É a primeira vez que se realiza um debate entre os candidatos a bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV). O frente a frente aconteceu no Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários (SNMV) com a moderação conduzida por Eduardo Correia e Eduardo Tavares. A VETERINÁRIA ATUAL esteve presente e, em véspera de eleições, recorda o posicionamento dos candidatos Pedro Fabrica e Sónia Miranda a alguns dos temas lançados. O debate foi transmitido no canal do Youtube do SNMV, o qual poderá assistir na íntegra aqui.
Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários (SNMV): Tendo em linha de conta que ambos os candidatos têm uma situação profissional estável e bem-sucedida – com idade para progredir e dar muito à profissão –, o que vos leva a candidatarem-se a bastonário da OMV?
Pedro Fabrica: O bichinho do associativismo começou cedo, lembro-me que logo ali no primeiro ano começou a despertar e concorri às eleições da associação de estudantes da faculdade. E foi assim que começou o trajeto. Quis ter a possibilidade de, estando dentro de uma área, poder contribuir de forma ativa para que as coisas pudessem melhorar. Depois da faculdade e entrando já na profissão, os primeiros anos foram de descoberta, do que é ser médico veterinário, com aquela sensação normal de saber que tinha de pagar a quota, sentindo que se calhar esse dinheiro não estava a ser gerido da melhor forma. E, mais uma vez, começou o interesse de passar da reclamação à ação, para me tornar uma parte mais ativa em relação à minha participação na classe. Depois surgiu a possibilidade de entrar num projeto com o nosso atual bastonário e a Sónia Miranda, fomos candidatos e entrei para o conselho diretivo entre 2016 e 2019. Finalizei o mandato e, no final, achei que por razões pessoais, por não me estar a rever no funcionamento do conselho diretivo e por querer continuar a representar os membros, candidatei-me. Nestes últimos anos, e comparativamente e com estes dois mandatos, a Ordem entrou em estado de inércia, optando só por uma via de ação quando em certos assuntos poderia optar por decidir por outro tipo de abordagem. Passei a ser médico veterinário freelancer, sem vínculos patronais, o que me permitiu uma maior liberdade para me candidatar, tendo à disposição o tempo inteiro para esse mesmo cargo. Algumas pessoas vieram falar comigo em outubro de 2022 reunindo interesse em que eu representasse um projeto para me candidatar à Ordem. Os motivos que me levam a candidatar passam por tornar a ordem um espaço diferente e que os membros acreditem que os 150 euros da sua quota valem a pena.
Sónia Miranda: Houve um ponto de viragem que foi, na realidade, um chamamento por parte de um grupo de colegas que de alguma forma se sentiam representados por mim. É óbvio que ter aceitado dependeu não só da consideração que eu tinha em relação a esse público, aos argumentos e características que me tinham apontado enquanto futura candidata a bastonária, mas também porque eu concordaria. Na altura estava num momento profissional que dificilmente me permitiria pensar no tema e a responsabilidade não me deixava olhar para o lado e absorver um outro projeto com esta dimensão, que implicaria uma dedicação a tempo inteiro. Obviamente, isto obrigou-me a fazer considerações e a ter a fazer as reorganizações necessárias para depois poder me apresentar como candidata.
SNMV: Acham que a experiência é o principal ativo para preencher o lugar de bastonário?
Pedro Fabrica: A experiência é um dos fatores para qualquer trabalho, ou então poderá também não ser, porque se não ninguém começava seja o que for. No entanto, mais importante do que o trajeto pelo qual passei, conta a equipa como um todo e é isso que tenho de destacar em termos de ativo. A equipa que constituí para fazer a Lista B é inclusiva, tem representação de muitos setores, de espécies pecuárias – como nunca visto –, tem também atividades económicas, espécies silvestres, área dos serviços, entre outros. Tem muita gente nova e este é também um sinal de que ainda há quem queira continuar com o associativismo. Sozinho não é possível fazer as coisas e este apoio da equipa é realmente o maior ativo.
