Um tema que tem vindo a ganhar momentum é o aumento exponencial de animais de raças braquicefálicas. Todos, enquanto profissionais de saúde animal, estamos conscientes dos múltiplos problemas envolvidos. O mesmo não podemos dizer do público em geral.
Falando especificamente da raça canina, é possível que tenham uma existência feliz, mas nunca desprovida de sofrimento em algum momento da sua vida. De certa forma, são animais em constante esforço, maior ou menor. Já para não referir que está comprovado que o período de vida destes animais de focinho achatado é significativamente menor.
Infelizmente, estes animais têm vindo a ganhar uma visibilidade e popularidade tremendas por vários motivos. Um deles está relacionado com os seus traços físicos: a forma do focinho remete para um certo paralelismo com personagens animadas, tornando-os adoráveis aos olhos de muitos. Por outro lado, são animais cuja personalidade é, muitas vezes, percecionada como divertida ou brincalhona, o que acaba por fazer destes uma raça muito desejada.
De forma geral, este tipo de raças – não sendo exceção – é um dos principais alvos da compra ou adoção por impulso. É manifestamente visível que muitos tutores não estão devidamente informados sobre o que implica ter um animal braquicéfalo. Alguns deles estão tão decididos a tê-los que, mesmo já tendo acesso a algum nível de informação, descartam a possibilidade de tomar uma decisão diferente. Logo, a emoção sobrepõe-se (largamente) à razão.
Os números são esclarecedores. Num estudo realizado pela Plos One e posteriormente divulgado na VETERINÁRIA ATUAL, de 2168 tutores de cães braquicéfalos, 93% dos participantes tencionavam ter outro cão da mesma raça no futuro e 65,5% iriam mais além, ao ponto de os recomendar a outras pessoas.
Como podemos então utilizar a componente emotiva para sensibilizar tutores e futuros tutores? Como referi anteriormente, uma simples conversa de aconselhamento com o médico veterinário dificilmente terá a eficácia desejada, visto que este último se pauta sobretudo por princípios lógicos e racionais. O tipo de comunicação que terá o maior impacto será aquela que contemple um elevado teor de grafismo e também testemunhos, em primeira pessoa, dos profissionais clínicos que vivenciam estes casos num registo diário. A divulgação com elevado grafismo e ilustrativa das dificuldades de saúde sentidas por estes animais será o início de um equilíbrio progressivo entre as componentes emocional e racional nas decisões dos tutores.
E onde e de que forma poderá ser utilizado este grafismo? É vital expor a verdade nua e crua. Materiais de comunicação que mostrem, sem filtros, os diversos problemas de saúde que estes animais apresentam. Nos CAMVs, os profissionais de saúde animal podem afixar posters ou cartazes, entre outros materiais, que exemplifiquem de forma direta e clara as dificuldades citadas e que, ao mesmo tempo, apoiem o momento de aconselhamento aos tutores. A educação, uma vez mais, desempenha um papel fundamental na sensibilização e consciencialização.
As redes sociais são outra ferramenta essencial e que se encontram ao alcance de todos. Somos constantemente inundados com imagens de braquicéfalos, que em muito contribuem para a sua disseminação. A utilização de posts através de imagens estáticas e de vídeos explicativos pode e deve acontecer. É de extrema importância mostrar a própria perspetiva dos profissionais, através de vídeos que contenham relatos e testemunhos das difíceis experiências com que lidam diariamente.
Um exemplo – e que demonstra bem o espírito de união entre os profissionais envolvidos – foi o lançamento da campanha de sensibilização pela European Federation of Companionl Animal Veterinary Associations (FECAVA). Sob o mote “please don’t buy flat-faced animals”, divulgou um vídeo no Youtube com um forte cariz emocional, no qual são descritas, ao pormenor, as dificuldades pelas quais estes animais passam, juntamente com testemunhos das várias e dolorosas experiências dos veterinários e enfermeiros nos CAMVs.
Previsivelmente, estas ações apenas poderão ajudar na desaceleração deste processo e não na sua proibição. Há que ter em conta que a proibição da criação destes animais poderá fomentar um problema ainda maior: a criação ilegal e desregulada, sendo os mais prejudicados, invariavelmente, os animais. Uma alternativa à criação atual deste tipo de raças, passaria, quiçá, por outra centrada na ciência e baseada num maior controlo do cumprimento dos padrões de saúde dos mesmos. Para tal, serão os organismos reguladores que deverão atuar. Em certos países europeus, tal como a Holanda e a Noruega, vemos já algumas decisões tomadas e implementadas, concretamente através da proibição da criação de certas raças braquicefálicas. No entanto, é ainda precoce mensurar o impacto destas medidas.
Se é certo que a seleção, criação e disseminação é obra da humanidade, devemos ser também nós a utilizar as inúmeras ferramentas de comunicação ao nosso alcance para colocar um travão na propagação destas raças, cuja saúde está, desde o seu nascimento, posta em causa. Para que tal seja exequível num futuro próximo, compete a todos os profissionais de saúde animal comunicá-lo de forma concertada e massificada.
*Bernardo Soares – UPPartner DVM / Animal Health Advisor bernardo.soares@uppartner.pt
*Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 158 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de março de 2021.