros veterinários referem também a vacina para a Dirofilariose, por ser uma doença endémica em muitas zonas do País.
Em resposta à possibilidade de medir os anticorpos em vez de re-vacinar sempre anualmente, o responsável frisa que “nestas [vacinas] com o desenvolvimento dos testes sorológicos ponderamos alterar o esquema vacinal”, mas “neste momento não avaliamos os anticorpos previamente à administração vacinal. Economicamente esta situação ainda não compensa, pois teríamos de recorrer a um laboratório externo, o que torna mais oneroso para o proprietário”.
Gatos de apartamento vs gatos com acesso à rua
Quanto aos gatos, o ‘pacote’ da primovacinação inclui habitualmente Panleucopénia felina, Rinotraqueíte e Calicivírus às seis a oito semanas e com um reforço cerca de quatro semanas depois. Para os gatos com acesso à rua, os médicos recomendam a administração da vacina do FELV, depois de realizado o teste. Nos adultos o protocolo é idêntico e a revacinação é anual.
Todavia, tanto para cães, como para gatos, Ivo Lima da Silva, médico veterinário das clínicas Vilavet (Vila Real de Santo António) e Tavivet (Tavira), defende que “quanto a reforços, cada caso é um caso. Há que ter em conta a idade da primovacinação, ambiente, outras vacinas, etc.”. Uma ideia também defendida por Fernando Gomez, da Clínica Veterinária Dr. Gomez, em Mem Martins, ao afirmar que “o veterinário é soberano e a vacinação deve ser adaptada caso a caso”. O médico, que trabalha há mais de 30 anos, salienta que “o veterinário deve analisar o animal, o seu estilo de vida e a fase da vida em que se encontra, ponderando o risco-benefício da vacina. Porque as vacinas têm efeitos secundários e riscos”.
A dificuldade em convencer os donos a fazer os vários reforços, por razões diversas, é referida por alguns dos clínicos, como Andreia Severino, da TojalVet. “Quando iniciei a minha vida profissional recomendava três doses na primovacinação de cachorros (uma dose às sete ou oito semanas, a segunda às 12 semanas e a terceira dose às 16 semanas), e duas doses com intervalo de um mês para primovacinação de adultos”, mas “a realidade foi que os únicos clientes que faziam os dois reforços em cachorros eram os que os tinham comprado. Muitos só apareciam para a primeira dose. Assim, quando iniciei atividade em Santo Antão do Tojal, há dez anos, passei a recomendar apenas duas doses nos cachorros e uma nos adultos, com revacinações anuais”.
Mesmo assim, “quando cerca de metade dos clientes não apareciam para o reforço dos cachorros, passei a fazer questão de que, se só podiam dar uma dose vacinal devido a limitações económicas, o fizessem após as 12 semanas. Em relação a outras vacinas do mercado, informo os clientes que existem, como e para que funcionam, deixando ao critério deles se querem ou não vacinar os seus animais”.
Canis e associações com protocolos diversos
As situações são variadas nos canis municipais e nas várias associações de recolha de animais errantes no País. Marta Videira, médica veterinária responsável pela Casa dos Animais de Lisboa (canil municipal) diz-nos que “não temos qualquer restrição orçamental, dispondo de elevado stock vacinal”, pelo que a escolha do “plano vacinal é feita considerando o risco existente e avaliado de episódios de doenças infeciosas em alojamentos com elevada densidade animal, índices de mortalidade e morbilidade”.
E adianta que “a vacinação aplicada a cães da CAL – doenças infetocontagiosas – inclui Esgana, Hepatite, Leptospirose e Parvovirose. São seguidas as instruções do fabricante – primeira dose inicial, reforço três a quatro semanas depois; revacinação anual. Em ninhadas são feitos dois reforços, após a primovacinação”. Marta Videira afirma ainda que “a vacinação de gatos da CAL inclui Panleucopénia felina, Rinotraqueíte e Calicivírus. São administradas duas injeções, com intervalo de três a quatro semanas. Em ninhadas fazemos ainda um terceiro reforço e a revacinação é anual”.
Já a médica veterinária municipal de Odivelas refere que o Parque dos Bichos só recebe cães, “ocasionalmente, e em caso de emergência, alojamos gatos, mas em instalações de recurso”. Maria João Nabais explica que “no ato de adoção, o animal é vacinado contra a Raiva e identificado eletronicamente. Se tiver menos de três meses é-lhe apenas aplicado o microchip. Aos adotantes é atribuída uma senha de esterilização, ficando em lista de espera (porque são muitos!) para realizar gratuitamente a esterilização do animal adotado”.
A responsável acrescenta que “outras vacinas são aplicadas no âmbito do Consultório Veterinário Municipal, serviço único no país (que eu saiba) existente há 12 anos, com tarifários diferenciados consoante os rendimentos dos munícipes. Neste caso é feita a primovacinação habitual com vacina multivalente com reforço três a quatro semanas depois. Incluímos também no esquema de vacinação a vacina da Leishmaniose e Tosse de Canil, caso os detentores assim o pretendam”.
