No contexto do Orçamento do Estado para 2026, a Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) defendeu a criação de uma Carreira Especial de Médico Veterinário e a redução do IVA nos serviços prestados a animais de companhia, integrando estas propostas num conjunto de 12 medidas essenciais para salvaguardar os animais, os cidadãos, o ambiente e o equilíbrio social.
De acordo com o comunicado de imprensa, a OMV defende que a criação da Carreira Especial de Médico Veterinário se trata de uma medida considerada essencial para reter profissionais qualificados, garantir uma carreira justa e valorizada e travar a emigração de jovens veterinários.
Quanto à redução do IVA nos serviços médico-veterinários a animais de companhia, a Ordem aponta que visa eliminar a atual discriminação fiscal que afeta 4,5 milhões de portugueses e compromete a saúde pública.
As 12 medidas propostas para 2026 organizam-se em quatro eixos principais:
A. Atração e retenção de talento e reforço da capacidade da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV);
B. Valorização e proteção do capital produtivo animal em Portugal;
C. Promoção da detenção responsável e controlo da sobrepopulação de animais de companhia;
D. Melhoria das condições de bem-estar animal.
A. Fixação de talento e reforço da DGAV
- Criação da carreira especial de médico veterinário
A DGAV enfrenta uma grave carência de recursos humanos que compromete a sua capacidade de assegurar a segurança alimentar e a saúde animal, refere a comunicação. O envelhecimento do quadro de pessoal, com cerca de 50% dos trabalhadores acima dos 50 anos, e a elevada taxa de saídas (9,9%) agravam a necessidade urgente de uma carreira especial que valorize e retenha profissionais qualificados.
“Esta situação é agravada pela falta de atratividade para novos médicos veterinários, devido à inexistência de uma carreira especial que realmente reconheça as suas funções únicas e insubstituíveis”, lê-se na comunicação.
A OMV defende ainda que os médicos veterinários permanecem integrados na carreira geral de técnico superior, sem progressão ou valorização específicas e que a recente criação da carreira de inspeção veterinária revelou-se ineficaz, devido à reduzida diferença remuneratória e à ausência de evolução face à carreira de técnico superior.
Além disso, dos 1.135 postos de trabalho aprovados para 2024, 276 estão vagos, o que evidencia a necessidade urgente de abrir concursos para preencher estas vagas, não apenas para médicos veterinários, a fim de assegurar a plena operacionalidade da DGAV.
“A pressão sobre os efetivos atuais é imensa, traduzindo-se em mais de 15 mil horas de trabalho suplementar, maioritariamente em horário noturno. Para assegurar o futuro da DGAV, é urgente não só preencher as vagas existentes, mas sobretudo criar uma carreira especial para os médicos veterinários. Esta medida é fundamental para fixar talento, atrair novos profissionais e garantir a renovação e a sustentabilidade do organismo”, frisou a OMV.
Custo estimado da medida:
A medida abrange cerca de 470 médicos veterinários da Administração Pública e representa um acréscimo aproximado de 4 milhões de euros na rubrica de “Remuneração base”.
B. Potenciação e defesa do capital produtivo animal em Portugal
A Ordem dos Médicos Veterinários afirmou que se torna evidente a necessidade de investir na prevenção, através da vacinação, da aplicação de medidas de biossegurança e do recurso a modelos preditivos, bem como de garantir uma reserva estratégica de meios de apoio à sanidade animal.
- Reforço da verba de sanidade
Propõe-se o aumento do financiamento destinado à mitigação do impacto de doenças, através de programas vacinais e de rastreio, permitindo a inclusão de novas doenças, como IBR/BVD, Paratuberculose e Febre Q — no Programa Nacional de Saúde Animal. - Reserva estratégica para vacinas e rastreios
Prevê-se a disponibilização de verbas específicas para vacinas e rastreios em situações de surto, assegurando resposta rápida e apoio à produção animal.
Custo estimado da medida: 4 milhões de euros – 3 milhões para reforço dos planos de sanidade animal e 1 milhão para a criação da reserva estratégica.
C. Detenção responsável e controlo da população de animais de companhia
A OMV avança que é evidente a necessidade de uma campanha nacional de esterilização mais abrangente e que Portugal dispõe já da capacidade necessária para concretizar este objetivo:
- Mais de 1.500 centros veterinários com cobertura nacional;
- Capacidade instalada para esterilizar cerca de 12.000 animais por dia;
- Possibilidade de esterilizar mais de 3 milhões de animais em 253 dias úteis.
A Ordem defende que a solução passa por utilizar a rede existente, evitando novos investimentos em infraestruturas públicas, e por tornar obrigatória a esterilização de animais que não se destinem à reprodução por criadores profissionais.
