Um estudo liderado pelo Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN) do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) e pela Faculdade de Veterinária da Universidade Complutense de Madrid demonstrou, pela primeira vez, a possibilidade de gerar embriões de lince-ibérico a partir de células reprodutoras de fêmeas que morreram em acidentes, fecundadas in vitro com esperma criopreservado.
Os resultados, recentemente publicados, representam um avanço relevante na aplicação de embriões à conservação de uma das espécies historicamente mais ameaçadas da Península Ibérica.
“A nossa investigação traz novas opções ao programa de conservação do lince, porque torna possível a reprodução de animais que não tiveram essa oportunidade, por exemplo, porque morreram prematuramente ou porque apresentam problemas de comportamento e não acasalam”, afirmou Eduardo Roldán, investigador do CSIC no MNCN e codiretor do estudo.
O material reprodutor masculino utilizado no estudo foi obtido graças à colaboração dos Centros de Criação em Cativeiro do lince-ibérico em Espanha e Portugal, que recolheram e criopreservaram esperma para armazenamento no Banco de Germoplasma e Tecidos de Espécies Silvestres do MNCN.
á o material reprodutor feminino foi recolhido através dos Centros de Recuperação de Fauna Selvagem, com o apoio das autoridades regionais da Andaluzia, Castela-La Mancha e Extremadura, do ministério espanhol e do Organismo Autónomo de Parques Nacionais.
A investigação partiu de ovários recolhidos após a morte das fêmeas, transportados refrigerados para laboratório, onde os ovócitos foram maturados em condições controladas. Estes ovócitos foram fecundados com sucesso, originando embriões que foram posteriormente criopreservados por vitrificação e se encontram atualmente armazenados.
“Agora precisamos de desenvolver métodos para transferir estes embriões para fêmeas recetoras, o que contribuirá, sem dúvida, para reforçar a diversidade genética da espécie”, explicou Ana Muñoz Maceda, investigadora e autora principal do estudo.
O estudo identificou ainda diferenças relevantes relacionadas com a época do ano em que os ovários foram recolhidos. “Verificámos que a estação do ano tinha um efeito importante na obtenção de embriões. Tivemos mais sucesso quando os ovários eram recuperados no outono e no inverno, que corresponde à época reprodutiva do lince”, destacou María Jesús Sánchez Calabuig, professora e codiretora da investigação.
Ainda assim, os resultados estão aquém do ideal. “O sucesso alcançado é inferior ao que obtemos com gatos, a espécie que utilizamos como modelo”, referiu María Jesús Sánchez Calabuig, apontando como fator crítico o tempo decorrido entre o acidente, a localização da fêmea e a recuperação dos ovários.
Para ultrapassar estas limitações, a equipa defende a exploração de métodos alternativos de recolha de ovócitos. “Será necessário encontrar o método menos invasivo possível e garantir a máxima recuperação de ovócitos utilizáveis para a fecundação in vitro”, sublinhou Andrea Priego González, investigadora e também autora principal do estudo.
E continua: “estes avanços permitem recuperar diversidade genética de exemplares que morram prematuramente sem deixar descendência, planear cruzamentos entre indivíduos de diferentes populações ou até de diferentes gerações, melhorando as estratégias destinadas a reforçar a diversidade genética da espécie e, em alguns casos, a recuperar genótipos de interesse”.
O lince-ibérico é uma espécie endémica da Península Ibérica que, em 2002, chegou a ter menos de 100 exemplares em liberdade, sendo então considerado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) o felino mais ameaçado do planeta.
Em 2024, de acordo com dados do Ministério para a Transição Ecológica e o Desafio Demográfico de Espanha, a população ultrapassava já os 2.000 indivíduos em estado selvagem. Em apenas duas décadas, programas de conservação, reprodução em cativeiro, reintrodução e investigação genética e sanitária permitiram que a espécie passasse da categoria de “em perigo crítico” para “vulnerável”.

iStock