Sónia Miranda: A experiência pela passagem de oito anos no conselho Diretivo é um ativo importante, mas não considero que seja o mais importante. Acaba por ser quase uma consequência, tal qual como a experiência na vida profissional como médica veterinária. Para mim o principal ativo é a postura, a maneira de estar e de poder passar os princípios e os valores. Esses princípios vão-se mantendo à medida do que se vai fazendo durante o trajeto efetuado durante estes oito anos, juntamente com a experiência que adquiri em termos profissionais, naquilo que é a gestão efetiva de equipas e de projetos. Chegar ao final de cada projeto e concretizar os objetivos a que me proponho, possivelmente, são os principais ativos. Mas, acima de tudo, o foco nos valores que fazem com que esse caminho possa ser percorrido na gestão de pessoas e na capacidade de diálogo.
SNMV: Temos vindo a assistir a uma menor participação dos colegas nos eventos de caracter profissional. Queria saber se partilham desta opinião e quais são as vossas estratégias no sentido de reverter esta situação para envolver mais os profissionais nas decisões?
Pedro Fabrica: Antes de mais, o facto de termos duas listas concorrentes com todos os órgãos sociais preenchidos é um sinal de que, eventualmente, apesar deste desinteresse, mostra algum interesse. Há muitos anos que eu não via uma corrida para a ordem com listas completas. Em termos de estratégia, o Encontro de Formação da Ordem dos Médicos Veterinários (EFOMV) – ao qual estou intimamente ligado desde a 7ª edição –, é o evento onde temos uma das maiores concentrações de membros. Nesse sentido, pode ser interessante numa perspetiva de iniciativa one shot.
Desde 2021, com a introdução do novo código deontológico, que existe a cerimónia de compromisso recém-licenciado, mas esta não tem sido elaborada e não sei por que razão. Desconheço o facto de o atual conselho diretivo não ter dado seguimento. Neste sentido, a nossa medida concreta passa por defender as cerimónias de compromisso regionais. E porquê regionais? Porque é a oportunidade dos recém-licenciados terem contacto com as suas estruturas regionais e com os órgãos sociais regionais, dando oportunidade de terem mentores e verem também os médicos veterinários mais experientes. Com a sua experiência poderão dar uma visão daquilo que os colegas vão encontrar e, ao mesmo tempo, são pontos de contacto para apoio em caso de dificuldade. Outro ponto estratégico, e ainda no seguimento do EFOMV, passa por reconhecer as diferentes gerações da medicina veterinária que temos neste momento. São quatro gerações que vão desde a Geração Z, aos Millennials, Geração X e Baby Boomers e cada uma delas tem uma forma diferente de comunicar e entender a profissão. Se a Ordem não tem estratégia e não reconhece que este tipo de gerações está a organizar um único tipo de formato de evento, o que contribui para começar a excluir e criar desinteresse nas gerações que não se veem revistas. Por exemplo, o recente Canal de WhatsApp que a Ordem lançou a meu ver não é um canal de comunicação, mas sim um canal de propaganda e informação, uma vez que não há uma interação entre os membros, só através de emojis e mensagens que a Ordem quer passar. Tem de ser um bocadinho mais que isso, tem de haver um intercâmbio. Ter um plano anual de formação, tendo em linha de conta as necessidades das diferentes gerações, é também uma forma de começar a integrar os membros para que percebam que a Ordem tem soluções à medida das suas necessidades.
Sónia Miranda: Estamos numa sociedade em que muitas vezes o associativismo pode estar um pouco em baixo, mais do que associativismo é a consideração que tem pelas associações e isso é um fenómeno que vivemos por algum descrédito. Sinceramente, acho que a Ordem dos Médicos Veterinários tem vindo progredir e tem vindo a ser cada vez mais considerada pelos colegas. Foram feitas imensas ações, entre as quais, obviamente o EFOMV – que é uma das marcas –, mas nós também nunca contactámos tanto com os membros como temos vindo a contactar nos últimos anos. Temos muita coisa a melhorar, como é óbvio, a nossa profissão tem tido uma evolução tremenda e, associado a isso, temos muitas vezes as próprias instituições públicas a não conseguir acompanhar esta evolução da própria profissão. No entanto, a Ordem tem tentado seguir e conseguir ajustar-se àquilo que são as necessidades. Obviamente que não é suficiente. Nós temos uma grande diversidade de idades, mas também de setores, que quase não se cruzam. Por isso, a meu ver, as pessoas interessam-se pelas instituições, não porque falamos mais alto, mas sim quando mexemos com assuntos específicos que afetem a sua vida. Obviamente que temos aqui a parte da integração dos jovens e é algo que partilho enquanto necessidade.
