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Os veterinários têm de começar a mentalizar-se que temos todos de trabalhar em grupo

Os veterinários têm de começar a mentalizar-se que temos todos de trabalhar em grupo

Foto: @2014 University of Georgia College of Veterinary Medicine/Sue Myers Smith

Sempre gostou de equinos e na adolescência planeava a vida em função dos fins-de-semana passados no campo a montar a cavalo. Este interesse inato, e os poucos contactos no meio, levaram-no a seguir os estudos nos EUA, onde está a fazer uma residência em Medicina Interna de Grandes Animais. O sonho passa por voltar a Portugal e apostar na referenciação.

Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?

Estou a fazer uma residência (especialidade) em Medicina Interna de Grandes Animais, com foco especial em equinos e ruminantes. Ao mesmo tempo estou a fazer um doutoramento em cardiologia de cavalos. Porquê esta área? Quando era miúdo planeava a minha vida em função dos fins-de-semana passados no campo, a montar a cavalo e não só. Entrei em veterinária com o objectivo de trabalhar com grandes animais, sempre com um interesse especial em cavalos. Sem contactos no ‘mundo dos cavalos’, as esperanças de empregabilidade eram escassas, mas decidi seguir o sonho que até agora tem corrido bem. Quanto à Medicina Interna, esta área sempre me fascinou pelo facto de nos dar a capacidade de entender as respostas do organismo a várias doenças. Só com esse conhecimento é que se podem fazer diagnósticos plausíveis e implementar tratamentos racionais. Dentro da medicina interna, a cardiologia sempre foi um tema em que tinha facilidades, talvez devido a um interesse inato.

 

Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?

Perto do final do curso, um amigo informou-me que haviam vagas para internato de grandes animais na Faculdade de Veterinária de Gent, Bélgica. Nesse momento comecei a sonhar. Concorri, visitei e tal era o meu entusiasmo (ou empenho) que fui aceite para o meu primeiro internato.

 

O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?

Enquanto estudante de veterinária, na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa, sempre me revoltou o facto de aprendermos tão pouco sobre cavalos. Como membro do conselho pedagógico sempre obtinha a mesma resposta: “O curso só pode ter cinco anos”. No 4° ano da faculdade fiz um curto estágio num hospital de cavalos em Espanha. Apercebendo-me de que a medicina veterinária de cavalos não se restringia ao trabalho de campo, abri de imediato os olhos para o Mundo. Digo Mundo porque não tinha, em Portugal, ninguém que me pudesse ensinar o que tenho aprendido desde que saí do país, em 2008. Quando acabei o curso nunca equacionei procurar trabalho em Portugal porque simplesmente não senti que tinha os conhecimentos necessários para oferecer serviços veterinários de qualidade a cavalos.

 

Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal nos EUA? O que faz?

Não me sinto capaz de responder a esta pergunta na totalidade porque, em Portugal, não há nenhum programa semelhante aos meus internatos da Bélgica e Canadá, ou residência nos EUA. De qualquer forma, a filosofia nos EUA é viver para trabalhar em vez de trabalhar para viver, sendo este último um estilo de vida mais Europeu e, na minha opinião, mais saudável. Estando a fazer um programa duplo de residência e doutoramento, os meus dias são bastante intensos. Mas foi o que escolhi. É cansativo, mas acho que vai valer a pena. Mais importante que isso acho que devemos falar nas oportunidades de doutoramentos, mestrados ou simplesmente para fazer investigação, possibilitando aos mais jovens subir na carreira. É óbvio que o dinheiro disponível para investigação em Portugal é escasso, comparando com os EUA, mas os países por onde tenho passado têm uma mentalidade diferente da nossa. Em Portugal dá-me a sensação que pessoas com cargos importantes tentam manter o seu estatuto afastando jovens com “mentes dinâmicas” e, se por acaso trabalham com eles, impõem-lhes um travão no progresso da carreira. Já na Bélgica ou EUA, pessoas com cargos importantes procuram as “mentes dinâmicas” para os trazerem para a sua equipa, oferecer formação e, juntos, serem os melhores.

 

Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem à vida nos EUA?

