Começa habitualmente como uma paixão que vai crescendo e se transforma em algo mais sério. Na ligação emocional que se cria entre os criadores e os cães e/ou gatos, os cuidados médicos veterinários são essenciais para a saúde e bem-estar dos animais, mas também para os bons resultados que os criadores portugueses têm conquistado em exposições nacionais e internacionais. Fomos conhecer dois pares de criadores e médicos veterinários que trabalham em conjunto e ouvir as histórias destas duplas de sucesso.
Apesar de esta não ser a sua atividade profissional, José Homem de Mello, 65 anos, é criador de cães de raça basset hound e o hobby tem ocupado grande parte da sua vida. A paixão remonta à infância, uma vez que os seus pais sempre tiveram cães em casa. Enquanto criança, foi crescendo rodeado ainda de galinhas, cavalos e outros animais, até que no final dos anos 1970, adquiriu um macho basset hound e começou a criação propriamente dita. A primeira ninhada nasceu em 1983, altura em que fundou o Canil dos Sete Moinhos, em Carnaxide. Estava dado o mote para aprofundar conhecimentos e tornar-se criador.
O também diretor editorial, que entrou na reforma no mês em que foi realizada a entrevista para a VETERINÁRIA ATUAL, conta como tem sido esta experiência que o tem levado a participar e ganhar várias exposições nacionais e internacionais. “Esta é uma raça de cães de caça em matilha, e ao contrário de muitos criadores na Europa, que criavam cães muito pesados, os meus sempre foram mais leves e desportivos, e talvez seja essa uma das razões que fez com que ganhassem e continuem a ganhar exposições”, afirma.
Os números não deixam ninguém indiferente: José Homem de Mello já participou em milhares de exposições caninas, não só na Europa, como também noutros países, como a Argentina e o Brasil, e em 1995, um dos cães criados por si foi o vencedor de um campeonato do mundo, na Bélgica, onde estavam inscritos 16 mil cães. “Aqui em casa, já nasceram 15 cães que ganharam campeonatos do mundo, além de outros que comprei e que também vieram a ser galardoados. Cães criados por mim já ganharam cerca de 125 melhores exemplares de toda a exposição, de todas as raças e de aproximadamente 450 grupos”, adianta.
Já chegou a ter 20 basset hounds, e neste momento, tem seis. “Sempre criei uma a duas ninhadas por ano, no máximo, para mim e para os meus amigos. Ao viajar e participar em tantas exposições pelo mundo fora, acabo por ter contacto com outras pessoas, trocar experiências e conhecimentos”, explica. Os seus melhores cães sempre foram para amigos, com a garantia de que estariam bem entregues e seriam bem tratados. Essa é uma condição da qual não prescinde. “Mesmo quando são cães para venda, alertamos sempre para que nos informem se houver algum problema, e se for o caso, a nossa política é de que os devolvam ao nosso canil”, explica o criador, que revela ter muito cuidado ao escolher as casas para onde os cães vão. “Nasceram aqui, são filhos da casa e não podemos correr o risco que sejam deixados ao abandono”, defende. “Qualquer cão que sai do canil é microchipado e identificado, e é fácil saber se lhe acontece alguma coisa.”
José Homem de Mello vai decidindo participar nas exposições caso tenha algum cão que possa apresentar. Afinal, há um nome a preservar e a alta qualidade dos cães é uma exigência que não descura. “Enquanto cães atletas, há um conjunto de requisitos a cumprir para participar.” Todos os fatores contam.
Cuidados médico-veterinários
O criador tem um médico veterinário desde sempre, Joaquim Vieira Lopes, diretor clínico da Clínica Dr. Vieira Lopes, em Cascais. “É essencial dar um acompanhamento aos animais através da realização de exames de rotina regulares, temos de acautelar as desparasitações e a vacinação. Uma fêmea e um macho só são bons reprodutores se forem saudáveis e estiverem em condições, e isso só se consegue com a ajuda dos médicos veterinários que os acompanham regularmente”, explica José Homem de Mello. Por outro lado, as exposições caninas, enquanto mostras de beleza, têm vários parâmetros em avaliação, pelo que há que assegurar outro tipo de cuidados, tanto em relação ao pelo como à alimentação, que deve ser rigorosa.
Joaquim Vieira Lopes enaltece a preocupação e competência do criador. “É uma pessoa muito particular, com um grande sentido de responsabilidade e uma estreita relação com todos os seus cães. Ao longo destes 36 anos, tenho assistido à enorme preocupação com os cuidados dos cães, acautelando a vigilância correta, regular e específica para cada situação.” Sempre que necessário, o médico veterinário pode referenciar colegas com áreas de interesse específicas, como a oftalmologia, a dermatologia e a reprodução.