Relativamente ao Gabinete Jovem foi algo que de alguma maneira acabámos por não dar a energia que era necessária. Claro que, durante qualquer executivo, temos de assumir aquilo que conseguimos fazer e aquilo que efetivamente ainda temos para fazer. Este ponto da integração dos membros é muito importante, os alunos de medicina veterinária têm de ter desde sua formação académica um contacto com algo que tenha a ver com a parte profissional e deontológica e com a associação a que vão pertencer. Mais do que isso, e além da integração dos jovens, acho que é extremamente importante termos gabinetes especializados que possam apoiar os membros na comunicação, tentando dar ferramentas de formação nesta área.
SNMV: As redes sociais são um excelente método de comunicação, usaram-nas inclusivamente como método de divulgação das vossas candidaturas. Por outro lado, podem condicionar gravemente a informação. Neste sentido, gostaríamos de saber como pensam gerir este fenómeno das redes sociais?
Pedro Fabrica: Sobretudo o que nos preocupa nas redes sociais são as situações em que as coisas correm mal, porque quando correm bem este não é um assunto. As situações de crise nós não conseguimos prevê-las, mas conseguimos prepará-las. É importante que haja uma planificação geral de situações de crise e com diretrizes claras, para que depois todos os membros possam ter acesso. Lembro-me que em 2016/2017 houve duas situações muito claras de crise, em que o conselho diretivo foi ajudar e o senhor bastonário teve sempre o cuidado de ligar para os colegas que estavam a ser lesados por esta situação. Recordo-me também de na altura termos falado sobre a criação de um gabinete de crise, acabámos por fazê-lo em duas ou três situações, mas em formato ad hoc. No entanto, esta tem de ser uma prática comum, ou seja, temos de ter claramente uma empresa de gabinete de crise que esteja preparada para dar esta assessoria aos colegas, independentemente de terem culpa ou não. Cada ataque ao médico veterinário nas redes sociais acaba por ser um ataque à profissão e um contágio negativo em relação à imagem do médico veterinário. Neste sentido, pretendemos desenvolver formações relacionadas com o desenvolvimento de competências emocionais, algo que agora está cada vez mais em voga na medicina humana – programas de imunidade mental, em que os colegas acabam por desenvolver formações específicas para lidar com situações de maior stresse. Queremos investir nessa informação, dentro de um plano anual de formação, nos termos de competências não técnicas. Somos formados do ponto de vista biomédico, mas os currículos das universidades ainda estão aquém nas competências de soft skills.
Sónia Miranda: Em relação às redes sociais encaro-as em duas vertentes. Uma que está relacionada com a utilização das redes sociais da Ordem e, inevitavelmente, os diferentes meios de comunicação, como o canal do WhatsApp – considero que este último veio acrescentar valor e tem um propósito direcionado para chamar a atenção para outro canal de comunicação: o email. É inevitável que temos de ter um planeamento para que haja funcionamento das redes sociais, algo que exige uma agência de comunicação que nos está a assessorar, mas consideramos não ser suficiente perante aquilo que são as necessidades atuais. Todos nós sabemos, e eu consigo vos dizer até de uma forma prática, que se aplica a nível empresarial, que são feitos planeamentos anuais a este nível, e, por isso, a Ordem vai ter de se adaptar. Independentemente disso, acho que é muito importante existir um gabinete de crise dentro da própria Ordem. Não sei se há aqui algum desconhecimento, mas não houve até hoje nenhuma situação em que os membros tivessem contactado a Ordem e não tivessem sido apoiados, não só com essa personalização em que o Sr. bastonário lhes ligava, mas também perante a disponibilidade do gabinete de comunicação em os apoiar, tal como o nosso jurista. Acho que, mais do que isso, é importante formar os colegas e dar-lhes ferramentas, de maneira que possam gerir a parte da ética no online, tanto em relação à própria instituição como à utilização daquilo que são as redes sociais e os fóruns de discussão que, na minha opinião, devem continuar a existir – estamos numa democracia é muito importante que continue a acontecer. Deve também existir, por parte da Ordem, uma promoção das linhas que não podem ser ultrapassadas na utilização das redes sociais.
SNMV: Tomando como exemplo o afastamento e a quase inoperância dos conselhos regionais… O que podem fazer de diferente para melhorar esta situação?