Já no caso das associações, os constrangimentos financeiros são claramente limitadores e a maioria administra apenas as vacinas legais, quando o faz. “Trabalho com associações onde, na grande maioria das vezes, são cumpridos apenas os pressupostos legais (vacina da Raiva) devido aos conhecidos constrangimentos orçamentais”, diz Ivo Lima da Silva, enquanto Patrícia Cachola, diretora clínica do Hospital Veterinário do Algarve (Faro) refere que “por vezes apenas conseguem desparasitar os animais”, adiantando todavia que “muitas assumem a responsabilidade de esterilizar os animais dos seus abrigos e de colónias vigiadas, o que deveria ser feito pelos gabinetes veterinários municipais e mesmo pelo Estado central, porque a multiplicação dos animais errantes pode gerar problemas de saúde pública”.
Andreia Severino afirma que “na associação com que trabalho, as recomendações são as ideais, mas só as pomos em prática quando há verba suficiente, o que é raro. No entanto, os animais adotados vão com as vacinas ‘em dia’, ou seja com a última dose dada há não mais de um ano, com microchip e esterilizados ou com obrigatoriedade de, na idade adequada, serem esterilizados através da associação”.
E adianta: “sempre trabalhei com grupos de pessoas que ajudam animais abandonados e não observei doenças infeciosas significativas nesses animais para além de Leishmaniose e problemas dermatológicos consequentes. Apenas desde março desde ano comecei a diagnosticar Esgana nos animais errantes que transmitiram a alguns animais vacinados com apenas uma dose vacinal”.
Ainda longe dos testes de anticorpos
Sobre a questão de re-vacinar ou testar anticorpos, as opiniões são unânimes: os testes são morosos e caros, sendo preferível vacinar. “Ainda não há testes céleres e que ofereçam garantia”, considera Fernando Gomez, enquanto Marta Videira é de opinião que “é muito mais fácil, prático e acessível, para quem faz medicina veterinária de abrigos, revacinar os animais que tem nas suas instalações, do que fazer recolhas de sangue, encaminhamento laboratorial para titulação de anticorpos e posterior tomada de decisão, face aos resultados obtidos, de que animais precisam efetivamente de ser vacinados”.
Para Ivo Lima da Silva “a realização de medições de anticorpos em kits de diagnóstico em CAMV tem limitações. A realização destes exames em laboratórios credenciados parece-me moroso, custoso e pouco prático em termos clínicos”, além de que “não concordo que estes testes sirvam como ‘substituição’ das vacinas, da mesma maneira que um kit de diagnóstico de gestação não substitui uma ecografia. O médico veterinário deve estabelecer criteriosamente o plano vacinal dos seus pacientes, seguindo as recomendações internacionais existentes”.
Também Patrícia Cachola alerta contra o perigo de começar a reduzir a vacinação numa altura em que “ainda estamos numa fase em que vacinamos pouco e mal, porque principalmente a primovacinação não é feita corretamente, nem são aplicados todos os reforços”. Por isso, salienta a diretora clínica do Hospital Veterinário do Algarve, “ainda estamos numa fase anterior à titulação. Isto é uma problemática para o norte da Europa, onde já têm todos os cães vacinados”.
Sérgio Alves considera igualmente que “a problemática da redução vacinal é complexa e não devemos reduzir o número de administrações de ânimo leve, nomeadamente para uma zoonose como a Raiva. Não nos devemos esquecer que somos um País livre porque vacinámos intensivamente, há várias décadas”.
E o diretor clínico do Hospital Veterinário de Gaia adianta: “com a livre circulação de pessoas estamos cada vez mais expostos a animais provenientes de outros países em que isso não acontece. Devemos recordar o episódio recente ocorrido na nossa vizinha Espanha de um caso proveniente de Marrocos, que obrigou a uma vacinação semestral na Andaluzia provocando um enorme alarme social. Os vírus não desapareceram apenas têm uma menor incidência, porque vacinámos de forma recorrente e intensiva. No dia em que nos esqueçamos disso eles voltarão a fazer-se notar”.
Sim, também. Nomeadamente os coelhos anões e os furões. Falámos com Joel Ferraz, médico responsável pelo Centro Veterinário de Animais Exóticos, no Porto, e com Patrícia Cachola, diretora clínica do Hospital Veterinário do Algarve e responsável por esta valência.
Joel Ferraz diz à VETERINÁRIA ATUAL que “os coelhos recebem duas vacinas, para a mixomatose e doença hemorrágica vírica”, sendo a revacinação anual. Já para os furões “usamos as vacinas de cães” para Esgana, Parvovirose (anual) e Raiva (de três em três anos), uma vez que as doenças são idênticas”, refere Patrícia Cachola, adiantando que “também temos muitos roedores, como porquinhos-da-Índia, mas não há vacinas para eles, apenas fazemos desparasitações”.
O médico veterinário do Porto acrescenta que “vacinamos ocasionalmente outros carnívoros, como guaxinins e doninhas fedorentas. E, no caso dos porcos anões (mini pigs) que estão muito na moda, também há vacinas, mas são muito caras e nem há doses só para um animal, só para explorações. Mas também é raro um animal que esteja em casa contrair doenças”.
Joel Ferraz refere que há igualmente algumas vacinas para aves que não são comercializadas em Portugal, mas temos vacinas de grupo para pombos e canários que usamos para criadores que tenham muitos animais. Para os répteis não há vacinas, mas “como têm muito parasitas, fazemos muita profilaxia”.