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Veterinários Portugueses pelo Mundo

Luís Ricardo Silva: “Se queres fazer Deus rir, conta-lhe os teus planos”

Luis Ricardo Silva veterinariaatual

Médico veterinário de clínica geral, East Riding of Yorkshire, Reino Unido

Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?

 

Desde que me candidatei à Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa sempre tencionei dedicar-me à medicina e cirurgia de pequenos animais. Na altura pareceu-me a área da medicina veterinária que estava mais desenvolvida e que, ao mesmo tempo, permitiria um acompanhamento mais de perto dos casos clínicos. Neste momento encontro-me a trabalhar numa clínica de pequenos animais, no East Riding of Yorkshire, onde exerço há seis anos.

Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?

 

Em 2006 soube de vários colegas que estavam a emigrar para o Reino Unido para trabalhar em Inspeção Sanitária. Estamos a falar dos anos após a descoberta da Encefalopatia Espongiforme Bovina e em que o risco para a saúde publica ainda estava por averiguar. Havia na altura uma grande necessidade de veterinários para preencher vagas em matadouros. Quando decidi emigrar contatei diretamente com o Meat Hygiene Service, que me direcionou para empresas que estavam a recrutar veterinários. O processo de recrutamento envolveu uma entrevista em Madrid, mas no geral foi rápido e em cerca de dois meses estava de malas aviadas para o Reino Unido. Trabalhei na área de inspeção dois anos (a maior parte do tempo no País de Gales) ate que surgiu a oportunidade de trabalhar numa clínica de pequenos animais em Inglaterra.

O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?

 

Foi um conjunto de circunstâncias. Por um lado foi o facto de não conseguir ser financeiramente independente e estar a depender dos meus pais mais do que desejava. Por outro estava a sentir-me estagnado em termos profissionais e sem grandes perspetivas para que isso mudasse num futuro próximo. Conclui que a vida que estava a levar estava muito longe daquela que tinha idealizado. Curiosamente sempre tinha sido, até aquela altura, avesso à ideia de emigrar, e em particular para trabalhar na área de Inspeção Sanitária. Mas como diz aquela frase: Se queres fazer Deus rir, conta-lhe os teus planos.

Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?

 

Eu já me encontro um pouco desligado da realidade portuguesa (já vivo no Reino Unido há quase nove anos), mas quando iniciei a minha atividade clínica no Reino Unido, uma das coisas que me mais me chamou a atenção foi a qualidade dos serviços prestados pelos laboratórios de análises clínicas. Estes laboratórios, no geral, possuem Patologistas Clínicos extremamente competentes, que tornam as minhas decisões clinicas bastante mais fáceis. Existem também inúmeros centros de referência, muito bem equipados, que permitem investigar ou resolver casos que não poderia tratar numa clínica de primeira opinião. Noto também uma muito maior abertura por parte do público para a esterilização dos animais de companhia. Diria que 80% dos meus pacientes são castrados/ovariohisterectomizados.

O povo do Reino Unido, no geral, é muito dedicado aos seus animais e parece-me existir um maior respeito e apreço pela nossa profissão. Muitos dos meus pacientes têm seguros de saúde, o que facilita bastante o meu trabalho. Os seguros de saúde para animais, no Reino Unido, estão implementados e permitem a muitos donos de animais pagar meios de diagnóstico e terapias que de outro modo seriam demasiado onerosos. Em termos do meu dia-a-dia trabalho cerca de dez horas e, pelo menos uma vez por semana, fico responsável pelo serviço de urgências. As consultas são por marcação, o que me ajuda a organizar o dia, mas também implica ter que fazer decisões clínicas de modo eficiente.

Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem à vida no Reino Unido?

Acho que não tive grande dificuldade em adaptar-me ao Reino Unido. Já tinha conhecimentos de inglês falado e escrito, o que facilitou a transição. Quando cheguei ao Reino Unido para trabalhar em Inspeção sanitária tinha como colegas vários veterinários de outros países da Europa (Espanha, Itália e Polonia maioritariamente) que estavam na mesma situação que eu. Descobrir um país novo, com uma cultura nova, ao lado destes colegas foi uma experiencia inesquecível.

Os primeiros anos no Reino Unido foram como umas férias prolongadas. Sempre que tinha uma folga visitava um monumento ou uma localidade diferente. Quando me mudei para o Yorkshire para trabalhar em clínica de pequenos animais acho que me integrei mais na vida local. O contacto diário com a população da região ajudou a criar amizades e a que não me sentisse tão desconectado. Ao fim de seis anos nesta área, não diria que me sinto em casa (Portugal será sempre a minha pátria) mas quase.

Do que mais tem saudades de Portugal?

Tenho sempre saudades da família e dos amigos. Esta é a resposta óbvia, mas verdadeira. As novas tecnologias e os sites de social media ajudam muito a fazer-nos sentir mais próximos dos que estão longe, mas tento visitar Portugal pelo menos duas vezes ao ano. Nada substitui um abraço e uns bons dedos de conversa cara a cara. Vivendo em Inglaterra não podia deixar de comentar as condições meteorológicas. Tenho sempre saudades da luz de Portugal. Um dia de sol em Inglaterra é uma coisa pálida em comparação com um dia de sol em Lisboa ou Oeiras. Temos uma luz fantástica. Por fim tenho saudades do mar português. Sempre.

Quais os seus planos para o futuro?

Em termos profissionais quero continuar a evoluir. Embora me classifique como veterinário de clínica geral, espero no futuro me poder dedicar mais à medicina felina, uma área que sempre me interessou. Em termos pessoais quero continuar a viajar pelo mundo no meu tempo livre.

Equaciona voltar a Portugal?

Não está nos planos. A minha ideia inicial, quando emigrei, era de viver por cá cinco anos e depois voltar. Já lá vão nove anos e ainda aqui estou, e já não me vejo a voltar. Acho que já me habituei a viver com o coração em dois sítios.

Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?

Portugal tem inúmeras Faculdades de Medicina Veterinária. Da última vez que contei havia pelo menos seis. Isto é um exagero para um país com a nossa dimensão. Já quando andava na faculdade havia a sensação que se estavam a formar veterinários para o desemprego ou subemprego. Presumo que a situação só esteja pior. E embora não me pareça que seja viável fechar faculdades, deveria pelo menos ser exercida pressão para limitar o número de alunos por curso. Para os recém-licenciados aconselharia a, desde cedo, arranjarem uma área de interesse e dedicarem-se a ela. Julgo que a especialização possa ser uma mais-valia num mercado sobrelotado.

Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?

Como disse, já me sinto um pouco desligado da medicina veterinária em Portugal. Tenho vários amigos a trabalhar no país e não me parece que o nível de conhecimento esteja atrás do resto da Europa. Acho que o curso de Medicina Veterinária, do qual fiz parte, nos preparou muitíssimo bem, pelo menos em termos teóricos, para medicina de pequenos animais. Nunca senti que o meu nível de conhecimento estivesse atrás dos meus colegas britânicos. Em termos económicos é difícil comentar diretamente, por já não exercer em Portugal. Nos últimos anos em que trabalhei no país, a crise económica tornava o dia-a-dia dos veterinários muito difícil. Havia poucas posses para tratar os animais, e o publico começava a querer muito por muito pouco.

Qual o seu sonho?

Eu não sou ambicioso. Tenho sonhos simples. Gostaria de poder viver com paz de espirito e uma consciência tranquila. E se não for pedir muito, numa próxima existência, poder viver a vida que sonhei para mim, no país que me viu nascer.

Nota: Entrevista publicada na Veterinária Atual, ed 79, Janeiro 2015

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