As tendências do setor pet acompanham, cada vez mais, as tendências de produtos e serviços para humanos. Qualidade, proximidade, naturalidade e sustentabilidade são palavras de ordem num setor que tem crescido por via da especialização dos CAMV, que apostam em propostas diferenciadas para vencer num mercado cada vez mais concorrencial.
Portugal é um País pet friendly. Os dados do último estudo Track.2Pets, da consultora Gfk, indicam que mais de metade dos lares (56%) em Portugal possui, pelo menos, um animal de estimação. É no mesmo estudo que ficamos a saber que os portugueses olham para os animais de companhia como mais um elemento da família, uma oportunidade para o desenvolvimento de um setor que está apostado em colher os frutos da emergência de um consumidor que não olha a meios para garantir o bem-estar dos seus animais.
Ana Amaral, consultora da VetBizz Consulting, explica que “uma tendência que tem vindo a registar um aumento do volume de negócios, nos últimos anos, é a área de negócio associada a serviços de bem-estar, em particular dos banhos, tosquias e hotel animal”, prevendo-se que “aumente o seu peso relativo no total da faturação [dos CAMV] para entre os 3% e os 5%”.
Diferenciação por via da especialização
De acordo com a consultora, a tendência não é para a criação de novos serviços, mas sim para uma autonomia dos serviços que antes eram subcontratados. “Os médicos veterinários não prescrevem novos exames complementares de diagnóstico ou novas consultas de especialidade. A tendência natural é, dependendo da fase da vida em que a clínica se encontra, para a especialização da própria equipa de médicos veterinários e a aquisição de equipamentos, para não haver a necessidade de referenciar ou subcontratar o serviço. Como mais de 45% dos CAMV no plano nacional têm mais de dez anos, é natural que a especialização seja uma tendência. Esta especialização visa diferentes áreas, de acordo com as necessidades específicas de cada CAMV, nomeadamente: cirurgia, endoscopia, fisioterapia, medicina interna (muitas vezes descurada) ou medicina felina.”
Uma opinião partilhada pela médica veterinária Ana Sousa, do Consultório Veterinário de Vilar de Andorinho do Grupo HVSM, que em 2018 abriu, em Vila Nova de Gaia, um hotel para animais de companhia – o Pet Hotel Gaia.
“Com o crescimento do Grupo HVSM, temos notado que os tutores procuram, cada vez mais, serviços especializados e serviços de proximidade. Por um lado, procuram hospitais e clínicas que tenham médicos dedicados a uma especialidade e já não procuram o veterinário que ‘trata de tudo’. Por outro lado, procuram um serviço personalizado, ou seja, aquele serviço que dá, de facto, atenção ao cliente e principalmente, ao animal”, explica.
Davide Mota, responsável pelo Pet Hotel Gaia, do mesmo grupo, acrescenta que “os animais de estimação são cada vez mais vistos como um membro da família que partilha do mesmo espaço do seu tutor e que coabita com ele. Felizmente, existe uma consciencialização por parte das pessoas em tratar mais e melhor o seu animal de estimação, não só por ser uma obrigação legal, mas porque nutrem um carinho especial para com ele. Por todas estas razões, os tutores procuram serviços que garantam o conforto do seu animal de estimação, o cuidado, a simpatia e empatia, a proximidade com os tratadores, a liberdade do animal e as atividades lúdicas”.
O responsável pelo Pet Hotel Gaia sublinha que, no caso dos hotéis para animais, os tutores de cães tendem a procurar “um serviço que permita ao animal ter conforto e liberdade. Sair do quarto para brincar e socializar com outras pessoas e animais”. No caso dos gatos, a tendência é para a procura “de conforto e um quarto grande com diversão”.
“O serviço de creche canina também é uma tendência em crescimento, muito pela consciencialização que os tutores ganharam e pela relação que mantêm com o seu animal de estimação. Não gostam do sentimento que têm ao deixar o seu cão em casa, todo o dia sozinho, então optam por deixá-lo na creche canina, um serviço que permite a socialização com outros cães e pessoas e onde cresce acompanhado”, acrescenta Davide Mota.
Aumento dos preços e dos salários
A consultora Ana Amaral acrescenta que “sendo o mercado da veterinária um mercado em crescimento, iremos assistir a uma maior aposta na otimização de processos, nos recursos humanos e no marketing”, áreas que, na sua opinião, “serão os pilares da diferenciação dos CAMV”.
