Em 2012 apresentou no Parlamento Europeu, a convite dos eurodeputados, a proposta “Animais de Companhia: Reconhecimento Europeu” integrado no documento “Ideais, perspetivas e soluções jovens para a Europa”. Em que consistiu esta proposta?
Em primeiro plano esse documento analisava o conceito de animais de companhia, atribuindo ao ser humano a responsabilidade da sua sobrevivência. Considerava que o Homem, ao ter domesticado estas espécies, foi o protagonista da sua clara dependência nos seres humanos para subsistir e da sua perda de instintos de sobrevivência. Concluía portanto que existe uma obrigação histórica de lhes proporcionar igual direito à vida, mais que considera-los meras posses materiais. Num segundo ponto decorria sobre as diferentes perspetivas dos direitos dos animais, no contexto europeu, as responsabilidades do detentor em termos de bem-estar e saúde e a evolução da regulamentação comunitária nesta matéria, assim como destacava algumas diferenças e lacunas, nomeadamente no que se referia a maus tratos animais. Por fim terminava com a proposta de algumas medidas que visavam essencialmente uniformizar, ao nível da União Europeia, a responsabilização e os deveres dos detentores, os direitos dos animais (um tribunal europeu dos direitos dos animais), a fiscalização e as sanções, a generalização do acesso a cuidados médico-veterinários (rede europeia de cuidados médico-veterinários, dedução fiscal) e ações concertadas a nível europeu para a problemática dos animais errantes.
Como surgiu a ideia de desenvolver este documento?
Surgiu no seio do grupo que foi convidado a visitar o Parlamento Europeu, cada um na sua área de formação, ou noutra em que se sentisse à vontade para dar o seu contributo.
Porque escolheu a profissão de médico veterinário? Era um sonho?
Na altura foi um pouco complicado decidir. Tinha a certeza que queria trabalhar na área da saúde. No entanto precisava de um critério decisor para eleger uma profissão. A conciliação desta atividade com o gosto que sempre tive por animais levou a que, após alguma reflexão, considerasse a Medicina Veterinária como a profissão que me daria mais satisfação no futuro.
O que achou do curso? Correspondeu às expectativas?
O curso é muito longo. Não que não seja necessário, mas é demasiado maçudo e teórico. Há conteúdos que são totalmente desnecessários e outros que ficam por abordar. Mas a principal falha é a diminuta componente prática, seja pelo significativo excesso de alunos ou pela falta de casuística. Posso dizer que ficou aquém das expectativas.
Foi importante para a sua carreira ter sido coordenador do Departamento de Educação Médico-Veterinária da ANEMVet e membro da direção da AEMV_UTAD (2010/2011)?
Sempre considerei que a democracia, mais que um direito é um dever, pelo que desde cedo me interessei e procurei ser um cidadão ativo. O associativismo foi apenas mais uma forma de cumprir esse preceito. A principal repercussão desses cargos associativos é pessoal, um associativo cria competências várias que lhe são exigidas no contexto de associação, seja organização de eventos, trabalhar em equipa, sob stresse, cumprir prazos, saber ouvir e fazer-se ouvir, conciliar diferentes perspetivas para alcançar objetivos comuns, entre muitos outros. Mas a principal satisfação no associativismo é a representação dos associados, dando-lhes voz nas reivindicações e opiniões. É gratificante obter mais e melhor para aqueles que representamos.
Hoje em dia os alunos estão algo desligados da vida associativa. Concorda? O que têm a ganhar em ter uma vida associativa mais ativa?
A minha experiência associativa leva-me a discordar. Assim como há cidadãos ativos, interessados por aquilo que lhes diz respeito e cidadãos passivos, alheados completamente da vida em sociedade, o mesmo acontece com as associações e seus associados.
Também foi embaixador da WikiVet (2011-2013). Em que consistiu este projeto?
A WikiVet é um projeto internacional que começou em 2007 em Cambridge e corresponde em larga medida à Wikipédia, com uma grande diferença: o conteúdo é exclusivamente sobre Medicina Veterinária e é revisto por especialistas. Quando aceitei ser embaixador deste projeto, o que se pretendia era a divulgação da WikiVet junto da comunidade veterinária, bem como iniciar a presença da minha universidade na WikiVet, dois objetivos que penso terem sido cumpridos e que corresponderam a uma primeira fase neste projeto. Neste momento tenho estabelecido alguns contactos com a atual direção da associação de estudantes para que alguém assegure a continuidade neste projeto, uma vez que a anterior direção não encontrou nos seus quadros qualquer interesse e/ou disponibilidade.
Realizou estágios em Espanha e EUA. Como classifica essas experiências?
Muito enriquecedoras.
As realidades são muito diferentes de Portugal?
Em relação aos Estados Unidos da América a diferença é abismal devido à própria consciência da população. Há abertura para um cuidado veterinário mais adequado, até pelo próprio sistema de seguros que está montado. Pratica-se uma verdadeira medicina veterinária. Já em relação a Espanha a diferença não é tão notória. Esta diferença prende-se essencialmente com a consciência e abertura da sociedade para a necessidade dos cuidados médico-veterinários.
O que aprendeu?
Adquiri essencialmente competências no âmbito profissional, vi outras formas de estar na profissão e de atuar quer para com os pares, quer para com a população em geral. Mas essencialmente aprendi que ser Médico Veterinário exige dedicação e disponibilidade, absorve a maioria do nosso tempo, mesmo aquele que consideramos livre e pessoal.
Quais os seus projetos para o futuro?
Não penso muito no futuro, idealizo muitas vezes onde gostaria de estar daqui a 10, 20, 30 anos, mas não encaro esses pensamentos como projetos. No entanto, no presente e à medida que vão surgindo agarro com extrema dedicação os projetos em que participo. Como disse anteriormente, acho que mais que um direito, a democracia é um dever e faço por estar ativo no presente, não no futuro.