Os cuidados médico-veterinários regulares e profiláticos são os mesmos que se devem prestar a animais de companhia, o que inclui a vacinação, desparasitação, e diagnóstico e tratamento de doenças que surjam. “Também temos em conta a especificidade própria dos cães de um criador, que tem sazonalmente as suas cadelas em reprodução, embora as ninhadas do José Homem de Mello sejam esporádicas e espaçadas no tempo”, diz Joaquim Vieira Lopes, adiantando que o cuidado deste criador é o mesmo, quer se trate de um cão recém-nascido ou de um animal geriátrico. “Outra particularidade que lhe reconheço é o facto de ser muito criterioso na cedência dos cachorros, fazendo questão de ter a certeza que ficam bem entregues.”
E, apesar de esta “dupla” trabalhar em conjunto há quase quatro décadas, o médico veterinário partilha que José Homem de Mello tem todas as informações relativas a cada cão seu. “Sabe quando nasceu, quando é que uma das cadelas teve o último cio, quando foram as ninhadas, quantos cachorros nasceram em cada uma. É um criador exemplar”, defende. Na fase de reprodução, e mesmo das próprias ninhadas, os criadores têm de ter atenção redobrada em termos profiláticos, nomeadamente no que respeita a ectoparasitas e a doenças virais ou bacterianas. “Há um programa de base que deve ser respeitado, em termos de controlo clínico periódico.”
Atualmente, os criadores preocupam-se cada vez mais com a saúde e o bem-estar dos seus animais, garante o médico. “De uma forma geral, são mais responsáveis, até porque querem que os seus animais tenham qualidade, em todos os aspetos, seja com o objetivo de criar ou de vender.”
Apesar de ainda não ter passado este passatempo a outros membros da família, nomeadamente aos seus sobrinhos, José Homem de Mello tem a certeza de que o testemunho de criadores vai passando através da presença em exposições internacionais. “É interessante verificar que cães criados noutros países têm as nossas linhas de pedigree. Isto é extremamente gratificante, pois sabemos que os cães que estão hoje a ganhar títulos como melhores cães têm, nos seus pedigrees, cães dos Sete Moinhos.” O criador assume a criação de animais como “um património nacional valioso que deve ser preservado”. E dá um exemplo concreto sobre o cão de água português, que esteve praticamente extinto em tempos. “Quem ‘salvou’ a raça foi uma americana e, atualmente, entre os melhores criadores, estão sobretudo criadores dos países nórdicos, nomeadamente, na Noruega, Finlândia e Suécia. Também os podengos portugueses estão a ter um sucesso brutal por todo o mundo, porque se adaptam muito facilmente e são cães muito rústicos. Hoje já temos criadores de raças portuguesas em vários países.”
Criação de gatos
Margarida Jantarada tem 23 anos e tornou-se criadora de gatos há sete, quando pediu aos pais um gato persa como presente de aniversário. Começava aqui um hobby que rapidamente foi crescendo, até porque a família percebeu que o felino que havia adquirido não era desta raça e que a publicidade da loja era enganosa. A Pipoca viria a ser a primeira gata da casa, mas a vontade de ter um persa verdadeiro nunca desvaneceu. Margarida começou a procurar informação, contactou uma das criadoras mais antigas do Clube Português de Felinicultura (CPF), entretanto já falecida, e os pais compraram então a primeira gata persa, a Mistery Dolce Vita of Skyfall.
Conforme ia procurando informação, começou a sentir vontade de participar em exposições, e a primeira viagem que fez com os pais aconteceu num evento em Aveiro, para perceberem como é que funcionavam as exibições e o que seria necessário para se inscreverem. Mais tarde, numa exposição em Braga, inscreveram a gata, fizeram alguns contactos, sendo um deles com José Ribeiro, um dos criadores de gatos mais antigos do País, com quem viriam a adquirir o primeiro macho. “Depois, adquiri uma fêmea e quando ela chegou à fase de poder ser mãe e o macho já estava na fase de maturidade suficiente para poder acasalar, juntei-os.”
