A Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa celebrou 194 anos em abril deste ano. Quase a completar dois séculos, quisemos conhecer o percurso daquela que foi a primeira Escola de Ciências Veterinárias em Portugal. Em entrevista, Rui Caldeira, presidente da instituição de ensino, fala sobre a evolução de conhecimento, do número de diplomados, mas também das dores que o setor enfrenta.
A Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa celebra 194 anos, quase a completar dois séculos, como vê este percurso e reflete sobre a sua evolução?
De facto, no passado dia 7 de abril completaram-se 194 anos sobre a data em que foi publicado na Gazeta de Lisboa o alvará régio do Rei D. Miguel, de 29 de março de 1830, criando a Real Escola Veterinária Militar, antecessora da FMV-ULisboa, e criando assim o Ensino Veterinário em Portugal. Foi a primeira Escola de Ciências Veterinárias em Portugal e em todo o espaço que fala a língua portuguesa e a 38.ª no mundo. Nasceu com o foco principal na saúde dos cavalos do exército, mas rapidamente foi adicionando tarefas e competências importantíssimas para o País e para os portugueses, constituindo um suporte decisivo para o desenvolvimento da pecuária, da tecnologia e segurança sanitária dos alimentos de origem animal, da saúde e bem-estar de todas as espécies animais, em especial dos que mais perto convivem connosco, da saúde pública e da investigação veterinária e biomédica.
Desde então, as Ciências Veterinárias fizeram uma evolução fantástica, em especial nas últimas décadas e, em simultâneo, com as outras ciências próximas. Formou médicos veterinários que se espalharam pelo País, incluindo as colónias até 1974, e pelo mundo, onde exerceram atividades importantíssimas e foram reconhecidos pela sua qualidade. Também na investigação foi um percurso notável, a par do Laboratório de Investigação Veterinária, conhecido durante décadas como Laboratório de Benfica, com quem partilhava recursos humanos e projetos.
Como atual presidente da FMV-ULisboa, como descreve o sentimento de fazer parte desta história?
Com um enorme orgulho de pertencer aos seus quadros e de ser seu presidente e com a imensa responsabilidade de honrar o seu passado e dar continuidade a um percurso de grande relevância para a profissão médico-veterinária e para o país.
Quais os principais desafios que enfrentou enquanto presidente da FMV-ULisboa?
Formar pessoas é sempre um processo complexo e de grande responsabilidade perante a sociedade que espera os melhores técnicos e investigadores para o seu desenvolvimento e nos financia para que esse objetivo seja cumprido. A formação e a investigação em Medicina Veterinária são particularmente exigentes e dispendiosas, necessitando de meios humanos e técnicos altamente especializados. Para isso, há que manter um esforço constante de permanente atualização dos recursos humanos e técnicos, das instalações e dos equipamentos, cada vez mais sofisticados. Este é o desafio permanente da FMV, o qual é apreciado através de avaliações nacionais e internacionais, de inquéritos aos nossos estudantes e diplomados e aos seus empregadores.
As respostas foram sempre muito positivas, mostrando uma elevada qualidade da nossa formação, acreditada internacionalmente pela Associação Europeia de Estabelecimentos de Ensino Veterinário (AEEEV). Na investigação, o Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal (CIISA) que a coordena, melhorou neste período a sua classificação pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) de “Muito Bom” para “Excelente”. Em termos da qualidade da nossa atividade, frisar que na maior parte dos rankings internacionais, a área das Ciências Veterinárias da ULisboa, representada pela FMV, é a 1ª em Portugal e está muito bem classificada internacionalmente.
Além desta atividade normal, o maior desafio neste período foi sem dúvida a Covid-19. O ano de 2020 foi marcado de forma indelével por esta pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, qual teve impactos muito significativos nas diversas atividades da FMV-ULisboa, tanto no aspeto quantitativo como, sobretudo, nas formas de trabalho adotadas para a sua realização em segurança de modo a garantir a continuação do ensino, da investigação e da prestação de serviços.
Mais uma vez, a FMV soube adaptar-se rapidamente, introduzindo a partir do dia 10 de março o ensino à distância (E@D), de forma imediata, regular e massiva, mesmo antes do governo decretar o primeiro confinamento geral, e adaptando as suas atividades ao regime de teletrabalho. A instalação dos meios técnicos necessários e a adaptação dos docentes e estudantes foi muito rápida, garantindo o menor prejuízo possível na sua formação. No 1º semestre de 2020-2021 o ensino voltou ao regime presencial, embora com as limitações impostas pelo distanciamento entre pessoas.
O gabinete Covid-19 da FMV garantiu a implementação do Plano de Contingência e o controlo das situações que foram ocorrendo. Foi, sem dúvida, um desafio gigantesco para a FMV e para todo o País e o mundo.
Que planos futuros estão previstos para a FMV?
Até ao fim do segundo e último mandato, a nossa equipa tem vários projetos em curso que esperamos concluir:
- Terminar as obras de reabilitação da Faculdade, tão necessárias e para as quais conseguimos finalmente financiamento, garantindo a sua preservação, uma maior adequação aos fins previstos e um maior conforto para todos os seus utilizadores;
- Melhorar significativamente as condições pedagógicas do Ensino, apostando no reforço significativo do treino e simulação em modelos, segundo o princípio “never the first time on a live animal”, na adequação ou construção de espaços de ensino mais adequados às novas metodologias pedagógicas, de equipamentos digitais, plataformas de ensino veterinário e equipamentos de visualização e transmissão, os quais permitem um ensino muito mais interessante, interativo e motivador;
- Implementar o novo Plano de Estudos, garantido a sua modernidade e a qualidade dos diplomados;
- Continuar a equipar a FMV e o seu Hospital Escolar com equipamentos modernos de diagnóstico e tratamento médico e cirúrgico;
- Continuar a desenvolver a investigação veterinária, apoiando o CIISA e o novo Laboratório Associado para a Ciência Animal e Veterinária (AL4AnimalS);
- Continuar a reforçar as equipas docentes e não docentes, garantindo a substituição dos que se aposentam e a resposta às necessidades crescentes;
- Melhorar as condições de saúde mental e de bem-estar dos estudantes, docentes e funcionários da nossa instituição, para que todos nos sintamos em casa e possamos desenvolver um trabalho ainda melhor.
Pode ler a entrevista na íntegra na próxima edição de junho (n.º 183) da Veterinária Atual.