A propósito do Dia Mundial da “Uma Só Saúde”, a médica veterinária Catarina Lavrador defende que “pandemias como a que mundo atravessa atualmente só podem ser evitadas partilhando conhecimentos entre a saúde humana, animal e ambiental, e isso faz-se começando já a ensinar os mais jovens”.
A ideia de que a saúde de humanos, animais e planeta está ligada e, por isso, devia ser assim estudada, tem sido enfatizada há cerca de uma década pelos movimentos internacionais “One Health Comission” e “One Health Initiative”, da qual surgiu a plataforma 1Hope, de aposta na educação.
Doutora em medicina veterinária e professora, Catarina Lavrador é também facilitadora para a Europa do movimento 1Hope.
Tudo está interligado
Em entrevista à Lusa, a professora salienta “a forma como vivemos hoje, com a nossa fonte de alimentação a assentar muito na agricultura e pecuária intensivas, associadas à globalização, faz com que todo o planeta esteja ligado”, diz.
A pandemia de covid-19 é exemplo disso, admite Catarina Lavrador, porque “quando o homem invade habitats onde existem animais com doenças que eram para ele desconhecidas, e quando leva esses animais para o seu próprio habitat, tudo é possível”.
“Daquilo a que se chama o grupo de doenças infecciosas emergentes, 75% são zoonoses, ou seja, doenças que veem dos animais”, refere a professora, salientando que a resistência aos antibióticos por parte dos humanos é, também, outro exemplo da relação homem/animal/ambiente.
Se na Indonésia ou no Camboja se usam antibióticos para promover o crescimento dos camarões, quem os come na Europa consome bactérias “carregadas de resistências”, o que faz com que seja difícil de tratar hoje uma vulgar infeção respiratória, explica.
Além disso, hoje como nunca, as pessoas têm animais de companhia que podem transmitir doenças graves se não forem diagnosticadas e tratadas a tempo, adianta a responsável.
Quando é o ambiente que está doente o mesmo se passa. Catarina Lavrador dá o exemplo das alterações climáticas e do evidente aumento das temperaturas.
Por causa desse aumento “passámos a ter vetores (animais) que só existiam em determinadas zonas e em parte do ano. Hoje há carraças, pulgas e mosquitos praticamente o ano inteiro, todos vetores de doenças. E vamos ter, sem dúvida, em Portugal doenças que antes não tínhamos”.
Apostar na educação
Catarina Lavrador está ciente da complexidade de tudo isto, por isso, defende a aposta na educação dos jovens numa fase precoce. “É a eles que tem de se dizer, através do ensino e de outras plataformas, que é preciso reduzir a pecuária intensiva, que é preciso comer menos carne. É preciso explicar-lhes que são problemas reais e que se refletem na qualidade de vida das pessoas”.
É nisso que se centra também o Dia Mundial da “Uma Só Saúde”, criado em 2016, para chamar periodicamente a atenção das pessoas para esta interligação, porque existe essa relação homem/animal/ambiente e porque a “operacionalização de medidas de forma articulada ainda é muito disfuncional”.
Questionada sobre consciência da sociedade para estas questões, a professora admite que “estamos a melhorar, mas não ao ritmo que teríamos de o fazer”. Por isso, avisa que a humanidade arrisca-se a ver surgir um vírus muito mais patogénico do que a covid-19. “Isto devia servir-nos de lição para começar a preparar já a prevenção dos danos de uma próxima pandemia, porque ela vai ocorrer”.
Pandemia de covid-19
A responsável não tem dúvidas de que a pandemia de covid-19 surgiu por culpa do ser humano, mas parece que essa mensagem “não passou”.
“Diz-se que é culpa da China, por causa dos mercados, mas há outros mercados pelo mundo do mesmo género, que misturam espécies muito diferentes. Mas a mensagem agora é a de conter danos e depois logo se vê. E, entretanto, pode estar a nascer algures outra pandemia”, diz.
Catarina Lavrador explica que, para prevenir esse cenário, é preciso trabalhar em conjunto a saúde humana, a saúde animal e a saúde ambiental, sem esquecer de apostar na educação. Essa é, de resto, a abordagem dos movimentos “uma só saúde”.
A veterinária lembra a antiga utilização de canários nas minas de carvão, que morriam quando havia concentração de gases tóxicos e dessa forma alertavam os trabalhadores para sair do local, concluindo que “uma só saúde” faz com que “todos nós possamos ser canários à entrada da mina”.