Abriu no início de junho, em Lisboa, dedica-se exclusivamente a oftalmologia veterinária, e pretende trabalhar em parceria com os médicos veterinários generalistas. No novo espaço, a aposta em formação e investigação é também uma realidade, privilegiando-se o trabalho multidisciplinar e em equipa.
É uma clínica com um espaço generoso, num total de 200 m2, e dividida em sala de espera para cães e para gatos logo à entrada, perto da receção. A equipa da VETERINÁRIA ATUAL visitou as instalações da Vetvisão, em Nova Campolide, na capital, em vésperas de abrir portas ao público. A inauguração aconteceu no passado dia 2 de junho e a clínica foi pensada de raiz, projetada com a ajuda de uma equipa de arquitetos e designers para que espelhasse o cuidado que a diretora, Ana Paula Resende, tem na sua área de atuação.
Quando se entra no novo espaço, a luz natural e a decoração cuidada antecipam uma boa experiência. Com uma mistura entre o branco e pormenores em madeira, a clínica irá dividir os dias com cirurgias durante a manhã; recuperação dos pacientes, em recobro, na parte da tarde; e consultas. O objetivo deste novo projeto é claro: tornar-se numa clínica exclusivamente para referência em oftalmologia veterinária.
A paixão por oftalmologia surgiu quando a médica veterinária ainda estava na faculdade, no decurso de um dos vários estágios que fez no Hospital Escolar da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Autónoma de Barcelona (UAB). “Na época, não havia opcional em oftalmologia e a formação nesta área era muito básica. Senti a necessidade de ir aprender um pouco com quem já fazia melhor, e acabei por descobrir que gostava e estava vocacionada para uma prática em tudo o que era minucioso.”
Posteriormente, diplomou-se em Oftalmologia Veterinária pela UAB e nunca mais abandonou esta área. “Fui fazendo formação, tanto médica como cirúrgica, incluindo microcirurgia, sempre no estrangeiro. Integrei o grupo REOVVA (European Network in Veterinary Ophthalmology & Animal Vision), em 2012, uma rede com cerca de 30 oftalmologistas de toda a Europa, com duas reuniões anuais para discussão de casos clínicos, projetos de investigação multicêntricos e constante atualização de SOP (Standard Operating Procedures)”, conta. Em Portugal, Ana Paula Resende doutorou-se na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-ULisboa) na área de Neuroproteção em Glaucoma.
Depois de 11 anos a trabalhar em regime de prestação de serviços em várias clínicas, deslocando-se com o seu próprio equipamento, chegou a uma fase em que era incompatível dar resposta a todas as solicitações. Apesar de considerar o princípio de carreira “muito gratificante por ter aprendido imenso com os colegas e com as diferentes formas de trabalhar”, diz, surgiu a ideia de criar um espaço onde pudesse estar a tempo inteiro. Esteve na Vetvisão – Centro Veterinário de Benfica, criado em 2013, com serviços de várias áreas, e, passados cinco anos, optou por continuar o seu caminho e criar este novo espaço (mantendo o nome de Vetvisão), que se dedica exclusivamente à área de oftalmologia, uma vez que atualmente já existe casuística que justifique o investimento. “Há uns anos, o volume de trabalho não era suficiente para abrir uma clínica dedicada apenas a esta área. O projeto foi crescendo com a quantidade de colegas a referenciarem os seus pacientes para os meus serviços e foi assim que decidi avançar”, explica.
Equipamentos diferenciadores
A nova clínica, aberta de segunda a sexta-feira, das 10 h às 18 h, e com contacto permanente para urgências, conta com uma “equipa composta por auxiliar e uma enfermeira, e três médicas veterinárias que trabalham como colaboradoras externas, com muita experiência em áreas particulares, nomeadamente, anestesias em cirurgias intraoculares que requerem algumas especificidades, como o bloqueio neuromuscular, por exemplo”, explica a diretora clínica. Atualmente, Ana Paula Resende exerce a sua prática clínica em exclusivo na Vetvisão, a par de dois hospitais, sempre que há necessidade.
Com consultórios exclusivos para cães e gatos, bloco cirúrgico, recobro separado por espécies, a clínica cat friendly foi pensada para o bem-estar animal: “Um gato que entre em consulta stressado é muito mais difícil de observar. Assim, todas as partes ganham.”
A Vetvisão dispõe de um conjunto de equipamentos diferenciadores – onerosos, mas que permitirão dar uma melhor resposta aos pacientes e aos tutores. “Temos uma ultrabiomicroscopia (UMB), um ecógrafo de alta resolução com uma sonda que permite fazer ecografias de segmentos anteriores do olho. Investimos também recentemente numa lâmpada de fenda fixa, também usada em medicina humana, que tem muito melhor definição, e temos um aparelho de anestesia de topo de gama que nos vai dar maior tranquilidade ao nível cirúrgico”, explica a diretora clínica.
Outros equipamentos mais básicos e essenciais para quem faz oftalmologia também fazem parte da Vetvisão, como por exemplo, tonómetros, oftalmoscópios diretos e indiretos, microscópio cirúrgico, aparelho de facoemulsificação para resolução de cataratas, ecografia ocular e eletrorretinografia.
