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Médicos Veterinários

Pets4People reforça atividades assistidas por animais como ferramentas terapêuticas de bem-estar

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O forte vínculo entre as pessoas e os animais está na base das atividades desenvolvidas na Pets4People, uma empresa fundada pela médica veterinária Rosário Bobone, que tem apostado na formação em psicologia e comportamento, para dar resposta à abrangência de serviços em escolas, lares de idosos, casas de acolhimento, associações e, mais recentemente, no apoio personalizado ao luto.

Depois de dois anos como médica veterinária em clínica de pequenos animais, e duas décadas a trabalhar na Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) – com uma interrupção de quatro anos com licença sem vencimento – Rosário Bobone, decidiu dar um novo rumo à sua vida profissional. Mas a escolha pela medicina veterinária remonta à infância e ao facto de adorar cães. “Quando tinha 13 anos, o meu cão morreu e o meu desgosto foi tal que me levou a pensar que o médico veterinário não tinha tratado bem dele”, conta. Foi esse episódio marcante que determinou, anos depois, a escolha da sua profissão. Rosário recorda-se bem de ver “o pai a chorar pela primeira vez” quando o cão morreu, ainda muito novo, com uma virose muito comum, mas para a qual havia vacina.

 

Os quatro anos em que não esteve na DGAV foram passados em Espanha, entre 2005 e 2009, um deles nas Canárias, e três em Madrid, onde decidiu acompanhar a família e o marido que foi trabalhar para o país vizinho. Na DGAV, trabalhou como técnica superior principal no Departamento de Saúde Animal, na área de Saúde Pública, nomeadamente no gabinete de crise da BSE (Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis). “Estive muito envolvida nesta área”, partilha.

Mãe de quatro filhas, foi nas Canárias que começou a despertar o seu interesse para as questões da psicologia. Inspirou-se nas publicações da revista Mente Sana e começou o seu interesse e trabalho na área do desenvolvimento pessoal. Inscreveu-se num curso de Psicoterapia Gestalt, no Instituto de Psicoterapia Gestalt (I.P.G.) de Madrid e, mais tarde, concluiu o mestrado em Psicologia Positiva Aplicada, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa. Tem também uma pós-graduação em Saúde Pública Veterinária, outra em Comportamento Animal e Terapias Assistidas Animais, formação em treino de cães, outra em counselling e luto. Tirou também uma certificação em coaching.

 

“A falta de compreensão por parte de outros relativamente à dor que envolve a perda de um animal de companhia pode conduzir a que a pessoa tenha vergonha de assumir e de manifestar esse luto, o que só vai dificultar o processo” – Rosário Bobone, Pets4People

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Depois de regressar de Espanha, acabou por voltar para a DGAV, onde ficou mais alguns anos, até sentir que tinha de agarrar uma nova oportunidade e juntar o seu gosto por cães e uma vertente solidária que sempre a caracterizou. Saiu da instituição no final de 2014 e fundou um negócio próprio, a empresa Pets4People, entre 2015 e 2016, com o intuito de promover atividades assistidas por cães. Começou a sentir falta do contacto com os animais, não tanto através da prática clínica, mas através de projetos inovadores, e foi assim que pautou a sua profissão. “A Pets4People acredita no poder do vínculo humano – animal como uma ferramenta terapêutica e de bem-estar”, explica.

 

O cão terapeuta fundador, o Brownie, foi uma inspiração para a criação deste projeto. “Era um cão especial e, apesar de já não se encontrar entre nós, continuo a honrar a sua memória.”​ Rosário treinou-o e começou de forma ainda muito informal no Instituto da Imaculada para Pessoas com Necessidades Especiais, onde trabalhou diretamente com crianças e adultos com deficiência. Foi ganhando experiência e percebeu que a presença do cão era benéfica para os presentes e tornava o ambiente mais tranquilo para todos. Trabalhou também com crianças em risco a viverem em casas de acolhimento, em escolas e em lares de idosos. “Estes projetos promovem a estimulação cognitiva e permitem levar alegria a estes locais”, defende.

Atualmente, há um conhecimento muito maior acerca das terapias assistidas com animais. “Também é mais frequente a presença de animais nos hospitais e existem projetos muito interessantes ligados a este tema. A recetividade tem vindo a aumentar, o que é excelente.” Rosário Bobone afirma-se como “uma das primeiras pessoas a começar com esta ideia” e considera que as coisas estão a evoluir neste momento. “Acho que há uma maior recetividade e outros países já estão muito à frente pois começaram mais cedo. Nos EUA, por exemplo, toda a comunidade contribui para este tipo de projetos. Em Portugal, a sociedade é um pouco mais individualista e não existe tanto este apoio por parte das pessoas, o que se traduz numa maior dificuldade de financiamento. E esse é um enorme desafio.” Apesar de ser uma pessoa solidária e de ter vontade de ajudar outras pessoas e projetos, a fundadora do Pets4People considera cada vez mais importante a profissionalização destas empresas e projetos.

