A técnica que permite recuperar integralmente a articulação e garante a reabilitação total do membro ainda não é generalizada em todos os hospitais nem a todos os profissionais. Exige experiência, maturidade, investimento por parte dos médicos veterinários e dos tutores, condições de excelência nas instalações dos CAMV e um trabalho multidisciplinar com uma equipa dedicada e formada neste procedimento. A referenciação dos colegas é essencial e esta abordagem garante diminuição da dor e uma melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
Apesar de não ser uma técnica nova, está a ser aplicada em Portugal, pela primeira vez, de forma consistente e com sucesso. Quem o afirma é Luís Chambel, coproprietário do VetOeiras Hospital Veterinário e responsável pelos Serviços de Ortopedia e de Neurologia. “A prótese total da anca é considerada a cirurgia de excelência para a resolução definitiva, sem dor e, para toda a vida, da displasia da anca. Restabelece a função normal da articulação, o que não acontece na excisão da cabeça e colo femorais”, destaca. Outras técnicas possíveis para a resolução da displasia da anca, como por exemplo, a osteotomia pélvica dupla (OPD) têm apenas indicação numa janela temporal muito curta, normalmente, apenas até aos sete meses de idade.
São várias as indicações para colocação de prótese total da anca além desta doença. Esta técnica define-se como “a substituição da articulação coxofemoral natural por implantes artificiais (próteses) que mimetizam a funcionalidade da articulação biológica original. É importante salientar que não existem implantes que funcionem melhor do que uma articulação natural saudável e, como tal, o procedimento de prótese total de anca é considerado como um último recurso”, salienta Bruno Oliveira, diretor clínico do Hospital Veterinário Vasco da Gama (HVVG). Deve ser então tido em conta apenas em casos em que “a terapêutica médica não é suficiente para assegurar uma vida com qualidade para o paciente e quando não existam procedimentos cirúrgicos alternativos que assegurem a obtenção de uma articulação biológica funcional”.
Para Henrique Armés, médico veterinário e diretor clínico do Hospital Veterinário de São Bento (HVSB), a prótese total da anca deve ser utilizada quando “a articulação está irreversivelmente alterada, em geral, biomecanicamente insuficiente e com dor.” Ao pretender reabilitar integralmente a articulação e “quando o grau de degenerescência é elevado, este é o único procedimento que alcança este desígnio”.
A colocação da prótese de anca em cães remonta a meados de século passado com dezenas de milhares de animais já intervencionados em todo o mundo e conta com inúmeras alterações, variantes e modificações, na sua maioria, amplamente documentadas, conforme partilha o diretor clínico do HVVG.
Para os médicos que se dedicam a esta cirurgia, este procedimento apresenta excelentes resultados “proporcionando uma recuperação da função locomotora, uma melhoria muito significativa da qualidade de vida aos pacientes, com uma redução da necessidade de medicação e com uma eliminação ou diminuição muito significativa da dor crónica”, defende Bruno Oliveira. Quando comparado com outros métodos tradicionalmente utilizados como a recessão da cabeça do fémur, a prótese total de anca apresenta evidentes vantagens citadas pelo médico veterinário, “em termos de diminuição de dor, recuperação da função locomotora, recuperação da atrofia muscular e qualidade de vida, demonstrados por inúmeros estudos científicos que provam que, mesmo em animais de pequeno porte (cães de raças pequenas e gatos incluídos), a prótese total de anca tem resultados muito favoráveis”.
A aplicação da técnica em hospitais veterinários portugueses
Foi há dois anos que o VetOeiras começou a aplicar esta técnica optando pela prótese não cimentada de Zurique. Durante este período, foram aplicadas 26 próteses e o balanço dos primeiros dez casos, realizados no primeiro ano, foi apresentado numa comunicação livre no XVI Congresso Internacional Veterinário Montenegro, em fevereiro de 2020. “O balanço no final do ano passado foi extremamente positivo pois aplicámos 16 próteses a animais desde os nove meses e até aos dez anos de idade e não registámos uma única complicação até ao momento”, partilha Luís Chambel.