Pedro Fabrica: De facto, os Conselhos Regionais são muito importantes na vida da Ordem e não têm sido usados da maneira que deveria acontecer. Tem havido um desligamento entre os Conselhos Regionais e o Conselho Diretivo no que diz respeito à comunicação. Existem alguns Conselhos Regionais que se queixam desse afastamento e alienação por parte do Conselho Diretivo, particularmente no modelo de financiamento. Assim sendo, considero muito importante a sua ativação, por exemplo, através das cerimónias de compromisso, mas sobretudo com a estratégia que temos no nosso programa: o Fórum Interconselhos, que pressupõe uma reunião anual com todos os Conselhos Regionais para estabelecer um plano de formação e de atividades por cada região, assim como debater a orçamentação para cada conselho. Acho que esta será a melhor forma de transparência e abertura para pôr todos os conselhos a funcionar, sem lidarem com esta dificuldade. Acho importante ter este sentido de desenvolvimento e proximidade. Além disso, também temos uma iniciativa que passa pelo bastonário ter a agenda aberta, trabalhando vários dias em cada Conselho Regional. Se queremos ter a proximidade dos membros, temos de forçosamente dinamizar os Conselhos Regionais com essas ações, tendo um bom alinhamento com o Conselho Diretivo.
Sónia Miranda: Em relação a este tema… Tu pertenceste comigo ao Conselho Diretivo e as regras para o financiamento dos Conselhos Regionais não mudaram. Sabes perfeitamente que a parte da tesouraria é algo que me coube durante estes últimos oito anos e que me orgulha imenso. Não houve praticamente quase nenhuma Assembleia Geral em que não recebesse um louvor. O que se passa em termos do Conselhos Regionais? O Conselho Regional do Centro, ao momento, tem 38.000€ na sua conta e começámos em 2016 com 14.000€. As regras de financiamento foram sempre feitas da mesma forma, o único momento em que houve alteração, e este foi comunicado, foi no pós-covid, em que reduzimos as verbas a serem transferidas porque, e justificámos, não havia deslocações e, por isso, não fazia sentido acumularmos mais dinheiro nos Conselhos Regionais. Queria só alertar para um princípio que agarrámos e que na altura todo o Conselho Diretivo concordou: o financiamento dos Conselhos Regionais, que têm a ver com o seu número de membros. Também queria que toda a gente soubesse que quando nós entrámos na Ordem há oito anos não tínhamos uma contabilidade analítica, os Conselhos Regionais não faziam a mínima ideia de como era a distribuição dos seus gastos. Temos, desde então, conseguido fazer uma contabilidade analítica, em que eles sabem perfeitamente aquilo que é pago pela sede e aquilo que é alocado às verbas transferidas do Conselho Diretivo para os Conselhos Regionais. Por isso, quero deixar bem registado que o Conselho Regional do Centro é o que mais dinheiro tem na sua conta. Em relação à pergunta em si, não considero que seja através de reuniões duas vezes por ano de discussão do plano de atividades, orçamentos, relatório de atividades e fecho de contas que nós vamos conseguir agarrar os colegas dos Conselhos Regionais. Localmente, eu acredito sinceramente que os Conselhos Regionais devem ter o apoio completo do Conselho Diretivo e do Conselho Profissional e Deontológico, com ligação às Assembleias Gerais, que devem funcionar quase como câmaras municipais. Ou seja, dentro do próprio Conselho Regional, devem ter várias representações dos diferentes setores. Chamo a atenção que só assim pode funcionar. Relativamente à formação é algo que temos no nosso programa e que também deve ser direcionado para os Conselhos Regionais. Falta aqui a questão do afunilamento para a clínica de animais de companhia, ora bem, isto é o que está a acontecer na sociedade, mais do que aquilo que é a atenção da Ordem, vemos na sociedade uma crescente importância dos animais de companhia, muito maior do que poderíamos pensar que fosse acontecer há 20 anos. Sabemos também que representamos os membros da Ordem dos Médicos Veterinários e a maior parte trabalha, efetivamente, em clínica de animais de companhia no setor privado e é preciso ter essa consciência. Independentemente disso, não houve até hoje qualquer situação defendida pela ordem em que não tivéssemos lançado a bandeira de que somos importantes em termos de saúde pública. E isso nós nunca vamos abandonar.