 

As atividades são variadas e os projetos vão-se multiplicando conforme as necessidades. O Paco é o atual cão terapeuta residente, um labrador retriever, que vai conquistando as crianças e os adultos. “Por exemplo, ajudei crianças e jovens a superarem o medo de cães, que é algo que voltei a fazer recentemente em conjunto com uma psicóloga.” Neste programa recorre-se a uma técnica de dessensibilização gradual à presença do cão. Como esta é uma fobia muito limitante na vida das pessoas, a médica veterinária considera “muito gratificante a nível humano e emocional” assistir ao “sucesso da intervenção”.

Os resultados são sobretudo qualitativos e são percebidos na prática. “Levamos alegria e promovemos motivação no envolvimento das nossas propostas. É interessante verificar a forma como as crianças se ligam ao cão, com o coração aberto.” No entanto, o trabalho desenvolvido suporta-se de estudos científicos que atestam os benefícios fisiológicos e comportamentais da presença do animal, desde logo, “a redução do stresse, do cortisol, da pressão arterial e o aumento dos neurotransmissores do bem-estar”.

O âmbito da pets4people é relativamente alargado, mas baseia-se sempre neste vínculo humano – animal, promotor de bem-estar das pessoas e dos animais. Sempre que sente necessidade, Rosário Bobone recorre a outras duplas: pessoas e cão.

Apoio ao luto de animais de companhia

E se Rosário decidiu ser médica veterinária após um primeiro processo de luto relacionado com o seu animal de companhia, também foi na perda que encontrou um novo propósito para a sua empresa, já na vida adulta. É curioso perceber que foi no processo de dor que tomou decisões muito relevantes.

“Na sequência da morte do meu cão, passei por um luto difícil, mal compreendido, duro e solitário. E demorei algum tempo a ter outro.” Foi então que optou pela certificação em coaching e estudou sobre counselling e luto numa associação americana dedicada exclusivamente à área. Três anos depois desta formação suplementar e com uma paragem obrigatória por altura da pandemia de Covid-19, que impossibilitou a realização das atividades da empresa (que têm de acontecer presencialmente), lançou um serviço de apoio ao luto personalizado para quem perdeu um animal de companhia. “Tudo isto levou um tempo de amadurecimento em mim e percebi que praticamente não havia nada no mercado nesta área em Portugal.” Era o momento de voltar a apostar no projeto.

“A Pets4People acredita no poder do vínculo humano – animal como uma ferramenta terapêutica e de bem-estar” – Rosário Bobone, Pets4People

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Este serviço acaba por ser também importante para os médicos veterinários que “sofrem um grande desgaste emocional por terem de partilhar estas notícias e também eles sofrem pelas pessoas e têm uma forte ligação aos animais”. Por outro lado, a decisão da eutanásia, que tem de ser tomada pelo tutor, gera muito sofrimento e pode acentuar a dificuldade de processar o luto. As rotinas familiares mudam e fica um sentimento de vazio.

Rosário Bobone sabe do que fala e quer colocar a sua experiência pessoal e profissional ao serviço dos CAMV, em estreita parceria. “O meu trabalho acabará por aliviá-los e isso é muito importante. Estarão a sugerir o projeto de alguém que já passou pelo luto e que sabe que este processo deve incluir várias fases e etapas.” Defensora dos “vínculos fortíssimos de grande intensidade que se criam entre animais e pessoas, muitos deles superiores a algumas ligações familiares”, sente que “a falta de compreensão por parte de outros relativamente à dor que envolve a perda de um animal de companhia pode conduzir a que a pessoa tenha vergonha de assumir e de manifestar esse luto, o que só vai dificultar o processo”.

Neste momento, a Pets4People tem uma parceria com a PerPETuate Portugal, a agência com serviços funerários personalizados para animais de companhia. “Embora as pessoas desta empresa sejam muito empáticas, faltava-lhes um serviço de apoio ao luto e é muito importante terem alguém a quem possam encaminhar os tutores nesta fase.” As sessões podem ser presenciais ou online porque a PerPETuate está distribuída em todo o país. “Este acompanhamento depende do tempo que a pessoa achar necessário. Pode ser de uma ou várias sessões. Caberá à pessoa também decidir a duração deste apoio.” Caso o processo esteja a transformar-se em algo patológico, a médica veterinária pode referenciar o tutor para consultas de psicologia.

A Pets4People iniciou recentemente uma parceria com os Veterinários sem Fronteiras, na área da educação, com o objetivo de aumentar o conhecimento da One Health / Uma Só Saúde, no ensino pré-escolar, através da implementação de ações educativas na área do bem-estar animal e da saúde pública. “Vamos começar em Évora, mas a ideia é alargar a outras escolas.”

Rosário sente que esta é a sua missão e faz questão de conferir uma marca pessoal a este projeto. “Esta empresa tem muito de mim e continuo a lutar. Este tema do apoio ao luto é uma necessidade que ainda não foi colmatada na sociedade e que considero inovadora”, afirma. E conclui: “O mercado pet tem crescido muito e eu interesso-me particularmente pelas questões emocionais”.

*Artigo publicado na edição 194, de junho, da VETERINÁRIA ATUAL

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