Viver fora de Portugal tem as suas coisas boas e más. É sem dúvida uma grande experiência de vida, mas isto inclui o facto de estar integrado numa cultura totalmente diferente, onde as pessoas trazem o almoço para a faculdade num tupperware, onde o café vem em “baldes” e onde não há esplanadas decentes ou cafés com bom ambiente para se estar a beber uma cerveja com amigos ao fim da tarde. Quanto à adaptação, tenho a sorte de estar a trabalhar numa universidade, com muitas pessoas diferentes e onde é fácil fazer amigos. Portanto não tem sido difícil.

Do que mais tem saudades de Portugal?

Principalmente tenho saudades da família e dos amigos! Claro que sinto muita falta da boa e barata comida portuguesa. Por fim, o mar, não necessariamente de mergulhar no mar, mas simplesmente o som das ondas, o cheiro, a maresia e as cervejas ao pôr-do-sol.

Quais os seus planos para o futuro?

O plano é acabar tudo aqui pelos EUA em dois anos e voltar a Portugal. Se não conseguir voltar a Portugal imediatamente, quero pelo menos voltar para a Europa. Desde que saí de Portugal que o plano é voltar.

Qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?

O objectivo de voltar a Portugal é tentar trabalhar numa universidade. Estando sediado numa instituição académica poderei fazer clínica e continuar a fazer investigação. Além disso poderei ensinar aquilo em que, enquanto estudante, não tive ninguém que me ensinasse. Finalmente, e tão ou mais importante, o plano passa também por dar apoio aos veterinários de campo com palestras, a reforçar e actualizar conhecimentos em diversas áreas da medicina interna. Ao mesmo tempo estarei acessível para ajudar com casos complicados, por chamada telefónica, email ou possivelmente saída de campo. Da mesma forma vou poder receber esses mesmos casos no hospital da faculdade, complementando a qualidade dos serviços veterinários oferecidos no nosso país. É importante reforçar o facto de que o meu ensino é bastante especializado e o objectivo é trabalhar num centro de referência, não roubando clientes a ninguém, mas simplesmente oferecendo serviços para casos complicados ou que necessitem cuidados mais intensivos. Sonhando ainda mais longe, depois de tudo estar a funcionar, poderemos finalmente credenciar pelo Colégio Europeu de Medicina Interna (European College of Equine Internal Medicine) um hospital universitário português. Desta forma poderemos começar a formar mais diplomados, tal como tem vindo a ser sugerido, por diversas ocasiões, pelo colégio europeu. Para tal já temos cirurgiões diplomados a trabalhar em Portugal e pelo menos mais dois colegas a fazer a residência de medicina interna nos EUA/Canadá, cujo programa é reconhecido pelo colégio europeu.

Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?

O meu conselho é o mesmo que me deram a mim. Descobre qual é a área em que tens um maior interesse e investe nisso. Como uma grande amiga me costumava dizer, “o querer tem muita força” e mais tarde ou mais cedo vais estar a trabalhar em algo que te estimula e faz feliz. O mais importante é não desistir e não nos deixarmos ir abaixo quando encontramos um obstáculo (ou dois, ou três…).

Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?

Em Portugal acho que as pessoas ainda têm muito medo de perder os seus clientes, sacrificando por vezes a saúde e o standard of care dos animais. É certo que estamos em tempos de crise, mas acho que os veterinários têm de começar a mentalizar-se que temos todos de trabalhar em grupo, partilhando experiências e aprendendo com os colegas/amigos. Especializar mais os serviços poderia dar emprego a um maior número de pessoas. Há bastantes médicos veterinários portugueses pelo Mundo que já são diplomados ou estão a fazer residências em diversas áreas. Incentivando-os a voltar poderia completar os serviços veterinários oferecidos no País e isso não teria necessariamente que ser sinónimo de perder clientes. Gostava de enfatizar uma vez mais o facto de estar a falar de pessoas diplomadas pelos vários colégios europeus nas suas respectivas especialidades. Estes indivíduos querem receber os casos em centros de referência e, uma vez que os cuidados necessários tenham sido prestados, o caso volta para o veterinário inicial, para que este ofereça um serviço mais pessoal e continuo. É assim que alguns países têm lidado com o avanço da medicina veterinária.

Qual o seu sonho?

O meu sonho é voltar a casa e implementar todos os projetos que falei anteriormente. Vai dar bastante trabalho e vou ter de ser forte para superar muitas frustrações e má vontade das pessoas, mas estou confiante de que vai resultar. E quando este sonho se realizar espero ter outros sonhos, para que a vida continue!

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