A escassa informação académica na área do comportamento animal em Portugal, fê-la querer aproximar-se mais do tema. Depois de uns anos de formação, a médica veterinária Helena Moreira decidiu fundar um serviço de medicina veterinária comportamental ao domicílio, com uma adaptação personalizada a cada família. Defensora do reforço positivo para uma vida mais saudável do animal, vê no médico veterinário generalista o papel de aconselhador, pela proximidade que estabelece com os titulares.
O seu percurso académico iniciou-se na área financeira e trabalhou durante 14 anos no setor. No entanto, o interesse pelo comportamento animal esteve presente desde sempre e, em 2005, decidiu regressar à faculdade para estudar medicina veterinária. “Na altura era uma área pouco desenvolvida academicamente, apenas existia uma disciplina semestral, que incidia, essencialmente, no bem-estar dos animais de produção. Não era, igualmente, uma área com grande procura por parte das famílias com animais, possivelmente devido à escassa informação a que tinham acesso, não existindo, em muitos casos, a perceção da existência da consulta de comportamento animal”, começa por contar a médica veterinária Helena Moreira.
Terminado o curso, e não existindo opções em Portugal de evolução nesta vertente, decidiu procurar orientação junto de quem já trabalhava em comportamento animal. “Por ocasião de um congresso da PsiAnimal − Associação Portuguesa de Terapia do Comportamento e Bem-estar Animal, conheci o Dr. Gonçalo da Graça Pereira, que foi extremamente generoso e permitiu que o acompanhasse nas suas consultas.” A aproximação da vertente prática comportamental, constituiu uma componente “valiosíssima” da sua formação e aguçou o seu interesse pelo treino e educação, que considera serem “áreas impossíveis de dissociar”.
Após um ano de aprendizagem prática, Helena Moreira consolidou as suas competências teóricas e iniciou uma Pós-Graduação em “Comportamento Animal – Medicina Comportamental, Técnicas de Treino e Terapias Assistidas” do Instituto Português de Psicologia, no Porto. Com a conclusão da pós-graduação, em 2014, fundou o projeto “Comportamento Positivo – Medicina Veterinária Comportamental” – um serviço ao domicílio − dedicando-se desde então ao exercício desta área da medicina veterinária.
Em 2015, assumiu o cargo de presidente do Conselho Fiscal da PsiAnimal, colaborando com os restantes membros em diversos projetos. Mais tarde, em 2016, surgiu a oportunidade de trabalhar numa escola de treino, no Porto, o que acabou por fazer toda diferença no seu percurso como médica veterinária comportamentalista. “Esta foi uma mais-valia importantíssima no desenvolvimento das minhas competências e do meu trabalho. Por um lado, permitiu que pudesse continuar com o acompanhamento dos meus casos, além da consulta de comportamento, colocando pessoalmente em prática os protocolos terapêuticos definidos na consulta, e, por outro, permitiu que adquirisse uma perspetiva mais consciente daquilo que é a realidade do treino em Portugal e das implicações que as diversas formas de treino podem ter no estado emocional e na aprendizagem de um animal”, refere.
Até à data, além das consultas e treinos, o seu percurso passa também pelo ensino e promoção de workshops em escolas de treino, clínicas veterinárias e eventos na área dos animais de companhia.
Reeducar a sociedade para o comportamento animal
“Compreender o que leva um animal a exibir determinado comportamento e a possibilidade de ajudá-lo a modificar esse comportamento” foram os desafios que motivaram Helena Moreira a abraçar esta área, pouco explorada em Portugal. “Ao longo do tempo, à medida que evoluía a minha compreensão dos sinais e da linguagem própria da espécie, ao observar a forma como as famílias se relacionavam com os seus animais, tornou-se muito claro que existia muito pouca informação disponível.” Com vista a uma maior literacia sobre o tema, a médica veterinária comportamentalista considera ser imperativo que exista uma “(re)educação das pessoas sobre os animais em geral e sobre o seu comportamento em particular, e que seja disponibilizado outro tipo de informação, além dos programas de entretenimento − sem base científica − apresentados na televisão”, sugere.
Outro ponto que despertou o seu interesse, prendeu-se com a individualidade dos animais no que diz respeito ao seu comportamento. “Cada animal é um indivíduo, com a sua genética e o seu conjunto de experiências próprias. Não será suficiente administrar uma vacina ou um comprimido para prevenir ou resolver estes problemas. É exigida muita motivação, esforço, tempo e disponibilidade emocional, por parte de todos os envolvidos, seja a família, o médico veterinário comportamentalista, generalista ou o treinador, para a resolução de um problema comportamental. Trabalhar em equipa e observar a transformação de um animal, depois deste processo, é extremamente recompensador”, revela.