Como vê a medicina veterinária em Portugal?
Infelizmente o prognóstico é grave. Há demasiadas universidades (somos o 5.º país com mais universidades da Europa, somos o 12.º mais populoso e somos o 2.º país com a maior oferta educativa de medicina veterinária por habitantes), temos estudantes a mais (mais de metade do Reino Unido que tem seis vezes a nossa população), temos demasiados veterinários (temos um rácio de 4.6 veterinários para 10.000 habitantes, muito superior ao da França ou do Reino Unido, 2.5 e 3.0 respetivamente, países com seis vezes mais população e com uma abertura da sociedade para os cuidados médico-veterinários muito mais enraizados). Entre 1998 e 2014 passamos de 2375 para 5903 veterinários, um aumento de quase 150%. Nos próximos dez anos formar-se-ão aproximadamente 4800 veterinários, o que significará a duplicação da população veterinária portuguesa face à atual. A abertura desmedida de CAMV’s que temos presenciado, sem qualquer critério de lógica de mercado, harmonizando procura e oferta, condição a que obedece por exemplo a abertura de farmácias, leva a situações de concorrência prejudicial, que resultam na incapacidade de subsistir dos velhos e novos CAMV’s. Assistimos cada vez mais à usurpação de funções médico-veterinárias por outras atividades profissionais, aqui a não publicação do ato médico veterinário prejudica e legitima essas usurpações. E é deveras preocupante. A falta de reconhecimento social é gravosa, quando somos um pilar no assegurar da saúde pública e aqui acrescento que é ultrajante sermos dos poucos países a nível europeu em que a Medicina Veterinária não é parte do Ministério da Saúde, quando praticamos medicina, promovemos a saúde em toda linha de ação e em todas as vertentes da Medicina Veterinária. Poderia alongar-me muito mais, mas resumidamente penso serem estes os principais sinais que contribuem para o meu prognóstico grave e para uma profissão cada vez mais precária.
Acha que os veterinários deviam ‘preocupar-se’ em informar a sociedade sobre a importância do seu trabalho?
Para mim é fundamental e urgente trabalhar a imagem da Medicina Veterinária na sociedade! É algo que deve partir de todos nós no dia-a-dia, devemos unir-nos para projetar a classe. Obviamente que é preciso algum marketing comercial associando-o a marketing social, porque a nossa função e importância na sociedade passam despercebidas para a maioria dos portugueses. Ações de divulgação são prementes! As redes sociais podem ser usadas beneficamente nesse sentido, não descurando a rádio e televisão, onde seria relevante uma presença frequente da classe e o assinalar de dias importantes com mensagens sobre a profissão. As escolas podem constituir uma pilar com efeitos a longo prazo, uma vez que os atuais alunos serão os proprietários do futuro. Precisamos de dizer que existimos e mostrar às pessoas aquilo que todos os médicos veterinários sabem: a sociedade sem nós não aguentaria muito tempo.
O que gostaria de mudar na veterinária em Portugal?
Gostaria de criar mecanismos que contribuíssem para uma Medicina Veterinária mais sustentável em Portugal. Com esses contribuir para o fim da precariedade da e na profissão e tornar os investimentos seguros, impossibilitando a abertura de CAMV’s sem estudos de mercado que atestassem a sua necessidade.
Como vê a saída de jovens veterinários para o estrangeiro por não conseguirem encontrar trabalho em Portugal?
É sempre de lamentar que seja necessário sair do país, deixando família e amigos, para dar os primeiros passos no mercado de trabalho ou encontrar uma remuneração que assegure autonomia financeira. Considero também absurdo o despesismo que ocorre na formação dum número de veterinários excessivo, situação semelhante ao que acontece por exemplo na enfermagem. Estamos a investir para exportar a custo zero. Estamos a gastar erário sem necessidade. Esse investimento público, pago por todos os portugueses, poderia ser canalizado para criar melhores condições a um outro número, necessariamente menor e que correspondesse às reais necessidades do país em termos de médicos veterinários.
Muitos veterinários procuram uma especialização no estrangeiro para se diferenciar face à concorrência. O que acha da inexistência de especialidades em Portugal?
Os documentos legais relativos ao reconhecimento das qualificações profissionais que engloba entre outros a medicina veterinária não reconhecem qualquer especialidade médico-veterinária, no contexto europeu ou nacional. Houve no entanto, em 2001, a iniciativa por parte da OMV com a criação de três colégios de especialidade, de tentar lançar um elemento diferenciador e reconhecedor da dedicação e do mérito dos profissionais existentes, contudo com repercussão praticamente nula. Existem por outro lado os colégios europeus de especialidade sobre a alçada do EBVS que têm sido acolhidos com maior ou menor expressividade pelos Estados-membros, com alguns deles a abandonar os seus colégios nacionais em favorecimento dos europeus como é o exemplo do Reino Unido. Considerando o contexto de integração europeia em que nos encontramos e do qual não podemos alhear-nos penso que a especialização passará pela transposição para o âmbito nacional do que já existe a nível europeu e não pela criação de um obstáculo nacionalista que atrase essa inevitável uniformização europeia. Independentemente do modelo de especialização que venha a ser adotado é preciso batalhar pelo seu reconhecimento legal. Mais importante ainda será aferir se a sociedade portuguesa estará disposta a valorizar e remunerar justamente o esforço desses colegas, até porque o que se tem verificado é que aqueles que optam por especializar-se, para deterem um elemento diferenciador face aos demais, acabam por não encontrar abertura nacional para regressar optando por ficar no estrangeiro onde a sua necessidade, reconhecimento e remuneração são muito superiores.