“O balanço no final de 2020 foi extremamente positivo pois aplicámos próteses a animais desde os nove meses até aos 10 anos de idade e não registámos uma única complicação até ao momento” – Luís Chambel, VetOeiras
O Hospital Veterinário Vasco da Gama desenvolve esta técnica desde 2015. “É um procedimento que nos traz grande satisfação enquanto médicos veterinários com interesse na área da cirurgia ortopédica e cujos resultados nos têm impressionado favoravelmente”, conta Bruno Oliveira. Apesar das possíveis complicações pós-operatórias associadas a esta técnica, como por exemplo, “infeções, fissuras ou fraturas femorais ou de bacia, neurapraxia do ciático, luxações dos implantes após a cirurgia, falha na osteointegração dos implantes levando a “loosening” dos mesmos, entre outras”, o médico veterinário defende que com a correta seleção dos casos a operar tem-se relevado fundamental para assegurar que os animais intervencionados neste hospital “tenham obtido bons resultados consubstanciados no acréscimo da qualidade de vida e no aumento significativo da esperança de vida”.
“É um procedimento que nos traz grande satisfação enquanto médicos veterinários com interesse na área da cirurgia ortopédica e cujos resultados nos têm impressionado favoravelmente” – Bruno Oliveira, Hospital Veterinário Vasco da Gama
Este procedimento foi um dos objetos de estudo do doutoramento de Henrique Armés. “É uma matéria muito interessante, que congrega algumas das minhas áreas favoritas de estudo. A regeneração óssea e a osteointegração, a tecnologia relacionada com o fabrico, a biomecânica e a tribologia associada aos endo-implantes é uma área fascinante, cuja evolução nos últimos anos tem sido espantosa e tem permitido a reabilitação de muitos dos nossos pacientes.” O médico veterinário iniciou-se há mais de 20 anos a aplicar próteses cimentadas antes de surgirem as primeiras próteses comercializadas osteointegráveis. “Mais tarde, o fascínio pela osteointegração levou-me a adquirir o sistema biológico não cimentado e, desta forma, a poder adotar os dois sistemas – cimentados e não cimentados. Neste momento, tenho preferência pelos últimos. Atualmente, temos dezenas de casos implantados e o balanço é muito positivo”, destaca o diretor clínico.
Quais são as barreiras desta técnica?
Dos pacientes candidatos a esta técnica, nem todos têm indicação efetiva para a realizar (ver caixa). “Infelizmente, a quantidade de animais com indicação cirúrgica e que têm tutores com capacidade financeira para realizar a intervenção é ainda menor”, foca Bruno Oliveira. O fator financeiro desempenha um papel muito relevante na escolha da realização – ou não – da aplicação da prótese total de anca em animais de companhia, sendo que, muitas vezes, os tutores optam por realizar técnicas com menor qualidade e sobretudo por motivos económicos.
Henrique Armés também destaca o grande investimento associado a esta técnica cirúrgica, por si só, muito dispendiosa. “Os instrumentos e os implantes são de elevado custo. Assim, dado que o valor da cirurgia se posiciona acima da média, torna-se necessário esclarecer os tutores sobre as valias da técnica e dos seus riscos associados. Tutores pouco esclarecidos podem confundir o custo da intervenção com o garante de sucesso”, assinala. E isto porque esta aplicação de próteses da anca é uma cirurgia que não tem retorno. “Depois de se eliminar uma articulação e substituí-la por uma artificial, acrescentamos um conjunto de alterações biológicas no osso que, de alguma forma, são irreversíveis. Assim, devem ser acautelados os prós e contras dessa opção cirúrgica.”
“(…) Dado que o valor da cirurgia se posiciona acima da média, torna-se necessário esclarecer os tutores sobre as valias da técnica e dos seus riscos associados. Tutores pouco esclarecidos podem confundir o custo da intervenção com o garante de sucesso” – Henrique Armés, Hospital Veterinário de São Bento
Em todo o processo, é necessário acautelar a devida informação aos tutores e assegurar o timing correto para a aplicação da prótese que deve ser orientado pela história clínica do animal e associado “ao grau de degenerescência articular”. Apesar de não haver uma regra propriamente dita, no Hospital Veterinário de São Bento, a proposta para esta intervenção costuma ser na fase pré-geriátrica “sem grande atrofia muscular ou problemas neurodegenerativos”. “Raramente aplicamos implantes em cães jovens, à semelhança do que acontece em medicina humana.”
