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Investigação

Investigador português estuda vírus que ameaça populações de anfíbios na Serra da Estrela

sapos-parteiros da Serra da Estrela

Uma nova estirpe de vírus está a causar a morte em massa de várias espécies de anfíbios na Serra da Estrela. O alerta é de um estudo publicado na revista científica Scientific Reports e liderado pelo investigador português Gonçalo M. Rosa, do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, que revela que este vírus foi já detetado noutras áreas de Espanha e da Europa.

As conclusões do estudo mostram tratar-se de “uma infeção por quitrídio (Batrachochytrium dendrobatidis), um fungo microscópico que afeta as populações de sapo-parteiro” e que foi já responsável pelo desaparecimento do sapo-parteiro de cerca de 70% dos pontos onde habitava.

O estranho caso da vila de Folgosinho

“No outono de 2011 surgiu um estranho episódio de mortalidade que levantou uma série de novas questões: um evento que afetou não só os sapos-parteiro, como todas as outras espécies de anfíbios que habitavam um charco perto da vila de Folgosinho. O episódio contrastou com todos os padrões de mortalidade até então associados à quitridiomicose na Península Ibérica e na Europa, e os testes realizados aos animais mortos confirmaram que não se tratava de infeção por quitrídio. Uma nova estirpe de ranavírus foi então detetada em todas as espécies analisadas”, indica o estudo.

Gonçalo M. Rosa, investigador responsável por esta investigação, explicou à VETERINÁRIA ATUAL que “as populações de sapo-parteiro das zonas altas da Serra da Estrela foram fortemente afetadas pelo fungo quitrídio, registando-se o enorme declínio. Mas tudo piorou quando uma nova ameaça foi detetada na área. O ranavírus não ajudou de todo a uma recuperação dos sapos-parteiros e, enquanto antes as populações de mais baixa altitude (<1200m) estavam de certo modo salvaguardadas, agora passaram também estas a estar em perigo. No entanto, o vírus não se limitou a causar mortalidade nos sapos-parteiros, sendo virtualmente todas as espécies de anfíbios suscetíveis a infeção e desenvolvimento da doença – ranavirose – eventualmente conduzindo à morte.”

Gonçalo M. Rosa, investigador responsável por esta investigação, em trabalho de campo

Gonçalo M. Rosa, investigador responsável por esta investigação, em trabalho de campo

Os vírus do género ranavírus encontram-se um pouco por todo o mundo, sendo capazes de infetar vários grupos de animais, desde peixes a répteis e anfíbios. Mas diferentes estirpes têm diferentes graus de virulência e aquele que circula na Serra da Estrela pertence a um grupo hiper-virulento chamado CMTV-Ranavirus. Não é a primeira vez que se fala deste vírus: esta estirpe tem sido responsável pela morte anual em massa de várias espécies de anfíbios, semelhante ao que foi recentemente registado no Norte de Espanha (Galiza e Picos da Europa), onde comunidades inteiras colapsaram devido a surtos recorrentes de ranavirose”, acrescenta.

Por se saber ainda muito pouco sobre este grupo de ranavírus, o investigador explica que ainda não é conhecido “qualquer tratamento eficaz para rãs com ranavirose”, não existindo por isso forma de mitigar o problema. “A literatura diz-nos que não é naturalmente vantajoso para um vírus levar à extinção do seu hospedeiro. Com o passar do tempo pode esperar-se uma atenuação da virulência, uma seleção de indivíduos hospedeiros mais resistentes ou a combinação dos dois cenários. Mas o problema é que estamos diante de um vírus hiper-virulento que não pode nem sequer dar tempo para que as populações recuperem”, defende.

O artigo agora publicado na Scientific Reports pretende “alertar para uma nova realidade Ibérica/ Europeia na qual o famoso quitrídio-dos-anfíbios não representa a única ameaça para as populações de anfíbios. Este patógeno emergente (ranavírus) revela-se bem mais preocupante, com uma capacidade de afetar comunidades inteiras com maior facilidade. No entanto há ainda bastante para descobrir sobre a dinâmica deste vírus, os seus impactos a longo prazo e como mitigar o problema.”

De acordo com Gonçalo M. Rosa, “além do valor intrínseco que cada espécie possui, em particular este sapo, que apresenta uma ecologia e comportamento tão singular – em que os machos carregam e cuidam dos ovos até ao momento de eclosão dos girinos – desempenha um papel essencial no ecossistema, situando-se no meio da cadeia alimentar”, razão pela qual a extinção da espécie teria “um inevitável impacto, causando um desequilíbrio em todo o ecossistema.”

A conservação da espécie é, por isso, “um grande desafio” “não só para quem investiga, mas também para todas as entidades envolvidas na gestão e conservação da Natureza. Estamos ainda muito atrás a nível de conhecimento quando comparado com outros agentes patogénicos, como o quitrídio-dos-anfíbios. Enquanto se testam formas de mitigar o problema em laboratório, a investigação no campo vai dando pistas: pela primeira vez foram detetados casos de presença do vírus num grupo reduzido de charcos em que não se registou mortalidade até ao momento, o que poderá representar uma pequena luz no fundo do túnel. A prevenção é outro aspeto fundamental. Por exemplo, a introdução de espécies dulcícolas não-nativas nestes habitats pode eventualmente promover a introdução de novos agentes, como o ranavírus. Em todo o caso há uma necessidade urgente de otimização das estratégias de conservação para os anfíbios e colaboração entre as diferentes entidades envolvidas.”

“Vivemos numa era em que o surgimento de novas e virulentas estirpes é cada vez mais frequente, motivado pela alteração de habitats, câmbio climático e uma maior mobilidade da população humana, que nem sempre se apercebe dos riscos que acarreta para a saúde pública e do ambiente. Trata-se de uma tarefa fundamental a necessidade urgente de otimização das estratégias de conservação para os anfíbios”, conclui.

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