Centenas de ativistas dos direitos dos animais manifestaram em Madrid, no final de maio, a pedir a libertação de 884 animais que viviam no laboratório Vivotecnia. A manifestação foi motivada pela divulgação, pela ONG Cruelty Free International, de vídeos gravados clandestinamente que mostravam maus tratos aos animais desse laboratório. A situação levantou dúvidas sobre a ética à volta dos animais de laboratório, avança a versão brasileira do jornal El País.
Em 2013, a União Europeia introduziu na legislação o princípio dos três Rs (em inglês) – “substituição, redução e refinamento” -, que pretendia reduzir a utilização de animais na ciência. No entanto, relata o periódico, o princípio não está a ser cumprido completamente, face ao avanço lento na procura por métodos alternativos.
“Atualmente, o uso dos animais sempre é considerado eticamente aceitável se houver um benefício para o ser humano”, resume, ao El País, a especialista em Filosofia do Direito e professora na Universidade de Barcelona, Fabiola Leyton.
De acordo com a Cruelty Free International, metade dos animais usados em laboratórios europeus sofreu modificações genéticas, e 15% sofrem desde que nascem, porque, na opinião da ONG, a modificação genética “causa um mal-estar severo”.
Situação em Espanha
Em 2016, a Confederação de Sociedades Científicas da Espanha assinou um acordo de transparência sobre o uso de animais em experimentação científica, com o objetivo de comunicar quando, como e porque são usados e quais os benefícios que decorrem dessa prática. O número de signatários já chega a 146, incluindo universidades, centros de pesquisa e empresas.
A principal razão dada para o uso de animais em laboratório é a sua inevitabilidade, no caso de se querer continuar a avançar-se como sociedade, sendo acrescentada a adenda: “Mas em todos os casos se procura diminuir o sofrimento animal e, sempre que é possível, usam-se métodos alternativos”, relata o El País.
Por exemplo, recentemente, o Centro Nacional de Biotecnologia, ligado ao CSIC (órgão oficial de pesquisa científica da Espanha) tem utilizado os ratos para testar uma das possíveis vacinas espanholas contra o coronavírus. A codiretora do projeto, Isabel Sola, refere que, embora existam modelos de pulmão humano, estes não servem. “É preciso ter animais completos para ver qual é o mecanismo pelo qual o vírus causa inflamação, para ver o edema no pulmão. Não temos alternativa”, explicou ao periódico.
Financiamento e alternativas ao princípio dos três Rs
Analisando os números, de forma a perceber o impacto da legislação europeia de 2013, em 2017 (último dado disponível), foram feitos 9,58 milhões de “usos em animais” (alguns foram utilizados mais de uma vez).
Uma das causas relatadas para a falta de alternativas é o financiamento necessário. Apenas seis países europeus —Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Alemanha e Suécia— investiram, em 2014, 6,7 milhões de euros em técnicas alternativas (o Reino Unido, hoje fora da UE, investiu 11 milhões de euros). A Espanha, por sua vez, não investiu nenhum valor.
A União Europeia, que já em 2009 proibiu a pesquisa animal na elaboração de produtos cosméticos, forneceu 350 milhões de euros, entre 2012 e 2016, para o estudo de alternativas. Este ano, foram dados 60 milhões a três projetos.
A representante da Cruelty Free International, Katy Taylor, afirmou ao periódico que o financiamento não é suficiente, sendo só 0,12% do orçamento científico total da União Europeia. “Não recebe a importância que tem. Não interessa. Tanto a UE como os cientistas aproveitaram o princípio dos três Rs e deixaram de se questionar sobre a ética do tratamento dos animais.
Há especialistas que advogam para que o princípio dos três Rs seja deixado de lado. A autora do livro “Animal labour: a new frontier of interspecies justice?”, Charlotte E. Blattner, defendeu que sim. Ficou antiquado, pois nos mantêm no imobilismo”, declarou.
“Apenas uma mudança de paradigma nas leis que afetam os animais na pesquisa vai moderar o seu uso”, acrescentou.