“Se, por um lado, a maturidade dos CAMV confere alguma senioridade e agilidade dos processos internos, por outro, assistimos a más práticas implementadas nas equipas que não permitem aos CAMV implementar as mudanças necessárias ao crescimento da empresa […]. No caso dos recursos humanos, a assumida escassez de médicos veterinários é uma tendência que também já se verifica nos enfermeiros veterinários. Por isso, o aumento de 5% a 10% registado nos salários dos médicos veterinários provavelmente também se irá refletir nos salários dos enfermeiros veterinários qualificados. Porém, com a estrutura de custos a crescer, a tendência será o aumento da receita por via da revisão geral de preçário. A realidade é que 25 euros por uma consulta não é um preço justo, considerando a qualificação do médico veterinário e de quem o apoia, seja auxiliar ou enfermeiro. Os preços irão aumentar, no entanto, o aumento não será acentuado nos serviços mais procurados, como consultas, vacinas e cirurgias eletivas”, afirma a consultora.
“Com a pressão da concorrência e dos preços praticados, o negócio gira cada vez mais à volta do cliente. Acredito que o principal fator de diferenciação seja a comunicação com o cliente. A comunicação multicanal com o cliente e a gestão de redes sociais são duas peças fundamentais para a relação e notoriedade das clínicas. No decorrer dos diversos desafios que irão encontrar, os CAMV necessitarão de apoio na gestão. Assim, o cargo de practice manager é uma necessidade para dar resposta à crescente profissionalização da gestão de clientes, colaboradores, fornecedores, processos, operações, entre muitas outras situações da rotina diária de um CAMV. Por fim, perspetiva-se que o mercado veterinário continue com um crescimento superior a dois dígitos nos próximos anos, tornando-se também apelativo para operações de concentração (fusão, aquisição ou venda). Estas operações reequilibrarão o mercado e trarão certamente melhores práticas a implementar”, conclui.
Mercado de alimentação animal em crescimento
Um dos segmentos que contribuirá para o crescimento do setor será a alimentação. De acordo com dados da VetBizz Consulting, atualmente, a alimentação representa cerca de 11% do volume de negócios dos CAMV. Já os dados da Nielsen, partilhados com a VETERINÁRIA ATUAL, indicam que no ano fiscal que terminou em abril deste ano, o mercado de alimentação para gatos cresceu 3% face ao ano anterior, representando agora 108,6 milhões de euros.
A consultora, que analisa apenas vendas em supermercados, hipermercados e canal tradicional, revela que foram vendidos 38,6 milhões de quilos de ração para gato, estimando-se que 9% dos lares portugueses tenham comprado alimentação para gatos, com um gasto médio de 4,52€ por visita.
No caso da alimentação para cães, a Nielsen indica que, apesar da quebra de 4% no número de quilos de ração vendida, o valor do mercado cresceu 1%, representando 110 milhões de euros. No período em análise, 35% dos lares portugueses compraram ração para cão, gastando uma média de 5,04 euros por visita.
A consultora Ana Amaral refere que, nos CAMV, “tanto a alimentação natural como a comida premium, ou até mesmo as boxes alimentares, são tendências verificadas no mercado da alimentação”.
“Ainda são poucos os médicos veterinários que recomendam alimentação natural, seja por falta de conhecimento, seja por questões estratégicas que são concorrenciais com os produtos que expõem. Apenas 31,7% dos inquiridos no evento VetBizz 2018 [organizado pela revista VETERINÁRIA ATUAL] tencionava apostar na alimentação natural para pets, sendo que 25,6% ainda não se debruçou sobre esse assunto. No entanto, já é possível encontrar comida premium: a aposta é de acordo com o público-alvo do CAMV. No caso das boxes alimentares, apesar de serem uma tendência de mercados massificados, grande parte dos CAMV não têm esse alcance ou posicionamento, derivado do core business. A nutrição animal não tem sido uma das prioridades dos CAMV, apesar da permanente aposta das grandes marcas de alimentação. A aposta dos CAMV passará pelas dietas e não pela alimentação fisiológica, dada a oferta e variedade tão amplas nas grandes superfícies. Ainda assim, o futuro da nutrição animal aplicada aos CAMV será seguramente a especialização, que será mais um critério de diferenciação e referenciação”, revela.
Pedro Mestre, diretor de marketing da Genyen, que distribui marcas de alimentação para animais de companhia como a Mediterraneum, a Petfield ou a Natural Greatness, explica que com tutores cada vez mais “informados e atentos a questões relativas à saúde dos seus animais”, a transparência da rotulagem e a certificação das formulações são cada vez mais importantes.
“São consumidores que procuram saber mais sobre nutracêuticos e quais as composições e ingredientes mais apropriados para os seus companheiros de quatro patas. Uma das maiores tendências é o aumento do peso de mercado da alimentação húmida, que tem sofrido um crescimento mais acentuado em relação ao alimento seco. Isto deve-se à nova tendência de mix feeding, que se baseia na alimentação mista de alimento extrusado com parte de alimentação húmida. Este crescimento é mais notório no mercado dos produtos para gato, pela maior importância do aumento de ingestão de água para os felinos. Nós sabemos que estes tutores procuram uma oferta de produtos com uma base de ingredientes saudáveis que muitas vezes replicam na sua própria alimentação”, afirma.