Por outro lado, qualquer articulação que mantenha um grau de desempenho aceitável não é candidata à substituição através de uma prótese total e, nesse caso, a cirurgia deve ser protelada ou “atrasada”. Por outro lado, assinala Henrique Armés, “quando a biomecânica da articulação está degradada e existe pouca resposta aos fármacos disponíveis, a opção da prótese total permite ao animal a reabilitação funcional, respeitando integralmente a biomecânica do membro”.
A cirurgia de prótese não cimentada de Zurique, seguida por Luís Chambel, onde são utilizados implantes de enorme qualidade e com um custo elevado, associada ao custo de tudo o que envolve esta cirurgia, leva a que o valor final da mesma tenha de ser superior ao de outras cirurgias ortopédicas. “Mas lembro que é um investimento único, feito uma só vez na vida, por contraste com todos os tratamentos médicos disponíveis para o maneio desta doença, que acabam por ser feitos durante toda a vida do animal. São várias as razões que podem atrasar a realização desta cirurgia e, efetivamente, a económica pode ser uma delas”, afirma o veterinário. O atraso no diagnóstico e a falta de valorização da dor associada à displasia da anca também podem ser responsáveis por essa realidade, acrescenta.
Bruno Oliveira defende que o dever dos médicos veterinários passa por oferecer as melhores opções para os pacientes. “Devemos esclarecer os tutores sobre as vantagens e inconvenientes de cada opção terapêutica e ajudá-los a tomar uma decisão informada.”
A falta de poder económico e a ideia de que não serão muitos os tutores capazes de suportar o custo desta cirurgia condicionam a dedicação de profissionais a esta técnica. E isto conduz ao que Luís Chambel intitula de “hipotético cenário de poucas intervenções realizadas que, por um lado, não justificariam o investimento realizado e, por outro, não permitiriam o domínio da técnica”.
Poucos profissionais dedicados à técnica
A generalidade dos médicos veterinários de animais de companhia tem um bom conhecimento genérico sobre displasia da anca e de tratamento de patologia articular, na opinião do diretor clínico do HVVG, Bruno Oliveira. “Existem, no entanto, áreas que ainda têm uma grande margem de progressão até entrarem na rotina clínica da generalidade dos médicos veterinários, como sejam a deteção precoce da displasia da anca”, afirma. A realidade é que este é um procedimento dispendioso e que tem em alguns casos “alternativas sub-ótimas como a recessão da cabeça do fémur, cujo resultado não é tão satisfatório (e, em alguns casos, é mesmo ineficaz), mas tem um custo muito menor.”
O que motivou o médico veterinário a investir na prótese total de anca foi a possibilidade de melhorar a qualidade de vida aos seus pacientes. “Cada procedimento que efetuamos é a prova de que o nosso dever como médicos veterinários foi cumprido. O tutor foi informado, optou pelo melhor tratamento possível e apesar dos custos selecionou a técnica que permite que o seu animal venha a ter mais hipóteses de ter uma vida confortável e com qualidade.” Além do elevado custo de investimento pessoal em formação para a realização da técnica, também a aquisição de material e implantes implica um gasto financeiro elevado, o que pode constituir um entrave à aposta na formação por parte dos médicos veterinários. Além disso, “para realizar a técnica corretamente, não basta um cirurgião. É necessária uma equipa inteira que conheça a técnica e esteja rotinada na sua aplicação. E é preciso dominar a técnica de osteossíntese e ter competência cirúrgica para lidar com as possíveis complicações intra e pós cirúrgicas que podem ocorrer”, sublinha Bruno Oliveira.
