A presente posição da enfermagem veterinária em Portugal tem vindo, indubitavelmente, a aumentar de peso ao longo dos anos, sendo estes profissionais, atualmente reconhecidos e considerados relevantes membros clínicos de uma equipa veterinária.
A necessidade da criação da licenciatura, em 2003, surgiu devido a vários fatores, nomeadamente à necessidade por parte dos médicos veterinários em possuírem colegas qualificados e com um nível educativo e formativo superior onde, unidas forças entre ambas as classes, se tornaria possível melhorar o standard clínico. Havia, sem dúvida, uma lacuna que se tornou imperativa em ser preenchida no panorama nacional veterinário, marcada pela ausência de membros de equipa qualificados, assim como o reconhecimento daqueles que trabalhavam na área há vários anos sem treino adequado. Contudo, essa simbiose entre ambas as classes não foi concretizada a um nível aceitável, adequado e rigoroso como se esperava, tendo-se imposto diversas barreiras a estes profissionais, culminando, em alguns casos, na sua desistência, igualmente impulsionada pela indefinição da profissão e a consequente e constante dúvida do seu verdadeiro lugar, e necessidade, em terras Lusas. Reafirmo que, atualmente, a profissão se encontra num patamar muito mais elevado e, essencialmente, reconhecida pelo corpo clínico e público geral, contudo é fulcral que se continue a lutar pela sua regulação e consequente dignificação, sendo o meio que possibilitará o seu alcance, não somente a introdução de órgãos jurídicos que permitam levar à constituição de um Código Deontológico/Ordem, mas principalmente um contínuo esforço individual e de união de uma classe, pois só dessa forma se unificarão forças que nos permitirão alcançar os objetivos mencionados.
Existe uma direta, e quase inevitável, comparação com a enfermagem veterinária praticada no Reino Unido, contudo o processo de creditação em terras de sua Majestade foi longo. Foi em finais de 1940, inícios de 1950, que se começou a perceber a necessidade de ter membros de equipa veterinária qualificados, contudo o título de “enfermeiro veterinário” foi somente reconhecido legalmente em 1991. Dessa forma é importante que se parem de fazer comparações somente tendo em conta o resultado final, e haja (re)conhecimento do processo moroso e tumultuoso que culminou na regulação, credibilização e instituição da profissão de enfermagem veterinária no Reino Unido.
Independentemente das questões legais, jurídicas e governamentais que se apresentaram durante esse processo, a voz e associativismo dos profissionais que lutavam pela proteção e dignificação do seu título foi fulcral e fundamental para que os resultados fossem frutíferos. A forma mais eficaz de ser ouvido é, inicialmente, pela demonstração e comprovação da sua utilidade num corpo clínico, consequentemente evoluindo para uma necessidade − atingindo ultimamente um estado de obrigatoriedade −, a um nível em que é impensável existir um corpo clínico sem uma equipa de enfermagem veterinária, sublinhando e reiterando, veementemente, a palavra equipa – uma pluralidade de membros com uma multiplicidade de funções transversalmente relevantes.
Esse é o tronco, a base, da profissão de enfermagem veterinária. Os múltiplos ramos que daí advêm são uma representação da imensidão e transversalidade da ciência que é a veterinária, de mãos dadas com os profissionais que decidem acoplar-se, obtendo-se frutos evolutivos que incitam e alimentam a sua credibilização. A formação é a base do crescimento profissional, seja ela em que área for, contudo – afirmo-o com conhecimento de causa e como enfermeiro veterinário no Reino Unido há mais de sete anos – é fundamental na profissão e na sua evolução.
Existe uma necessidade obrigatória por parte do órgão que regula a profissão – Royal College of Veterinary Surgeons (RCVS) – em realizar um determinado número de horas anuais de formação para que se mantenha o título, sem o qual é ilegal exercer no país, independentemente dos anos de experiência profissional. Igualmente, todas as entidades patronais oferecem uma contribuição ao funcionário para a sua formação profissional, quer seja em valor monetário alocado, quer seja em dias pagos para questões formativas, ou ambos. Este não é o caso em Portugal, onde muitas vezes os profissionais de veterinária são vistos como pedaços de madeira, sem existir consciência de que se os deixassem expressar não só, mas também, a nível formativo, se poderiam tornar em esculturas magnificentes, resultando numa simbiose entre entidade patronal – profissional, de perfeita comunhão e bilateralmente vantajosa. Esta questão não é impositiva, mas incita o esforço individual, que deixa de ser forçado dando lugar a uma naturalidade saudável e revigorante.
As comparações feitas no presente artigo entre a profissão em Portugal versus no Reino Unido não têm qualquer intuito derrogatório/depreciativo para com a profissão em Portugal, muito menos se pretende apelar à emigração. O objetivo é precisamente o oposto – sustentar um exemplo em que a profissão é regulada e credibilizada e tentar entender quais os passos que foram tomados para atingir esse objetivo final, sendo comummente desejado por todos os profissionais da área. Contudo, reitero que essa concretização depende do esforço, ambição e perseverança de cada um de nós, pois a inércia nunca foi, nem será, sinónimo de evolução. É evidente a frustração de alguns colegas de profissão, principalmente marcada pela rotina, repetição e impossibilidade de progressão de carreira, inseridos numa profissão não regulada. São demasiadas premissas negativas que prefaciam uma ausência de interesse geral, contudo é fulcral que se comecem a tomar medidas para inverter este sentimento tão contraproducente, contudo reversível. A constante aprendizagem e, consequentemente, evolução de competências obtidas pela formação, são essenciais para a reversibilidade deste desinteresse geral, pois os seus resultados serão diretamente proporcionais aos trilhos que se envergam e ao nível de ambição do profissional.
*AEVP – Associação de Enfermeiros Veterinários Portugueses – www.aevport.pt
**Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 158 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de março de 2022.