Entrevista a Pedro Bento, diplomado pelo ACVIM
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
Sou especialista em Medicina Interna de Animais de Companhia diplomado pelo Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária (ACVIM). O gosto pela Medicina Interna esteve sempre presente desde os tempos de universidade. A diversidade de casos e os extensivos work-ups sempre me fascinaram, embora tenha considerado cirurgia durante parte do último ano de curso. Até que tive a oportunidade de trabalhar com os internistas da Washington State University durante o meu estágio final e a partir daí tive a certeza absoluta que Medicina Interna era a minha paixão
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento e o que faz?
Tal como no caso de outros portugueses a trabalhar no estrangeiro, a oportunidade foi criada após vários contactos com universidades dos EUA e do Reino Unido. Sempre quis fazer parte do estágio de fim de curso no estrangeiro, de modo a conhecer a realidade americana e/ou britânica. Após o estágio não tive dúvidas que o meu sonho era ser diplomado pelo Colégio Europeu ou Americano. Após terminar a residência na Cornell University fui professor assistente na Michigan State University e de momento estou a trabalhar num hospital privado no estado de Massachusetts.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
O desejo de aprender mais sobre Medicina Interna e trabalhar com especialistas com imensos anos de experiência! Infelizmente, a realidade veterinária em Portugal não permite que haja para já treino avançado em termos de internatos e residências.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal?
Como mencionei, a realidade financeira e cultural entre Portugal e os Estados Unidos é completamente diferente. Esta diferença, em conjunto com a existência de um número muito maior de animais com seguros de saúde, torna possível realizar work ups completos com muito mais frequência, o que permite praticar medicina de alto nível e excepcional patient care.
Um dia normal de trabalho começa às 07:30, com clinician rounds, seguindo-se avaliação dos casos que se transferem da urgência para o meu serviço. Após work up e exames complementares seguem-se consultas de referência. Procedimentos tais como endoscopias são normalmente marcados para o dia seguinte. Ao fim do dia há consultadoria por telefone com outros veterinários, avaliação dos pacientes internados e os registos médicos são completados. Dependendo do número de consultas, o dia acaba entre as 18:00 e as 19:30.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Saí de Portugal há quase oito anos e estou completamente adaptado a viver nos Estados Unidos. No início é sempre complicado porque tudo é desconhecido (nem que sejam os produtos no supermercado). O clima também é diferente e pelo menos nos Estados em que já vivi (4), os invernos trazem sempre muita neve, o que é uma grande mudança para quem praticamente sempre viveu junto ao mar.
Do que mais tem saudades de Portugal?
Sem dúvida da família e dos amigos que deixei para trás. As saudades sentem-se cada vez mais.
Quais os seus planos para o futuro?
Para já vou ficar em Massachusetts durante dois anos já que a minha esposa está a fazer residência em Oncologia Veterinária. Quando a concluir veremos que oportunidades poderão aparecer para ambos. Estamos também a trabalhar no nosso blog/website para alunos de Medicina Veterinária e veterinários já formados, em que partilhamos as nossas experiências e vários tipos de informação grátis para quem está a pensar fazer internato/residência. Além disto também publicámos um livro para quem queira ainda mais informação relativa ao tema. Tudo isto pode ser encontrado em VetMed Survival Guide.
Equaciona voltar a Portugal?
Em termos profissionais não é possível fazer em Portugal o que faço nos Estados Unidos. Quem sabe um dia! No entanto estou sempre disponível para formação.
Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Como mencionei, a hipótese de haver formação lecionada nas Universidades Portuguesas por especialistas diplomados pelos vários Colégios Americanos e Europeus tem de ser a nova realidade do ensino em Portugal. Felizmente já existem vários especialistas portugueses que podem ser requisitados para se juntarem e oferecer momentos didáticos de grande qualidade. A própria Ordem dos Médicos Veterinários tem de começar (se não começou já) a juntar estes profissionais que podem ajudar a avançar a Medicina Veterinária em Portugal.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
O conselho mais importante é para não se deixarem limitar ao conhecimento que é ensinado nas universidades. Há um mundo enorme de conhecimento que não se aprende durante o curso.
De forma similar é importante considerar uma carreira fora do pais e todos os alunos devem equacionar um estágio no estrangeiro com especialistas diplomados, de forma a presenciarem as diferenças entre a realidade portuguesa e a verdadeira medicina de referência. Se já estiverem formados e o mercado de trabalho não for bom existem vários países europeus em que faltam veterinários.
Por último, independentemente de onde estejam a exercer nunca se esqueçam que exercer medicina de qualidade e excelente patient care tem de ser imperativo e obrigatório. É por isso extremamente importante que o standard of care seja sempre a primeira opção oferecida. Se por motivos financeiros tal não for possível, um novo plano pode então ser oferecido. Isto permite que não se desenvolvam maus hábitos e os próprios clientes comecem a ser educados em termos do que a nossa profissão pode oferecer.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Não posso comentar no estado da nossa profissão em Portugal tendo em conta que saí do país há oito anos. No entanto, o número de vagas nas universidades deveria ser reduzido. Estamos a formar demasiados profissionais em relação à nossa população.
O exemplo dos Estados Unidos e outros países europeus tem de ser seguido. O mercado de trabalho não tem capacidade de incluir todos os veterinários que o país produz, o que leva a salários cada vez mais baixos.
Qual o seu sonho?
O meu maior sonho é que o meu país evolua em termos profissionais, culturais e económicos para que possamos oferecer cuidados de excelência aos nossos pacientes e que a nossa profissão seja reconhecida e valorizada pelo público, como o é noutros países.