“É preciso dominar a técnica de osteossíntese e ter competência cirúrgica para lidar com as possíveis complicações intra e pós cirúrgicas que podem ocorrer” – Bruno Oliveira, Hospital Veterinário Vasco da Gama
Por outro lado, também as instalações do CAMV devem ter condições específicas, como por exemplo, a capacidade de internamento, um bloco operatório com equipamento cirúrgico adequado, o equipamento anestésico com ventilação assistida, assim como, aparelhos de monitorização anestésica, assinala o diretor clínico do HVVG. “São exigidos ainda bons protocolos instalados de esterilização e controlo de qualidade e a existência de um pequeno número de casos que têm efetiva indicação para a realização do procedimento.”
Henrique Armés não tem resposta para o facto de existirem poucos colegas dedicados a esta intervenção, mas sugere, contudo, que “o fator económico relacionado com o investimento inicial, associado a uma curva de aprendizagem larga, possa ser uma limitação para a generalização da técnica”.
Henrique Armés admite que “o fator económico relacionado com o investimento inicial, associado a uma curva de aprendizagem larga, possa ser uma limitação para a generalização da técnica”
A juntar ao investimento financeiro necessário para implementar a técnica de colocação de prótese total da anca, Luís Chambel destaca o sacrifício pessoal e o tempo necessário para aprender e treinar a técnica que define como a mais difícil que já implementou no seu hospital até aos dias de hoje. “Este procedimento exige uma maturidade, experiência e domínio da técnica cirúrgica ortopédica, uma equipa bem preparada e um ambiente cirúrgico exemplar com condições de assepsia perfeitas. Por todas estas razões, considero que deve ser uma cirurgia realizada apenas em centros de referência que consigam reunir todos estes fatores”, defende.
“Este procedimento exige maturidade, experiência e domínio da técnica cirúrgica ortopédica, uma equipa bem preparada e um ambiente cirúrgico exemplar com condições de assepsia perfeitas” – Luís Chambel, Vet Oeiras
Além das limitações económicas por parte dos tutores e a falta de médicos dedicados à colocação de prótese total da anca, o médico veterinário do VetOeiras sublinha a necessidade de conquistar a confiança dos colegas para referenciarem mais clientes para este procedimento, realidade que antevê que possa melhorar perante os casos de sucesso a que se tem assistido. “Na realidade, 80% das próteses que coloquei foram casos referenciados por colegas, de norte a sul do país. Mas sabendo que, em média, aproximadamente 20 % dos cães sofrem de displasia e que, destes, 5% necessitam de tratamento cirúrgico, estamos a falar de 75 000 cães a necessitarem de intervenção (assumindo uma população canina de 1 500 000 animais) e, perante este cenário, estamos efetivamente muito aquém do que podemos fazer para melhorar a qualidade de vida destes animais.”
Há 16 anos, o médico veterinário sentiu a mesma realidade quando iniciou a aplicação da TPLO para resolução da rotura do ligamento cruzado anterior, quando a técnica mais utilizada era a sutura lateral. “É necessário criar massa crítica e esperar que os resultados na melhoria da qualidade de vida dos animais operados e com taxas de complicação baixas tragam a confiança necessária para que a referenciação passe a ser natural e regular”, sugere Luís Chambel.
Henrique Armés destaca que a grande maioria das cirurgias realizada no HVSB resultam de referenciação por parte de colegas. “A minha perceção é a de que os médicos veterinários conhecem a técnica e reconhecem a sua importância. Contudo, têm de ajustar a sua práxis à disponibilidade do tutor em avançar para uma intervenção deste cariz.”
Resultados alcançados
É uma recuperação relativamente célere e intitulada de “espetacular” por parte dos médicos que a ela recorrem. “Geralmente, os animais fazem apoio do membro sem grande carga no dia seguinte à cirurgia e a recuperação é espantosamente rápida. Cerca de uma semana depois, o apoio é praticamente normal porque a biomecânica da articulação é mantida, por oposição às artroplastias por ostectomia da cabeça femoral. Um mês depois, o paciente pode fazer a vida normal sem atividade física extrema e três meses depois não tem qualquer limitação de exercício”, sugere Henrique Armés.