André Jordão, CEO da Barkyn, startup nacional que oferece um serviço de subscrição online de ração e snacks para cães, acredita que “o setor pet está em expansão e transformação”. E acrescenta: “Cada vez mais é uma compra feita online e os pet owners preocupam-se com a qualidade e a origem da alimentação. O caminho passa pela alimentação menos processada e uma produção mais transparente. A personalização tem sido uma tendência transversal em vários setores e acredito que neste mercado também se acentuará.”
Pedro Mestre prevê ainda “que venham a surgir tendências como a consolidação da humanização dos produtos e a integração de novidades tecnológicas para os animais de companhia. Existe também uma preocupação transversal a todos os sectores de produção com o ambiente e o setor pet não foge a esta preocupação. Existirá uma maior preocupação com utilização de materiais recicláveis e biodegradáveis, quer no embalamento e expedição de produtos, quer nos próprios brinquedos de interação”.
O diretor de marketing da Genyen acredita ainda que vamos assistir a uma “diversificação e crescimento do mercado dos snacks e recompensas para animais” e ainda à “integração de superalimentos nas formulações de alimentação para cão e para gato” e da proteína de insetos, que “começa a ser uma aposta por algumas empresas”.
Já a Propecuária, que distribui marcas de alimentação animal como a Affinity ou a True Instinct, prevê que o setor continue a centrar a sua aposta na alimentação natural e húmida. “A maior tendência em termos de nutrição animal é claramente a área de produtos naturais, apesar de estarem a aparecer no mercado inúmeras marcas sem o necessário controlo de qualidade e sem provas efetivas de eficácia.”
“Os clientes pretendem variar a alimentação dos seus animais. No âmbito dos cuidados de saúde, denota-se uma maior responsabilidade dos donos de animais de companhia, nomeadamente na profilaxia. Os médicos veterinários têm vindo a desempenhar um papel vital no crescimento sustentado deste setor, melhorando fortemente os cuidados de saúde. Deve-se a estes profissionais a maturidade que vamos atingindo, com uma crescente profissionalização da classe, o que naturalmente se reflete em todos os operadores”, revela fonte da empresa que, em breve, planeia acabar com o envio de medicamentos em caixas de cartão, passando a utilizar caixas de PVC reutilizáveis para ser mais sustentável, uma tendência na produção humana que já se estendeu ao setor pet. “Com este serviço, melhoramos o acondicionamento, protegemos melhor os produtos e respeitamos o meio ambiente, reduzindo fortemente a utilização do cartão e do plástico”, conclui a Propecuária.
Estética e personalização nos acessórios para animais
A sustentabilidade é uma preocupação que já chegou também ao segmento dos acessórios para animais. Maria Gaivão Sepúlveda, uma das médicas veterinárias fundadoras da marca nacional de acessórios para cães e gatos Molly&Jack, afirma que as tendências em acessórios para cão e gato acompanham as tendências dos produtos para humanos: “Qualidade, funcionalidade, conforto e produção com consciência ambiental e social.”
“Em termos gerais, os clientes procuram cada vez mais produtos e serviços de excelência. A diferenciação é um elemento-chave na oferta de produtos e serviços. Um contacto e acompanhamento próximo com o cliente, o atendimento personalizado, a oferta de um serviço ou produto de elevada qualidade são cada vez mais valorizados”, acrescenta.
A marca portuguesa, que privilegia os produtos feitos à mão e que aliem a estética à funcionalidade, vende coleiras, trelas, camas, roupa, comedouros, peitorais, acessórios de passeio e viagem e até uma linha de cosmética. Este ano, além de um champô em barra para cão e gato, 100% natural e que pretende responder à crescente consciência ambiental dos consumidores, a marca lançou ainda uma linha de pet care que se estreou com bodies pós-cirúrgicos para cão e gato.
Mas a oferta não se limita ao que está disponível na loja online da marca, já que um dos fatores de diferenciação da Molly&Jack é a personalização. “O tutor não está limitado à nossa oferta. Por exemplo, temos as nossas camas, mas, se a pessoa quiser uma igual à decoração que tem na sala ou no quarto, vamos ao encontro dessa necessidade, produzindo uma cama com essas características, mas nunca descurando a funcionalidade do produto”, conclui Maria Gaivão Sepúlveda.
Artigo publicado na edição de setembro de 2019 (n.º130) da revista VETERINÁRIA ATUAL.