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Animais Selvagens

Sorriso dos golfinhos “tem sido a sua maior desgraça”

Sorriso dos golfinhos “tem sido a sua maior desgraça”

A provedora do animal, Laurentina Pedroso, organizou em outubro passado a Ação de Sensibilização: Mamíferos Marinhos – Golfinhos com especialistas internacionais, marcando a sua posição na defesa da espécie e alertando a sociedade para esta causa. Em entrevista à VETERINÁRIA ATUAL explica as suas recomendações, que passam pela proibição da reprodução natural e assistida destes animais que, na sua opinião, são encarados de forma distorcida pela sociedade.

Organizou em outubro passado a Ação de Sensibilização: Mamíferos Marinhos – Golfinhos com especialistas internacionais. Qual o objetivo desse encontro?

Parece-me que a sociedade não se apercebe do que se passa. Os golfinhos geram empatia pela visão de que são um animal que está feliz e a sorrir, mas a verdade é que os golfinhos não têm expressão facial, ao contrário do ser humano. Um golfinho se estiver a sofrer, a morrer e mesmo depois de morto continua a sorrir. O sorriso dele tem sido a sua maior desgraça.

 

Fiquei sensibilizada para este assunto, sobretudo, no final de 2022, depois de reunir com representantes de movimentos de defesa desta espécie, comecei a investigar e fiquei muito arrepiada com o tema. Esta é uma realidade que escapa um pouco à generalidade dos médicos veterinários e, de alguma forma, tem sido um tema mais abordado pelos biólogos.

“Os golfinhos geram empatia pela visão de que são um animal que está feliz e a sorrir, mas a verdade é que os golfinhos não têm expressão facial, ao contrário do ser humano. Um golfinho se estiver a sofrer, a morrer e mesmo depois de morto continua a sorrir.”

 

Laurentina Pedroso provedora do animal

Os golfinhos têm uma esperança de vida na natureza entre os 40 e 50 anos, têm um cérebro mais complexo do que o do homem e desenvolveram, ao longo de milhares de anos de evolução, um mecanismo sonar – como os ultrassons das ecografias – que permite olhar para uma mulher e perceber se ela está grávida. Eles têm capacidade de ver coisas que nós não vemos e de ouvir coisas que nós não ouvimos.

 

Na natureza chegam a percorrer entre 40 e 200 quilómetros por dia e mergulham a profundidades que podem variar entre os 500 e os mil metros, dependendo da espécie.

E agora questionamos, mas um animal com estas características, que vive tantos anos, o que lhe acontece [em cativeiro]?

 

A realidade é que estes animais, ao longo de muitos anos, foram capturados para viver em cativeiro. A nível nacional há uma base de dados que, na atualização do primeiro semestre de 2023, revelou que temos em Portugal o maior número de golfinhos por delfinário na Europa, ao todo são 27 animais. O país que tem mais golfinhos é Espanha, mas como tem mais delfinários estão mais espalhados.

Há uns anos, a União Europeia proibiu a morte e a captura destes animais no espaço europeu. Os delfinários adaptaram-se a estas alterações legislativas e o que fizeram foi passar a reproduzi-los em cativeiro. O que é estranho é que parques zoológicos que têm estes animais argumentam que os têm por motivos de conservação, só que estas espécies não estão em extinção.

No cenário nacional temos uma “golfinha” que já leva 46 anos em cativeiro. Foi capturada nas águas da Florida com dois ou três anos e desde aí viveu sempre em cativeiro, passando por vários delfinários. Outra fêmea, capturada nas águas do México, já leva 42 anos de vida em cativeiro. São animais que têm memórias de vida no mar, mas viveram praticamente uma vida toda em cativeiro.

“Os espetáculos devem deixar de existir como espetáculos. Estes locais dizem que os animais estão lá para serem exibidos, mas os espetáculos, as interações com o público, as sessões de fotografias que não são próprias para estes animais e não acontecem com outros animais dos zoológicos.”

Hoje a evidência science based mostrou que há sofrimento animal e questiono-me, enquanto médica veterinária, se temos o direito de fazer isto a este animal. Não há necessidade de ter estes animais em cativeiro para me divertir com eles e não necessito de reproduzi-los porque não estão em vias de extinção.

Então e quais são as suas propostas para este tema?

A primeira recomendação é não os deixar nascer porque vão viver num habitat que não é nada comparado ao habitat natural, as mães não vão conseguir ensinar aos seus filhos o que é natural da espécie. Ou seja, a primeira medida é proibir a reprodução natural e assistida. Não é novidade, o Canadá já proibiu, França também e os ingleses, nos anos de 1990, tornaram tão difícil ter estes animais em cativeiro que deixaram de existir [no país] e agora os turistas ingleses quando vão ao Algarve compram bilhetes para irem ver estes animais em cativeiro.

Mas é preciso pensar com cabeça, porque se só proibirmos [a reprodução] os animais que têm agora três anos podem estar condenados a uma vida em cativeiro.

Não podem ser devolvidos ao meio ambiente?

Quando se diz meio ambiente é mar aberto. Não têm capacidade para ser libertados em mar aberto. Nesta ação que realizamos, para além do Richard O’Barry, estiveram especialistas da Indonésia que recuperaram um golfinho que esteve 10 anos em cativeiro, mas que tinha ainda memória de mar, libertaram-no e agora vive na Austrália, monitorizado por GPS. No entanto, outros dois golfinhos foram libertos em estruturas como as aquaculturas, fechadas, com o apoio do homem, mas que lhes dá a possibilidade de estarem perto do seu habitat natural. É isso que será a evolução destas situações.

Os espetáculos devem deixar de existir como espetáculos. Estes locais dizem que os animais estão lá para serem exibidos, mas os espetáculos, as interações com o público, as sessões de fotografias que não são próprias para estes animais e não acontecem com outros animais dos zoológicos. A ideia é alterar esta situação e passar a exibir os animais com mais pedagogia, em que estes possam fazer as suas atividades, comer, fazer saltos, como acontece com os outros animais exibidos nos zoológicos e não em espetáculo, com altifalantes e pessoas a fazer barulho.

E com tanto mar que temos no nosso País, podemos pensar em colocá-los em refúgios, reservas da natureza, em que terão a sua liberdade e nesses locais, estes animais que não poderão ser libertados em mar aberto, podem continuar a ser visitados na natureza.

Os locais que agora existem podem continuar a ajudar os animais que dão à costa nos arrojamentos, os animais que não sobreviveriam na natureza, como um golfinho cego. Estes espaços têm de se reinventar.

Vou propor medidas faseadas e o Governo terá um papel fundamental a custear estas estruturas na natureza, mas podem também ser as universidades, as verbas europeias e o mecenato.

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