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Opinião

De que forma o stresse pode influenciar a ocorrência de doença?

Gonçalo da Graça Pereira eleito presidente do ECAWBM

Da hipertensão a alguns exemplos de alterações endócrinas

Muitos dos mais recentes trabalhos sobre fisiologia do stresse enfatizam a importância de diferenças individuais na percepção de estímulos potencialmente stressores. Por isso, a percepção é muito importante e para compreender a resposta de stresse precisamos entender como os animais compreendem e avaliam os estímulos ambientais. Tudo isto acontece obviamente a partir do Sistema Nervoso Central. Estas respostas envolvem alterações fisiológicas e, na maioria das vezes, comportamentais. Como resultado, o animal poderá mudar o seu comportamento e procurar novos recursos para tentar escapar à fonte de stresse ou para tentar lidar com o mesmo. O indivíduo canaliza uma diversidade de recursos internos para lidar com uma situação percebida como ameaçadora. Ficará tudo bem se se tratar de uma situação de curta-duração, mas se se prolongar deixará de ser positivo podendo mesmo ser prejudicial e por isso poder-se-á referir como um estado pré-patológico. Se se mantiver por um longo período de tempo poderá resultar numa doença. Ou seja, como resultado de uma resposta a um agente causador de stresse, o animal altera o funcionamento do organismo, podendo apresentar problemas comportamentais e psicológicos, bem como problemas médicos.

“Precisamos estar muito atentos a potenciais agentes stressantes presentes no ambiente, que possam ser fatores de risco para doenças concomitantes, mesmo de uma suposta origem médica e não comportamental”.

Quando é que é uma resposta adaptativa poderá ser prejudicial?

Do ponto de vista biológico, não faria sentido que o animal desenvolvesse um sistema que o prejudicasse. A resposta surge-nos pela diferença entre circunstâncias correntes em que os animais se encontram e o ambiente em que vivem. Analisemos assim o impacto das respostas que ocorrem em ameaças pontuais em determinadas situações, e de igual modo aquelas onde a ameaça é prolongada. No artigo irei concentrar-me apenas nos efeitos circulatórios, reprodutivos e a nível do uso dos recursos energéticos (respostas hormonais).

  • Efeitos Circulatórios

Relembremos o papel do Sistema Nervoso Simpático no aumento da frequência cardíaca e no suprimento de sangue. Haverá também uma mudança na hormona anti-diurética que aumentará a retenção de água. Tudo isto servirá para aumentar a pressão sanguínea e num período curto melhorar a circulação. No entanto, o que acontece se esta situação de curta duração for prolongada? Poderemos ver os resultados do efeito crónico no aumento da pressão sanguíneas, sendo este um dos motivos para ser tão comum os problemas de pressão arterial em humanos.

  • Utilização de energia

Na fase aguda de stresse o animal precisa de mobilizar glicose para acção imediata, o que envolve uma grande actividade no Sistema Nervoso Autónomo, aumentando a actividade dos nervos simpáticos e reduzindo a actividade dos ramos parassimpáticos do sistema. Também há uma redução na insulina e um aumento dos glicocorticóides como o cortisol. Haverá também mudanças no glucagon, na epinefrina e norepinefrina, todas elas com a função de aumentar a glicose sanguínea. No entanto, os efeitos a longo termo poderão ser bastante problemáticos. Em humanos já se reconhece que a diabetes poderá ser uma doença cuja origem está em níveis elevados de stresse durante um longo período de tempo. Em Medicina Veterinária estamos também a começar a nos interessar por este ponto de vista, ou seja, o papel do ambiente em doenças como a diabetes, tanto em cães como em gatos.

  • Efeitos Reprodutivos

Finalmente consideremos os efeitos do stresse crónico na reprodução. Está bastante documentado que o stresse crónico suprime a actividade reprodutiva. Em machos, a libertação de endorfinas inibe a produção de hormona libertadora de gonadotrofinas, que irá influenciar a libertação de hormona luteinizante, que é muito importante para a espermatogénese. A mudança no Sistema Nervoso Autónomo também significará que a libido sexual diminuirá, o que poderá resultar em impotência. Aumentos no nível de prolactina aumentarão a produção de leite, mas também suprimirão o ciclo reprodutivo. Poderá também haver uma mudança no metabolismo das células adiposas, o qual é importante para a remoção de androgénios, e como resultado haverá fêmeas mais masculinizadas. Ambos os fatores significarão que as fêmeas se tornam menos eficientes, do ponto de vista reprodutivo. Uma vez que estamos a falar de efeitos reprodutivos, e o tracto urinário está relacionado com este sistema, há muitos estudos que mencionam e provam o relacionamento entre a cistite idiopática felina e os agentes stressantes presentes no ambiente.

Conclusão

É possível avaliar um conjunto de indicadores comportamentais e fisiológicos que estejam relacionados com a capacidade do animal lidar com o seu ambiente e o impacto que este possa ter no animal. Se estamos perante um animal que vive numa situação de stresse crónico, o sucesso do tratamento poderá depender da identificação das causas de stresse. Precisamos estar muito atentos a potenciais agentes stressantes presentes no ambiente, que possam ser fatores de risco para doenças concomitantes, mesmo de uma suposta origem médica e não comportamental. O limite entre o que é comportamental ou físico é cada dia mais ténue, sendo por isso importante que todos os veterinários saibam como agir.

A associação entre terapêutica médica e comportamental está a ser cada vez mais usada nas mais variadas especialidades da Medicina Veterinária sendo, por exemplo, o enriquecimento ambiental já parte integrante do tratamento de gatos com Cistite Idiopática Felina. É por isso importante reconhecer que o stresse, decorrente de falhar no bem-estar do animal e suas necessidades comportamentais, não sendo uma causa directa de doença, poderá no mínimo ser um factor de risco ou um factor de degradação da saúde do animal. Apesar de todos os avanços nesta área, ainda há um longo trajecto a percorrer. Apenas com o interesse, profissional e ético, de todos nós, iremos conseguir atingir a excelência da profissão, garantindo sempre a saúde e bem-estar dos animais que estão à nossa responsabilidade.

Até para o próximo mês, sempre pelos animais!

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