Esta paixão acabou por levá-la a criar em 2014 um serviço de medicina veterinária comportamental: “Comportamento Positivo”. Este projeto consiste num conjunto de serviços realizados no domicílio do cliente, para uma melhor compreensão do contexto, das rotinas e da dinâmica familiar onde o animal se insere, o que permite uma adaptação personalizada “do protocolo terapêutico a implementar a determinada realidade”. Os serviços disponibilizados pelo projeto cresceram ao longo destes anos, à medida que Helena Moreira ia aprofundando o seu conhecimento e se apercebia da necessidade de oferecer mais soluções às famílias que a procuravam . Inicialmente, compreendia apenas a “Consulta Preventiva e de Aconselhamento” e a “Consulta de Comportamento Animal”, agora conta também com “Sessões de Educação e Treino”, “Sessões de Modificação Comportamental”, Pet Sitting e Dog Walking.
“Comportamento Positivo”: Estratégia deve começar na primeira consulta
De acordo com a médica veterinária comportamentalista, o seu conceito de “comportamento positivo” passa por “oferecer às famílias a possibilidade de conseguirem que o seu animal ofereça os comportamentos esperados e adequados à vida em família e em sociedade”. Contudo, esclarece: “nem sempre os comportamentos considerados indesejados pelos titulares correspondem a problemas comportamentais: estes são apenas comportamentos problemáticos para os humanos, mas que, frequentemente, são comportamentos normais da espécie (como ladrar ou escavar buracos, por exemplo)”.
Por outro lado, esta designação pretende sugerir que esses comportamentos sejam conseguidos através de métodos baseados no “reforço positivo e livres de dor ou desconforto para o animal”. De acordo com a médica veterinária, atualmente, já existe prova científica de que o tipo de método utilizado nos treinos tem, efetivamente, consequências ao nível do bem-estar do animal. “É, portanto, de extrema importância que esta informação chegue às famílias, para que saibam que existem opções mais humanas no treino animal e que devem pesquisar, observar e questionar os profissionais a quem consideram entregar a educação do seu animal.”
Mas de que forma este comportamento pode ser aplicado no dia-a-dia do médico veterinário e do titular? Helena Moreira é perentória e indica que este processo deve ser iniciado logo na primeira consulta ou quando o animal acaba de chegar a casa. A par com todos os conselhos e orientações que o médico veterinário fornece às famílias, sobre prevenção de doenças ou outros problemas físicos, é imperativo que esteja também o aconselhamento comportamental. “Como instalar o animal em casa, que brinquedos oferecer, quais as brincadeiras apropriadas a ter, como ensinar a fazer as necessidades no sítio certo, como promover a inibição da mordida, como evitar a guarda de recursos, como promover uma boa sociabilização durante o período da primovacinação, e tantas outras situações que fazem parte da vida de um animal e que poderão, ou não, culminar num problema comportamental.” De acordo com a educadora canina, o trabalho de gestão e prevenção é fundamental e “torna-se tanto mais importante, quanto mais cedo os animais saem de perto da mãe e da ninhada − elementos fundamentais na educação do animal e que nós, humanos, não conseguimos substituir”.
As dificuldades podem surgir em qualquer fase da vida do animal e, nestes casos, a médica veterinária comportamentalista alerta para a necessidade de estes serem referenciados para profissionais que se dediquem à área do comportamento. “É natural que a família recorra ao médico veterinário que o acompanha para mais informação. Atualmente, felizmente, já existem muitos colegas de clínica geral interessados e a realizarem formação na área do comportamento. Contudo, tal como em qualquer área da medicina veterinária, sempre que seja necessário, é importante que exista a possibilidade de referir o caso para um colega que se dedique a esta área em particular”, sublinha.
No campo do comportamento animal, Helena Moreira destaca um outro ponto − igualmente importante − e que oferece vantagem na prática veterinária: “a preparação antecipada do animal para aceitar os procedimentos de um exame físico”. “Subir para uma balança ou para a marquesa, deixar observar os olhos, os ouvidos, a boca, as patas, deixar administrar comprimidos, xaropes ou injetáveis, etc., com tranquilidade, é uma grande mais-valia para o tempo e segurança de uma consulta veterinária, bem como para evitar o aumento da ansiedade do animal. Este é um trabalho que se inicia em casa, com a família, e é depois complementado com as simulações práticas, na clínica”, adianta.
No fundo, a chave para o sucesso está na prevenção de estados emocionais negativos e é com base nesta premissa que atua nos seus serviços ao domicílio, que, muitas vezes, acabam também por constituir uma preparação dos animais − e titulares – para as consultas veterinárias. “Há que ensinar, preventivamente, comportamentos adequados e recompensá-los muito bem, sempre que são exibidos”, acrescenta a médica veterinária.
* Leia o artigo completo na edição de setembro da VETERINÁRIA ATUAL