Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área de especialidade é a Neurologia e a Neurocirurgia e foi no último ano da universidade que surgiu o meu interesse por esta área. O que mais me fascinou foi o facto de, ao realizar um exame neurológico completo, poder localizar a lesão no sistema nervoso. Durante o estágio tive a sorte de contactar com diferentes clínicos que me ajudaram a enriquecer o conhecimento e paixão por esta área e fortaleceram o meu interesse pela especialização.
Considero que a Neurologia é uma especialidade muito completa, onde não se cai na rotina. Ao exercê-la é necessário ter um bom conhecimento sobre outras disciplinas, como medicina interna, ortopedia, entre outras, sem esquecer a neuroanatomia, ter experiência na interpretação de provas de imagem, como radiografias simples, imagens de ressonância magnética ou TAC e, além dos casos médicos, também envolve casos cujo tratamento é cirúrgico.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?
O facto de ter estagiado fora de Portugal deu-me a conhecer a existência de internatos rotatórios e programas de especialização reconhecidos a nível europeu, que não eram até essa altura divulgados no nosso país. Dado que em Portugal não existia nenhum centro que pudesse oferecer este tipo de programas, e como tinha muito claro que queria especializar-me, fui obrigada a sair do país em busca do meu sonho.
Um dos requisitos para a especialização é a realização de um internato geral e foi num hospital privado em Barcelona (Hospital Ars Veterinaria) onde dei o primeiro passo. Para consegui-lo concorri a um concurso público, anunciado na Universidade de Barcelona, do qual consegui ser selecionada para ir à entrevista final, que correu melhor do que esperava. Fiz as malas e fui para Barcelona.
Onde está a trabalhar neste momento?
Agora estou em fase de transição. Depois de terminar a residência na Universidade Autónoma de Barcelona, surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o Hospital Ars Veterinária, onde tinha realizado o internato geral. Estive a trabalhar neste hospital como neurologista durante um ano e meio, mas entretanto surgiu um novo desafio para ir trabalhar para um hospital privado de referência em Inglaterra, o qual aceitei
Como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Os dias de trabalho no hospital costumam ser bastante intensos e muitas vezes inesperados, uma vez que a neurologia vive muito de urgências. Um dia normal no hospital começa com a avaliação dos pacientes neurológicos que estão hospitalizados, seguido por consulta de novos casos (a maioria referidos por outras clínicas), realização de provas de diagnóstico diversas (mielografia, interpretação de RM, extração e avaliação de LCR), execução de cirurgias (algumas programadas, outras realizadas de urgências), discussão de casos com estudantes – internos, residentes e clínicos – e geralmente termina com telefonemas aos donos e veterinários referentes. Embora nem sempre seja fácil, durante o dia ainda se procura encontrar tempo para discutir artigos ou tópicos que foram propostos para essa semana.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Estar fora de casa nem sempre é fácil, sobretudo naqueles momentos em que surgem adversidades, e também naqueles em que queremos compartilhar as vitórias alcançadas com as pessoas que mais gostamos. Mas apesar de tudo considero ter-me adaptado facilmente e considero que tive muita sorte por ter vivido em Barcelona, uma cidade que passou a ser tão especial. O facto de, durante a residência, ter estado inserida num ambiente em que havia outras pessoas em circunstâncias similares à minha (outros estrangeiros ou espanhóis de outras cidades a fazerem especialização), fez com que se criassem laços de amizade entre colegas.
Por outro lado, a cidade proporciona uma vivência muito agradável, não só pela história e valioso património monumental, como pela vida cultural, comercial e criativa, não esquecendo a gastronomia, clima mediterrâneo, a praia e a proximidade com a montanha. Até a língua é algo fácil de aprender devido à similitude com o português.
Quais os seus planos para o futuro?
Quando comecei a residência em Barcelona tinha como objectivo voltar para Portugal depois de terminar a especialização. Entretanto, tudo mudou quando me propuseram ficar a trabalhar num centro de referência em Barcelona. Desde esse dia decidi não fazer planos a longo prazo e deixar-me levar pelos acontecimentos do dia-a-dia. No entanto há duas coisas que gostaria de por em prática: uma delas é fazer o doutoramento e a outra é voltar a Portugal quando surgir uma boa oportunidade.
Qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver em Portugal?
Sempre gostei muito do ambiente académico e gostava de dar aulas na universidade. Parte das minhas funções durante a residência foi formar estudantes, internos e estagiários, e foi a partir desta experiência que constatei o gosto por ensinar. Outro projeto que gostaria de desenvolver era um centro de referência em neurologia, onde pudesse avaliar, investigar e tratar, tanto médica como cirurgicamente, casos referidos por outros colegas
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Infelizmente desde que deixei o país, há oito anos, o contacto que tive com a realidade veterinária portuguesa foi muito reduzida. No entanto sou consciente do descontrolo que há no número de veterinários que se formam cada ano e isso reflete-se no desemprego e nas condições adversas que a classe está a atravessar. Sei que a crise que se está a viver no país também não ajuda para o desenvolvimento do sector.
Por outro lado, tenho a perceção que ainda há algum desconhecimento e desinteresse por parte da classe veterinária portuguesa para as especialidades certificadas pelos diferentes colégios europeus, as quais são cada vez mais valorizadas nos nossos países vizinhos. Portugal ainda tem um caminho largo a percorrer e a mudança que é necessária na veterinária não depende apenas da condição económica do país, mas também da mentalidade e atitude da própria classe médico-veterinária.
Qual o seu sonho?
Poder regressar ao nosso país e ter a família perto, exercer a minha profissão com o nível para a qual fui formada ao longo destes anos, construir uma família e proporcionar-lhe a melhor qualidade de vida possível.
Nota: Entrevista publicada na Veterinária Atual nº 85/Julho-Agosto 2015