O médico-veterinário Emir Chaher, da IberoVet, mostrou-se preocupado com esta entrada no setor e defende que “com um gigante da distribuição irá marcar-se ainda mais o efeito da economia de escala, que faz com que muitas lojas de animais e clínicas independentes tenham preços de compra muitíssimo superiores aos das grandes superfícies ou redes de lojas/clínicas que conseguem, muitas vezes, vender ao público a um preço quase igual ou até inferior. Estes grandes grupos vão impor às empresas farmacêuticas e de Pet Food os seus preços e condições e assim que o seu modelo de negócio estiver maduro vão criar marcas brancas próprias e deixarão essas empresas ‘penduradas’.”
Emir Chaher acredita que a possibilidade da Sonae prestar serviços veterinários é “mais uma consequência nefasta do excesso de médicos veterinários e do empobrecimento da nossa profissão. Veterinários como mão-de-obra barata para centros low cost, que na realidade são só low price e low profit, para uma empresa que não pretende lucrar com os serviços veterinários que serão só uma ferramenta para potenciar outras áreas do negócio por meio de ‘up-selling/cross-selling’ e descontos cruzados em cartões e cupões.” O médico veterinário vai mais longe e diz ainda que “os CAMV’s que tenham o azar de estar perto destes supermercados onde estão estas lojas irão perder serviços fulcrais como são as vacinas, tratamentos preventivos e ‘proxiláxis’ que têm baixa complexidade e alta margem de lucro.”
A primeira loja da ZU já abriu, na galeria do Continente de Matosinhos, com o objetivo de “responder à vontade das famílias portuguesas de beneficiarem de produtos de qualidade e serviços especializados para cães e gatos a preços competitivos”, como explicou a Sonae na data do lançamento.
As lojas da recém-criada rede vão comercializar um conjunto de produtos de várias marcas para cães e gatos, entre os quais alimentação, produtos de higiene, têxteis, brinquedos e acessórios, mas a estratégia que está a deixar o setor veterinário alarmado é o alargamento, a curto prazo, dos serviços disponibilizados na ZU a serviços médico-veterinários, treinos e grooming.
Sérgio Alves, Diretor Clínico do Hospital Veterinário de Gaia (HVG), partilha da opinião de Emir Chaher e diz que o mercado deve estar atento. “A ZU é obviamente um player a ter em consideração pelo facto de estar associada a uma entidade de grande dimensão como a Sonae. Num mercado tão competitivo e fragmentado como o da veterinária é fundamental que as novas entidades surjam com novas ideias, novos projetos e que, acima de tudo, acrescentem valor ao setor e aos seus consumidores. É de realçar ainda que atualmente existem soluções em canais digitais, alternativas à distribuição física, que se apresentam no mercado com preços altamente competitivos nos acessórios de petshop e nutrição.”
Para o Diretor Clínico do HVG, no entanto, “a abertura de novos espaços faz (mais) sentido quando temos um mercado a crescer. Quando o mercado está estagnado, há alguém que vai ficar a perder. A disseminação de centros de atendimento médico-veterinários, com a consequente guerra de preços, só pode ser prejudicial para os respetivos intervenientes, e considerando que a maior fatia do mercado é composta por estruturas de pequena dimensão, vejo com alguma apreensão a chegada ao mercado de grupos com grande poder económico.”
Jorge Cid, Presidente da APMVEAC, é o menos alarmista e duvida que o novo negócio da Sonae seja prejudicial para o setor da veterinária, afirmando até que só se deverão sentir ameaçados aqueles que não se conseguirem diferenciar. “Acho que o grupo económico Sonae viu uma oportunidade num setor que está a crescer. Deve ter feito um estudo de mercado e percebeu que o setor é interessante. Como é óbvio, todos os setores têm que enfrentar concorrência, acontece o mesmo na medicina dentária, na restauração ou seja em que setor for, mas cabe aos players do mercado diferenciarem-se”, explica.
Questionado sobre a hipótese da Sonae prestar serviços veterinários nas novas lojas, o Presidente da APMVEAC diz não ver essa aposta da Sonae “como uma ameaça, assim como não vejo muita viabilidade se o objetivo for a criação de uma rede com serviços muito especializados. Penso que a aposta da Sonae com a ZU deverá ser mais em serviços de vacinação, desparasitação, etc. Vejo esta abertura como concorrência, não como uma ameaça, porque todos os dias abrem clínicas novas e cabe aos outros diferenciarem-se e prestar um serviço com melhor qualidade. Acho que não devemos entrar em pânico porque isto é apenas o mercado a funcionar.”
André Caetano, do Centro Veterinário VetGilão, não se mostrou tão despreocupado e apesar de encarar esta nova insígnia da Sonae com “naturalidade” diz que deve ser uma “preocupação”. Na opinião do médico veterinário, o negócio ligado aos animais “ainda é apelativo e o sector de luxo não estará a ser adequadamente explorado, pelo que o grupo Sonae, que curiosamente não permite aos animais domésticos (para os quais os produtos são desenvolvidos) a sua livre circulação nos seus espaços comerciais fechados, entende ter cartas a dar.”
O médico veterinário entende que a entrada da Sonae neste mercado pode ser explicada pela “desregulamentação, ausência de fiscalização, desemprego, subemprego, e por último, pelo amadorismo na gestão de CAMVs, aliado a um potencial crescimento do sector médico-veterinário pela cada vez maior união dos donos aos seus respetivos animais.” Segundo André Caetano, “a sensação de lucro fácil” pode ter levado o grupo português a investir num novo modelo de retalho” e, com esta nova concorrência, “os CAMV’s que estejam dentro da lei e sem mais valias que os diferenciem estão votados ao insucesso”, enquanto “os que demonstrem forte capacidade de adaptação e inovação irão sobreviver à massificação da prestação de serviços associados a uma concorrência feroz com cartões desconto e afins.”
A VETERINÁRIA ATUAL tentou falar com a Sonae, que até à data de fecho deste artigo não prestou declarações. Porém, no comunicado oficial emitido no lançamento da ZU, a empresa explica que “pretende ser a referência no mercado onde atua pela capacidade de num só espaço reunir tudo o que o cão ou gato precisa, mas também pelo amor e dedicação aos animais” e revela que nos próximos anos a expansão da marca passará “pelos grandes centros urbanos com elevado tráfego clientes e de forte conveniência.”