Assim, a Ordem dos Médicos Veterinários propõe as seguintes medidas para o controlo da população de animais de companhia, com ou sem detentor:
- Redução do IVA dos serviços médico-veterinários para animais de companhia para 6%
A Ordem sublinhou ser urgente corrigir a atual discriminação fiscal. Na sua ótica, a tributação vigente contraria os princípios da neutralidade fiscal e da coerência das políticas públicas e que a saúde dos animais de companhia não deve ser tratada como um bem de luxo.
A OMV frisa também que o trabalho dos médicos veterinários é de interesse público, tanto nos serviços prestados aos animais de produção como, de forma ainda mais relevante, aos animais de companhia, no âmbito da abordagem One Health, que integra a saúde animal, humana e ambiental.
- Detenção responsável
A comunicação sublinha ainda que é importante garantir o cumprimento efetivo da obrigatoriedade de identificação eletrónica dos animais de companhia, através do reforço da fiscalização pelas autoridades competentes. Prevendo-se assim o agravamento das coimas e a implementação de processos de contraordenação mais céleres. - Obrigatoriedade de esterilização
A OMV defendeu a necessidade de tornar obrigatória a esterilização de cães a partir dos 9 meses e de gatos a partir dos 6 meses de idade, em ambos os sexos, excetuando os animais registados como reprodutores para criação ou os casos em que exista contraindicação médico-veterinária devidamente comprovada. - Isenção ou reembolso de IVA em atos de esterilização
Prever a isenção ou o reembolso do IVA aplicado a todos os atos médico-veterinários de esterilização, mediante apresentação de fatura.
Custo estimado da medida: 3 milhões de euros.
- Criação do Vale Esterilização Animal
A Ordem sugeriu instituir um programa nacional de Vale Esterilização Animal, atribuído em função dos rendimentos do agregado familiar e regulado por uma tabela nacional. A atribuição caberá às autarquias, mediante avaliação dos gabinetes médico-veterinários municipais, no âmbito de uma campanha nacional de esterilização de cães e gatos.
Custo estimado da medida: 3 milhões de euros.
- Registo obrigatório de ninhadas
É ainda sugerido impor o registo online obrigatório, no prazo máximo de 72 horas, de todas as crias de canídeos e felídeos, através da plataforma DGAV/SIAC. Cada animal receberá um número de registo temporário até à colocação do transponder.
Custo estimado da medida: 300 mil euros, referentes à criação e gestão da plataforma.
- Combate ao comércio ilegal online de animais de companhia
A Ordem dos Médicos veterinários sugeriu ainda implementar a validação obrigatória, através do SIAC, do número de microchip e da identificação do criador em todas as transações online de animais de companhia.
A medida será complementada por uma fiscalização ativa dos sites de venda, garantindo o controlo e a rastreabilidade das operações, num mercado onde mais de 60% das vendas ocorrem online.
Custo estimado da medida: 200 mil euros, destinados à criação de uma equipa de monitorização.
- Formação em socorro animal para o corpo nacional de bombeiros
A OMV sublinhou ainda a necessidade de investir na capacitação do corpo nacional de bombeiros para o resgate e assistência a animais em situações de emergência, sejam catástrofes, desastres naturais ou ocorrências do quotidiano. O mecanismo operacional deverá articular-se com os municípios, os Centros de Recolha Oficial (CRO) e os médicos veterinários municipais, garantindo uma resposta coordenada e eficaz.
Custo estimado da medida: 500 mil euros.
D. Melhoria do Bem-Estar Animal
No domínio do Bem-Estar Animal, a Ordem dos Médicos Veterinários avança que propõe, para 2026, uma medida de fácil implementação que contribua para a melhoria e evolução do Bem-Estar Animal no país.
- Abolição do método de maceração em aves de criação com menos de 72 horas
A Ordem propôs a eliminação do uso do método de maceração no abate de aves de criação com menos de 72 horas de vida, substituindo-o por alternativas mais humanitárias e alinhadas com as normas europeias de bem-estar animal.
Segundo a OMV, este plano representa um investimento total de 15 milhões de euros por parte do Estado Português na área da Saúde Animal. Deste montante, 4 milhões serão alocados ao orçamento da DGAV e 11 milhões ao Programa de Incentivos Financeiros para o Bem-Estar Animal. Em 2025, este programa contou com 14,5 milhões de euros, dos quais 7 milhões foram destinados a medidas de controlo animal.
De acordo com a comunicação, o plano reforça ainda a necessidade de um trabalho legislativo contínuo no agravamento das penas por maus-tratos, sublinhando, contudo, que uma legislação exemplar não é suficiente. Sem fiscalização eficaz, recursos humanos adequados e instrumentos operacionais alinhados, o problema do descontrolo da população de animais de companhia continuará sem solução estrutural.

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