Em 2012, criou o gatil Skyfall, na sua casa, em Braga, registando os gatos no CPF e tornando-se então criadora de gatos exóticos e persas. “O meu objetivo nunca foi fazer negócio. Julgo que a maior parte dos criadores de gatos se move pelo gosto enorme pela raça, por cuidar de bebés e vê-los crescer, pois é algo fantástico e indescritível”, explica. Quando o cruzamento é feito, Margarida leva as fêmeas à consulta na Clínica Veterinária de Infias (CVI), em Braga, para que comece a ser feito o respetivo acompanhamento. “Uma semana antes do parto, fazemos um raio-X para ter a certeza absoluta de quantos gatinhos são e se está tudo bem. Passados uns dias, eles nascem”, explica a criadora.
“Um dos grandes objetivos dos criadores é melhorar a raça”, garante Margarida, explicando que os cuidados médico-veterinários são primordiais. Mas não só. “O criador deve ter muito cuidado com a alimentação, que é essencial para a saúde e o crescimento do seu animal, mas também para a qualidade do pelo. Se um criador vai inscrever o seu animal para competir em termos de beleza, tem de acautelar que está em perfeitas condições de saúde, e há que apostar ainda em banhos e em cuidados estéticos.” Com a sua primeira gata, a Mistery Dolce Vita of Skyfall, em 2012, conseguiu atingir o número de pontos suficientes nos dois primeiros shows “para que a mesma fosse chamada para o Royal Champion, que se realizou, no início do ano seguinte, em Portugal”, afirma a criadora, que também já participou em exibições em Espanha, Suíça, Polónia, Alemanha, entre outros países.
Quando opta por vender algum gato, Margarida faz uma triagem a partir das pessoas que se mostram interessadas através de e-mails que recebe. Segue-se um contacto telefónico e um encontro presencial posterior. “Convido-as a virem a minha casa conhecer o gato, mas nunca me comprometo, porque faço uma avaliação durante esse encontro. As pessoas podem vir vê-lo, mas a resposta final é sempre minha. Só considero um potencial interessado se me transmitir confiança e se perceber que determinada família vai cuidar bem do gato. Se assim for, avanço.” Os candidatos são então muito bem selecionados. “Os meus últimos gatinhos foram para famílias fantásticas, que me enviam fotografias regularmente e em que é notório o crescimento saudável. Estes gatos são muito sensíveis e não podem ir para qualquer casa”, remata a criadora.
Condições essenciais para criar gatos equilibrados
Laura Mendes é médica veterinária e diretora clínica da CVI, em Braga. Além do programa de profilaxia médica e sanitária que inclui os cuidados gerais já referidos, explica que os locais de criação, além de alojamento de animais residentes, devem dispor de área de quarentena para introdução de novos animais e zona de maternidade. “Devem existir espaços lúdicos providos de equipamentos que estimulem os seus comportamentos naturais e esconderijos, de forma a reduzir o stresse diário. São necessários também locais separados para colocar os animais após as exposições para reduzir o stresse. Sempre que possível, poderemos fazer programas de profilaxia ao domicílio para minimizar o stresse com espaços novos e viagens”, aconselha.
As consultas de animais de criadores, em regra, são mais regulares do que as de animais de companhia, uma vez que têm gestações frequentes e necessitam de maior seguimento. Laura Mendes tem acompanhado a criadora Margarida Jantarada desde o início. “Tem sido um prazer poder acompanhar a Margarida neste crescimento de um sonho antigo com o gatil Skyfall, nomeadamente, acompanhar a gestação, os nascimentos de novos gatinhos, o seu crescimento e o desenvolvimento da sua linhagem. A criadora está em constante atualização para aperfeiçoar o seu gatil e promover o seu reconhecimento.”
Em adição a uma alimentação bem definida e equilibrada consoante a fase em que os gatos se encontram, a ligação que se cria entre os criadores e os felinos é muito importante, explica a diretora clínica. “É fundamental saber particularidades de cada gato, quais as atividades de que mais gosta, quais os alimentos preferidos, com quem gosta mais de estar, quais os ruídos que o estimulam, por forma a criar gatos mais equilibrados.” Margarida confessa o quão difícil é quando um gato vai para outra casa. “Acompanhamos o seu crescimento e a ligação que temos é muito grande.” Atualmente, a sua participação em exposições vai além de expositora e da inscrição / participação dos seus gatos. “Podemos ajudar os juízes e aprender um pouco mais sobre as raças. É um primeiro passo para ser juiz, apesar de não ser esse o meu objetivo, pelo menos, para já. No entanto, decidi apoiar o CPF sempre que necessário.”
Dada a sua experiência enquanto criador, José Homem de Mello foi convidado para ser juiz, primeiro da raça que cria, e depois, para todas as outras raças, tendo sido nomeado pela Federação Cinológica Internacional.