“O objetivo é crescer e conseguir investir em equipamentos mais especializados para prestar um serviço cada vez melhor, porque ainda temos muito para andar. Além disso, a formação tem de ser contínua e também é dispendiosa. Para podermos acompanhar a evolução, temos de viajar várias vezes ao ano para o estrangeiro”, explica a médica. Os médicos veterinários generalistas acabam por estar mais limitados nesta especialidade, sobretudo pela falta de meios que permitem diagnosticar corretamente doenças oftalmológicas. “Os equipamentos são mesmo muito caros e inviáveis de serem pagos numa clínica de primeira linha.”
É por isso que os principais clientes da Vetvisão são os colegas da classe. “Noventa a 95% do trabalho que fazemos atualmente é com clientes que foram referenciados por outros médicos veterinários, sobretudo nos grandes centros urbanos. Por norma, não são clientes que nos procurem diretamente. A realidade é um pouco diferente da vivida no interior, embora eu receba casos de várias zonas do País. Os colegas vão estando cada vez mais sensibilizados para este trabalho multidisciplinar, que era algo para o qual havia um pouco de resistência no começo”, explica Ana Paula Resende, acérrima defensora do trabalho em equipa pelas vantagens que proporciona.
Quanto mais cedo se recomenda que um animal seja visto numa consulta de oftalmologia, normalmente melhor é o prognóstico. “Os colegas também já vão tendo perceção das situações que são graves e que devem ser imediatamente referenciadas. Aparecem-nos todos os tipos de casos, e infelizmente, em alguns deles, os tutores deixam arrastar o processo. Por outro lado, a partir do momento em que um clínico geral sugere uma consulta connosco, se os tutores acatarem a sugestão, é sinal de que estão motivados e com predisposição para seguir e aceitar o tratamento que recomendamos”, afirma a diretora clínica.
Aposta na formação e em investigação
A Vetvisão não vai dedicar-se apenas à prática clínica. Ana Paula Resende começou a dar aulas recentemente na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e a clínica vai ser palco de aulas práticas para alunos da disciplina de cirurgia do quarto ano e para alunos de quinto ano da disciplina opcional de Oftalmologia, que podem assim conhecer novas técnicas a que normalmente não teriam acesso. “Vamos apostar também na investigação”, partilha. A ideia é formar os futuros profissionais para que consigam dar uma resposta cada vez melhor aos casos de oftalmologia com que se irão deparar na sua vida profissional.
Ana Paula Resende tem acompanhado a evolução ao nível da docência, desde o ano em que se licenciou, em 2005, e nota que a nova geração já está mais sensibilizada para a importância do trabalho multidisciplinar. “Quando eu acabei o curso, não existiam as disciplinas opcionais que estão disponíveis hoje e que vieram colmatar a falha que havia na formação”, defende. Com a demonstração de interesse por parte de colegas, mas também de alunos que pretendem seguir esta área, a Vetvisão abre portas para a solidificação de conhecimentos. “Num curto espaço de tempo, seremos cada vez mais.”
Quando compara a oftalmologia veterinária em Portugal com outros países da Europa, Ana Paula Resende tem como exemplo os centros que pertencem à REOVVA. “[São] dotados de equipamentos mais avançados, têm uma casuística muito maior e vários profissionais a trabalhar só nesta área. Há técnicas e meios que já estão disponíveis noutros países, e não existem a nível nacional, porque são muito caros. Em Portugal, surgem alguns casos que temos que referenciar para o estrangeiro”, comenta.
Os desafios da especialidade são muitos e conhecidos. Há doenças oculares que são uma repercussão de uma doença sistémica e, às vezes, não é só o olho que está em risco, mas todo o animal. O glaucoma é uma doença com uma evolução muito rápida no cão e que frequentemente culmina em cegueira do paciente. Temos também um grande trabalho a fazer nas doenças oculares genéticas, porque os criadores continuam a criar animais com problemas genéticos, que vão transmitindo às suas descendências, e esse é um trabalho que temos de fazer em prol do bem-estar dos nossos animais”, explica. A cirurgia vitreorretiana constitui também um desafio, pois, segundo a especialista, está disponível em poucos centros no mundo, com resultados pouco animadores.*
Ana Paula Resende defende que há muito para se fazer pela oftalmologia veterinária no País. Foi com esse foco que abraçou este novo projeto. Planos para o futuro? “O objetivo é ampliar o corpo clínico na área de oftalmologia. Quanto mais soubermos e trabalharmos, mais podemos reinvestir e prestar um melhor serviço”, diz. “[Este] é um local de parceria com os colegas, para que todos trabalhem em colaboração direta.”
* Nota da redação: Segundo o médico veterinário Rui Oliveira, e ao contrário do que havíamos noticiado anteriormente, as cirurgias vitreorretinanas já são realizadas em Portugal, uma vez que o próprio se tem dedicado às mesmas – dentro e fora do País – desde o ano de 2017.