No caso do HVVG, o internamento dos animais ocorre, pelo menos, durante dois dias após o procedimento. Nas primeiras horas após a cirurgia, a aplicação de frio ajuda a prevenir a formação de edema e, nos dias seguintes, o recurso ao calor ajuda a favorecer a absorção de líquidos e o laser terapêutico de classe IV a acelerar a cicatrização. “É essencial providenciar uma cama macia em que os animais possam descansar sem efetuar demasiada pressão sobre o membro intervencionado”, assinala Bruno Oliveira. Nos primeiros dias pós cirúrgicos, os ossos estão mais fragilizados e suscetíveis a fraturas ou luxações de implantes. “Esta preocupação em minimizar o traumatismo da região cirúrgica mantém-se até o processo de osteointegração dos implantes estar completo e isto está dependente da idade do animal, do tipo de implante utilizado, etc. É também de crucial importância vigiar o animal para sinais de infeção como febre, anorexia, entre outros.”
Ao final de 48 horas, se tudo estiver bem, o animal tem alta do HVVG, sendo agendadas as reavaliações sucessivas. “A generalidade dos animais apoia consistentemente o membro quando são removidas as suturas, o que acontece entre os 12 e 14 dias pós-cirúrgicos. De forma a controlar o processo de cicatrização e garantir que não existem complicações, os animais fazem avaliações radiográficas seriadas até garantir que os implantes estão completamente osteointegrados”, explica o diretor clínico.
Luís Chambel destaca o facto de a maior parte das complicações ocorrerem após a cirurgia e, por essa razão, é recomendado o máximo de cuidado aos tutores, sugerindo evitar corridas, saltos e passeios sem trela. “Receitamos inclusivamente ansiolíticos neste período. Fazemos a primeira avaliação radiográfica dois meses após a cirurgia e, a partir desse momento, estando tudo bem, começa o regresso progressivo à vida normal.”
Quando o recurso aos anti-inflamatórios se torna frequente, deve ser considerada a opção “prótese”, explica Henrique Armés. “Em animais jovens, com menos de um ano, “apesar de tecnicamente ser possível aplicar próteses não cimentadas de titânio, a tendência passa por ‘arrastar’ a cirurgia para a idade adulta, diminuindo desta forma a necessidade de reintervenções com ‘implantes de revisão cirúrgica’. Entenda-se que a aplicação de uma prótese, não deixa de ser uma excisão irreversível de uma articulação natural, substituindo-a por um mecanismo artificial”, salienta o médico veterinário. Assim, deve ser encontrado o melhor compromisso entre o risco de uma intervenção invasiva e a sua real necessidade. “Animais sem dor articular e biomecanicamente funcionais raramente são candidatos, ainda que, radiograficamente, possam apresentar alterações na articulação.” Em pacientes com doença articular, Henrique Armés e a sua equipa aconselham a sua monitorização clínica e imagiológica. “O acompanhamento radiográfico é fundamental porque na evolução do processo de osteoartrose, a articulação altera a sua morfologia e, no limite, em casos severos, pode impossibilitar a aplicação dos implantes, sobretudo do componente acetabular. Devemos, nestes casos, antecipar a colocação da prótese total da anca.”
As próteses totais de anca são sistemas avançados de substituição integral da articulação, conferindo a reabilitação funcional ao membro, avança o diretor clínico do HVSB, referindo, contudo, que estes são sistemas artificiais e mecânicos com materiais biocompatíveis mas fisicamente diferentes do osso, que, por esse motivo, modificam e remodelam a estrutura óssea que os recebe, obrigando o osso a remodelar-se devido à aplicação de vetores de força, diferentes daqueles aos quais estava ancestralmente preparado para receber. Por outro lado, o sistema de par articulado de implantes acrescenta problemas tribológicos (atrito e arraste de partículas) que estão associados a perdas tardias do implante”, salienta Henrique Armés. Apesar de tudo, atualmente, o estado da arte tem permitido aos médicos veterinários afirmar que esta é a melhor opção para acrescentar qualidade de vida de um paciente cuja articulação deixou de ser biomecanicamente competente. “Importa dizer que a tendência atual em cirurgia humana passa pela tentativa de diminuir ao máximo o grau de invasão cirúrgica, com diminuição do tamanho dos ‘stems’ e precisão na sua aplicação, bem como, na utilização de pares articulados de cerâmica, com menos desgaste”.
