A articulação dos cursos superiores e das universidades com o mundo laboral esteve em debate na 2ª edição das Conferências Veterinária Atual, realizadas no ano passado. Fique com as principais considerações desta mesa-redonda que reuniu médicos veterinários, docentes e uma estudante.
Mafalda Pires Gonçalves, médica veterinária e practice manager do Hospital Escolar da FMV-UL partilhou as dificuldades que sentiu quando começou a trabalhar em medicina veterinária abordando aquilo que se espera durante o curso e o que se encontra na realidade profissional. “Segundo os dados da Federação de Veterinários da Europa (FVE), Portugal está numa das posições mais abaixo entre as expectativas e a realidade face à qualidade de vida, relativamente ao vencimento que temos e ao que pensávamos que iríamos enfrentar.”
Durante o curso de medicina veterinária, Mafalda optou por trabalhar e ter noção da dinâmica de uma empresa. “Depois, estagiei numa clínica veterinária e consegui adquirir dados de gestão e quando trabalhava no Hospital Veterinário de Restelo, surgiu a oportunidade para exercer funções de recursos humanos e optei por fazer uma pós-graduação generalizada porque queria ter as bases de um curso de gestão, o que fez toda a diferença no meu percurso.”
Carolina Silva é médica veterinária e coordenadora da licenciatura em enfermagem veterinária da Escola Superior Agrária de Elvas do Instituto Politécnico de Portalegre e considera que os cursos superiores são fundamentais para a preparação para o mercado de trabalho, mas considera que a transversalidade de formação, no caso dos enfermeiros veterinários é uma mais-valia. “É verdade que tem de haver uma valorização maior do profissional e é necessário formar os alunos adequadamente para que os enfermeiros percebam qual o seu papel na clínica.”
A diretora clínica da BBVet, Inês Pais também recuou alguns anos para o momento em que terminou o curso e em que não havia contratos de trabalho. “Estive seis anos a recibos verdes e não era mal remunerada, não me posso queixar. Tinha uma carga horária louca, o que não fez muita diferença nos primeiros três anos apesar de ter percebido tempos mais tarde, os estragos que isso fez.” Assinala como principais dificuldades no começo da atividade profissional a gestão das expectativas dos doentes, conseguir promover o melhor bem-estar animal em consonância com o que os tutores esperavam, gerir o stresse 24 horas por dia e sentir que tinha de estar presente em tudo e em todos os momentos. “Enquanto diretora clínica, optei por recorrer a uma consultora externa na área de gestão numa altura em que estava em ponto de rutura.”
Quando recorreu a ajuda externa, passou a ter uma estrutura interna mais organizada e o que foi mais crucial, na sua opinião, foi o facto de a equipa passar a ter funções muito bem definidas. “Isto possibilitou a que a rentabilidade fosse maior, conseguimos todos sair às horas certas e o ambiente de trabalho melhorou bastante. As pessoas não têm uma sobrecarga de trabalho e, numa clínica de bairro, isto fez toda a diferença.” A diretora clínica consegue finalmente ter mais tempo para pensar em como aplicar as ideias de gestão na empresa e para se dedicar mais à clínica que é o que realmente gosta de fazer. “Sei que não conseguimos num curso superior de seis anos ter a noção de como é que o mercado de trabalho funciona. O curso de Veterinária tem imensas saídas profissionais diferentes, faz sentido que os primeiros anos tenham um tronco comum, mas não entendo porque é que não há cadeiras que estejam mais associadas à realidade da prática clínica”, disse.
Rita Payan Carreira da Direção do curso de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Universidade de Évora considerou que “no geral, todas as universidades têm o objetivo de criar e proporcionar o desenvolvimento de competências para entrar no mercado de trabalho. A Universidade de Évora integra atualmente um projeto de Erasmus internacional e, no começo, houve a preocupação de ouvir a opinião dos colegas que dão estágio com uma formação mais recente e aos que já trabalham há mais anos para perceber o que pode ser um hiato.”
Neste novo semestre, já foram introduzidas algumas alterações procurando agilizar os processos. “As universidades têm um ‘peso’ de tradição e, por vezes, é difícil fomentar a mudança. Ao nível de unidades curriculares individuais, os alunos são chamados a participar. Tivemos a oportunidade de alterar a estrutura curricular do curso agora em sede de aprovação e estamos a tentar ir ao encontro das opiniões dos grupos focais ao criar uma sensação de conforto e de competência ao aluno quando sai da faculdade”, explicou a docente.
Leonor Carlos está no terceiro ano da licenciatura de Medicina Veterinária e é presidente da Associação de Estudantes de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. “Entrei para a faculdade com uma ideia fixa do que queria fazer [optar pela medicina de pequenos animais] e três anos depois sei muito aquilo que não quero. Acho que atualmente o curso tem algumas unidades curriculares que nos preparam, mas julgo que a ponte para o mercado de trabalho não está muito bem estruturada”, adiantou. “O facto de termos professores que também exercem a profissão é benéfico porque podemos consultá-los e esclarecer algumas dúvidas.”
Perante a consciência de que existem assuntos que não são abordados num curso superior, a associação de estudantes promove workshops de soft skills, que preparam os alunos para lidar com tutores, para primeiros socorros na medicina veterinária, saber elaborar um currículo, entre outros temas.