Joana Pereira, médica veterinária e diretora-geral na Vetstation, em Zurique, Suíça
Qual é a sua área de especialidade e porque é que escolheu essa área?
Faço clínica de pequenos animais com maior interesse na clínica de animais exóticos. Aves e répteis sempre foram o meu interesse principal durante toda a formação académica e é uma área que felizmente está em grande expansão, não só por cada vez mais pessoas terem animais exóticos como animais de estimação, mas também por estarem mais informadas e interessadas em investir na saúde dos mesmos.
Como e quando é que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Quando o meu estágio profissional terminou, tive a oportunidade de escolher: ficar na clínica onde estava ou tentar aprender alemão e encontrar trabalho na Suíça. Na altura, a ideia era tentar fazer a residência em Zurique. O meu namorado na altura estava já há dois anos em Zurique o que me permitiu chegar, aprender o alemão e começar a integrar-me. Após seis meses e depois de ter chegado à conclusão que afinal a residência não seria para já, concorri a algumas vagas e consegui, em maio de 2015, o trabalho na clínica onde estou desde então.
A Vetstation é uma rede de clínicas no cantão de Aargau, com filiais em Melllingen, Niederlenz e Buchs. A equipa é bastante dinâmica e tentamos praticar uma medicina moderna, mais inclinada para evidence-based medicine e menos empírica.
Somos das poucas praxis (pequena clínica, dado que klinik está ao nível de um hospital em Portugal e os hospitais são apenas os universitários) na região que oferecem medicina e cirurgia de exóticos e fazem endoscopia e cirurgia minimamente invasiva quase diariamente. Somos ainda pioneiros em tratamentos dentários, dado que um dos proprietários da empresa é especialista em dentisteria há quase 30 anos.
O que é que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Na realidade nunca quis ficar. Não estava (e não está) definido para onde ou por quanto tempo. Não estava era contar ir para um país do qual não falava uma única palavra da língua oficial. Porquê sair? Não me recordo de inicialmente ser uma questão económica. Acho que inicialmente era mesmo por uma questão de experimentar realidades diferentes e estar exposta a algo novo. Aprender era o objetivo principal. Mais tarde, sim, a parte económica deu o último empurrão: o cliente que não quer pagar, que não pode pagar, as jogadas emocionais, etc. Não é possível fazer omeletes sem ovos e essa realidade era indiscutivelmente aterradora. Especialmente como recém-licenciada e sem ter tido qualquer tipo de preparação para isso.
Como é que é um dia de trabalho normal para si?
Os dias são mais os menos iguais. O horário de funcionamento é das 7h30 às 20 h, o que faz com que trabalhe num regime de “mini-turnos”. Como é comum na nossa profissão, a hora de chegada é sabida, a da saída, nem por isso. Os procedimentos eletivos que requerem anestesias são feitos durante a manhã e as consultas e vacinas precedem os mesmos. As urgências vão sendo resolvidas à medida que surgem. Fora do horário de funcionamento, o serviço de urgências é on call e rotativo.
Como diretora clínica de Mellingen e diretora-geral da Vetstation, tenho ainda algum trabalho de gestão a fazer. Tem sido um desafio interessante, porque gerir uma clínica ou gerir três não é bem a mesma coisa. Os dias acabam por ter entre 14 a 16 horas, mas são dinâmicos e interessantes.
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
Esta é uma pergunta algo complexa. A adaptação às condições de trabalho foi fácil. Existem recursos, não só no local, mas imensos especialistas a quem recorrer externamente. As pessoas são tendencialmente mais educadas economicamente, o que faz com que haja mais respeito pelo valor do nosso trabalho. As leis do próprio país ajudam a que façamos um trabalho melhor.
Tive ainda sorte de ir para uma empresa onde me deram uma autonomia enorme e onde o meu trabalho tem sido, até à data, muito reconhecido. Há possibilidade de aprender e fazer mais.
A adaptação à língua é outra história. Os suíços falam suíço alemão, que é muito mais do que uma mera alteração de sotaque. Demorei cerca de um ano a conseguir começar a compreender o vocabulário usado na clínica e só agora consigo acompanhar quase a 100% uma small talk em suíço alemão (compreenda-se que eu consigo entender, mas não falar). Para ajudar, a maioria não sabe ou não quer falar alemão, o que torna a comunicação complicada. Até dominar a língua e entender um pouco do dialeto, os dias eram infindáveis. dada a frustração que sentia e a animosidade de que às vezes era alvo por parte do cliente. Mas penso que isto é algo que ocorre, nem que seja pelo menos uma vez, a quem está emigrado. Uma vez integrada, a maioria das pessoas acaba por gostar da minha ligeireza e amabilidade.
Quais os seus planos para o futuro?
Costumo dizer que enquanto a Suíça não me desiludir, fico. Até agora posso dizer que adoro este país cada dia um pouco mais e que as adversidades (que em todo o lado existem) são mínimas comparadas com as experiências positivas que tenho.
A Vetstation começa a ser um projeto cada vez mais interessante. Estamos a expandir para atingir o estatuto de klinik, que espero que aconteça até ao fim de 2020. É algo fantástico ter a oportunidade de estar envolvida neste processo e ser uma das impulsionadoras do mesmo.
Equaciona regressar a Portugal?
Não está nos meus planos. Mas nunca se sabe.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Os conselhos são sempre um pouco ingratos. Posso falar apenas do que funcionou para mim e isso talvez ajude quem se identificar comigo. Eu tive a sorte de gostar e de apostar numa área que, pelo menos na altura, era pouco explorada. Por isso, fiz dois estágios no estrangeiro que me deram experiência e conhecimento, o que me deu leverage para me conseguir destacar do mercado de trabalho. Era uma recém-licenciada, mas com algumas competências extra. Depois sempre tentei ser humilde e apesar de saber o meu valor, também sabia avaliar as dificuldades que a crise trouxe para a profissão. Portanto, não exigi mundos e fundos. Se estou onde estou agora, foi muito graças à oportunidade, experiência e ensinamentos que obtive durante o meu tempo em Portugal.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal?
É difícil para mim avaliar corretamente sem incorrer no risco de fazer um juízo de valor pouco informado. Em termos médicos continuamos a ser muito bons, mas faltam ainda os recursos que permitiriam fazer melhor. O excesso de médicos veterinários e a cultura do low cost não parece ser um problema fácil de resolver. Por exemplo, na Suíça existe grande procura por veterinários e as condições de trabalho acabam automaticamente por ser melhores, porque o país tem oito milhões de habitantes e duas universidades de medicina veterinária, enquanto nós somos perto de dez milhões e temos seis.
Mas acho que têm sido feitos alguns progressos e penso que há tendência a melhorar. A falta de educação da população é, a meu ver, o maior inimigo.
Quais são os principais desafios que enfrenta na sua prática clínica diária?
Tentar educar o cliente e implementar uma medicina preventiva; comunicação, comunicação, comunicação, para evitar frustrações por parte do dono (e minha); e tentar gerir o meu tempo de maneira a conseguir manter um equilíbrio saudável entre trabalho e vida privada.
* Texto publicado originalmente na edição de janeiro de 2020, n.º 134, da revista VETERINÁRIA ATUAL.