No Vetoeiras, a medicina preventiva relacionada com patologias articulares hereditárias é uma realidade há mais de 16 anos e, na prática, consiste na promoção de despistes precoces de displasias nos cães de raça predisposta, entre os cinco e os seis meses de idade. Assim, é possível detetar, desde muito cedo, apresentações muito graves de displasia da anca. “Nestes casos, esperamos que atinjam os nove ou dez meses de idade e, a partir desse momento, qualquer cão é candidato à aplicação de uma prótese total da anca não cimentada. Entendemos que a mesma irá proporcionar melhor qualidade de vida, uma vida sem dor, o mais cedo possível”, salienta Luís Chambel. A sugestão é a de não esperar demasiado tempo quando as soluções médicas não funcionam. “É um investimento grande e, quanto mais cedo for feito, maior o tempo de usufruto do mesmo”, acrescenta.
Segundo Luís Chambel, “a técnica de colocação de prótese total de anca, aplicada de forma regular e consistente, permite reduzir a taxa de complicações para os 1-2%, nos casos considerados normais. Esta taxa pode subir para os 5-10% nos casos complexos. “Utilizamos provavelmente o sistema tecnicamente mais avançado do mercado com o objetivo de eliminar a dor articular e proporcionar uma articulação 100% funcional e para toda a vida”, explica Luís Chambel. O médico veterinário gostaria de sensibilizar a classe veterinária para a dor associada à displasia da anca, bem como para a aplicação da prótese total da anca como solução. “Está em causa a grande melhoria da qualidade de vida dos animais e dos seus tutores, mas também a excelência dos cuidados prestados por todos nós”, afiança. No final, alguns verbalizam-no com frases como as que o médico veterinário já teve oportunidade de ouvir, como por exemplo: “Sinto que o meu cão renasceu” ou “Parece que tenho um cão novo”.
Situações com indicação para a prótese total da anca
O diretor clínico do Hospital Veterinário Vasco da Gama destaca os casos que são indicados para a aplicação desta técnica destacando que a displasia da anca é uma doença em declínio nos países desenvolvidos à medida que os tutores vão estando mais informados. “O número de animais displásicos utilizados para a reprodução tem vindo a diminuir e, com isso, tem-se assistido a uma diminuição dos casos de displasia em animais jovens. Eventualmente, essa tendência também chegará aos nossos clientes, fazendo diminuir ainda mais o número de candidatos ao procedimento.”
- Doença degenerativa articular coxofemoral sem resposta satisfatória ao tratamento conservativo;
- Má união de fraturas acetabulares ou de colo-femoral;
- Luxações coxofemorais crónicas ou de resolução impossível por método tradicional;
- Displasia da anca em situações em que já não é possível realizar outras técnicas cirúrgicas (como a sinfisiodese púbica juvenil ou a osteotomia dupla ou tripla de bacia) e cujos animais não respondem satisfatoriamente ao tratamento conservativo.
Contraindicações para a sua aplicação
- A prótese total de anca não se pode efetuar em pacientes em fase rápida de crescimento sendo que raramente é equacionada em animais com menos de dez meses;
- Animais radiograficamente displásicos mas sem sintomatologia (existem animais que apesar de terem displasia de anca radiográfica não apresentam sintomas ou apresentam sintomas ligeiros controláveis medicamente);
- Animais que respondem favoravelmente ao tratamento médico;
- Presença de infeção cutânea, feridas ou pioderma na região cirúrgica antes da intervenção;
- Presença de infeção à distância uma vez que existe a possibilidade de bactérias de infeções noutras regiões do corpo (dentes, prostatite, cistite, otites, etc.) poderem migrar por via hematógena e colonizar os implantes cirúrgicos causando infeção;
- Neoplasia;
- Miopatias;
- Patologias neurológicas;
- Presença de outras patologias ortopédicas concomitantes (rotura de ligamentos cruzados, luxação patelar, hiperextensão talo-crural, etc.);
- Malformações angulares dos membros pélvicos ou bacia. Frequentemente, os animais displásicos possuem outras alterações de conformação dos membros que podem dificultar ou impedir a realização da prótese total de anca.
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 145 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de janeiro de 2021.